Rio Grande do Sul

Papo de Sábado

“A dívida do estado está paga desde maio de 2013”, afirma auditor do Tribunal de Contas

Josué Martins explica a campanha #EstaContaEstáPaga e os prejuízos da adesão do RS ao Regime de Recuperação Fiscal

Brasil de Fato | Porto Alegre |
O auditor Josué Martins alerta que o debate da adesão ao Regime de Recuperação Fiscal vai voltar para Assembleia Legislativa no início de maio - Foto: Fabiana Reinholz

Em entrevista ao Brasil de Fato RS, o presidente do Conselho Deliberativo do CEAPE-Sindicato (dos Auditores do TCE-RS), e vice-presidente para a Região Sul da FENASTC (Federação das Entidades de Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil), o auditor externo Josué Martins, explica a Campanha #EstaContaEstáPaga #AContaTáPaga e afirma que a dívida do Rio Grande do Sul já foi quitada em maio de 2013. Josué Martins é auditor do Tribunal de Contas do estado desde 1991, com mestrado em Ciências Econômicas.

Confira a entrevista

Brasil de Fato RS - O CEAPE-Sindicato (dos Auditores do TCE-RS), a FENASTC (Federação das Entidades de Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil), o Núcleo Gaúcho da Auditoria Cidadã da Dívida Pública, a União Gaúcha em Defesa da Previdência e Social e Pública e uma série de outras entidades estão iniciando a Campanha #EstaContaEstáPaga #AContaTáPaga. Qual o objetivo?

Josué Martins - Esse conjunto de entidades procura com a campanha esclarecer a sociedade gaúcha sobre as consequências de o estado aderir ao Regime de Recuperação Fiscal. A ideia é exatamente comprovar para a sociedade que a maior parcela da dívida do RS, cerca de 86%, que corresponde a dívida do estado com a União, aquela assumida pelo governo Antônio Britto lá em 1998. Se tivéssemos critérios adequados para a revisão do contrato, ela já estaria quitada desde maio de 2013.

O contrato é extremamente danoso para o estado, tanto que nos 7 anos anteriores a sua assinatura, a dívida custava algo como 8% da receita, e hoje, digamos que passados 15 anos ela já custa em torno de 16% da receita do estado. Então veja que o nosso compromisso de pagamento da dívida em relação a receita do estado chegou a dobrar com o novo contrato, de tão prejudicial ao estado que ele é, de tão favorável a União que ele é.

E hoje, o que o governo está fazendo com a adesão ao regime, é consolidar aquele contrato, os termos daquele contrato lá de 1998, sem discuti-lo. O governo simplesmente aceita os termos daquele contrato, que vem nos trazendo um conjunto de prejuízos enormes.

BdFRS - Há alguns anos o CEAPE vem alertando que a dívida pública do estado já está paga desde maio de 2013. Pode nos explicar?

Josué - Esse é um cálculo que considera tudo que foi pago desde a assinatura do contrato até o ano de 2013. Somou-se todos os valores pagos, corrigiu-se monetariamente pelo índice oficial de inflação, que é o IPCA, sem os juros do contrato. Aquele contrato original previa juros de 6% ao ano, juros compostos, que são juros mais gravosos, e a correção pelo IGPDI. Se nós corrigimos pelo índice oficial de inflação, que é o IPCA, apenas isso como encargos, a dívida estaria paga em maio de 2013. E por que nós defendemos retirar os juros do contrato? Porque essa relação entre a União e os entes federados devia ser uma relação de parceria, de solidariedade, de auxílio, e não de imposição de um contrato gravoso ao estado, que é o que aconteceu lá em 1998.

Quem olha a evolução da dívida, vai perceber que no período de 1994 a 1098 a dívida mais que dobrou o seu montante. Um primeiro olhar sobre esses números indica que o estado deve ter gasto além das suas possibilidades, que é o que a mídia tradicional e os economistas ortodoxos costumam alegar quando num primeiro momento olham um crescimento da dívida desse montante sem olhar as suas causas.

É preciso dizer que a responsabilidade por esse endividamento brutal não é dos estados, é da União, e, portanto, se justifica menos ainda a cobrança dos juros que são o principal encargo no contrato

E o detalhe é, a dívida mais que dobrou no período, sem que tivesse entrado nenhum centavo de dinheiro novo nos cofres do estado. Por que ela dobrou? Por conta das elevadíssimas taxas de juros do governo federal nesse período que foram os primeiros quatro anos de implantação do Plano Real. O governo federal usou e abusou da taxa básica de juro como forma de controlar a inflação, e isso levou a um crescimento brutal das dívidas dos entes subnacionais.

Então veja, por conta de uma política monetária adotada pela União, os entes subnacionais têm fragilizada a sua situação financeira, e essa fragilização resultou naquele crescimento brutal da dívida que hoje segue sendo cobrado. É preciso dizer que a responsabilidade por esse endividamento brutal não é dos estados, é da União, e, portanto, se justifica menos ainda a cobrança dos juros que são o principal encargo no contrato, na forma como foram estabelecidos.

 

Conheça a Campanha de esclarecimento sobre o Sistema da Dívida e a adesão do RS ao regime de recuperação fiscal.

Posted by Josué Martins on Sunday, April 3, 2022

 

BdFRS - Quais são os principais prejuízos da adesão do RS ao Regime de Recuperação Fiscal e as consequências do Sistema da Dívida para a sociedade gaúcha?

Josué - O contrato de 1998 já tinha seis condicionantes para o estado realizar a política econômica. Ou seja, lá em 1998 determinava que o estado tinha que privatizar as suas estatais. O estado tinha que diminuir brutalmente a despesa com os servidores públicos, o que significava arrocho salarial e diminuição do número de servidores, quando na verdade o Estado como um ente que é essencialmente prestador de serviço, precisa de gente. Ao reduzir essa parcela importante da sua despesa, ele necessariamente vai reduzir a sua capacidade de prestar um serviço decente à população gaúcha.

Quando percebemos a evolução da qualidade do serviço público e mesmo na quantidade ofertada, de 1998 pra cá tem caído, a gente tem problema na Educação, tem problema na Saúde, tem problema na Segurança, mas tem também na cultura, no transporte, no controle externo, que é a atividade que o Tribunal de Contas executa, na prestação jurisdicional. Ou seja, o contrato lá de 1998, ele é responsável pelo colapso que a gente tá verificando na capacidade do Estado prestar um serviço decente à população gaúcha.

Esse contrato que se pretende revisar e repactuar agora em 2022, ele não diminui esses encargos gravosos lá de 1998, no que se refere a esses condicionantes, que lá eram seis, e agora passam a ser mais de 21, e todos eles aprofundando aquelas diretrizes lá atrás, que inclusive diminuem substancialmente a capacidade do Estado de também investir, um investimento que é a variável que dá a dinâmica da economia, que faz a economia crescer e o estado se desenvolver.

Tudo naquela visão que a gente popularmente tem chamado de neoliberal, que prega o afastamento brutal do Estado na economia, que chegou ao ápice agora com o governo federal tendo o Guedes como ministro da Economia, e que tem praticamente impedido que o Estado União consiga fazer um controle de quadro da inflação e da própria pandemia. O Brasil é um dos países que mais teve a população atingida por esse flagelo da pandemia, atrás apenas dos norte-americanos. 

BdFRS - A campanha propõe auditar a dívida e tirar dali o que não é devido. Como seria esse processo? E o que precisa para ser aprovado?

Josué - Quando a campanha propõe auditar a dívida e tirar dali o que não é devido, o importante é dizer que é preciso revisar os termos do contrato original, demonstrando o quanto ele foi gravoso para as finanças do estado, o quanto ele prejudicou o desempenho da economia gaúcha. Inclusive o estado tem uma ação que tramita no Supremo Tribunal Federal, que diz exatamente isso, que é preciso retirar os juros, uma ação promovida pela gestão anterior.

Se essa ação fosse vitoriosa, nós teríamos essa condição, cerca de 86% da dívida do estado seria retirada do nosso passivo. Isso abriria um espaço para efetivamente entrar dinheiro nos cofres do estado, e um bloco importante de investimentos públicos poderia ser realizado a partir daí. Mudaria a dinâmica da economia gaúcha, mudaria a própria dinâmica da arrecadação de receitas do estado, e teríamos um ciclo virtuoso do ponto de vista econômico para o desenvolvimento do estado.

A questão da dívida pública não é apenas uma questão técnica ou uma questão econômica, é uma questão também política, e, portanto, é preciso envolver a sociedade gaúcha

É importante dizer que o processo de auditoria é algo bastante conhecido dos auditores do tribunal, que poderíamos organizar esse processo em conjunto com a sociedade. A questão da dívida pública não é apenas uma questão técnica ou uma questão econômica, é uma questão também política, e, portanto, é preciso envolver a sociedade gaúcha, elaborando um processo que nós defendemos como sendo de auditoria cidadã da dívida pública.

BdFRS - Como as entidades e a sociedade podem participar da campanha?

Josué - A campanha está começando agora, com um foco nas redes sociais, seria importante que as entidades e as pessoas acessassem as nossas redes, o Instagram, o Twitter, a página no Facebook, enfim, como forma de fazer a campanha bombar nas redes sociais. Com a campanha nós pretendemos que o tema da dívida seja enfrentado com mais seriedade do que foi enfrentado na última campanha eleitoral, e que ele possa ter centralidade na campanha, porque do nosso ponto de vista não é possível realizar nenhuma política pública mais séria e estruturante pelo governo que vai se instalar, sem que esse tema seja enfrentado com altivez e com a necessária responsabilidade.


A campanha está nas redes sociais / Divulgação

É preciso acrescentar que ao aderir ao Regime de Recuperação Fiscal, o estado abre mão daquela ação que tramita no Supremo, aliás, o governo Leite já protocolou o pedido de desistência da ação. Ainda não foi aceito pelo relator, mas ele vai nos causar problemas sérios ali na frente, porque além da ação do estado, tem uma ação da OAB do RS. Por essa ação da OAB cerca de 70% do saldo devedor da nossa dívida com a União já estaria quitado. Então nós temos duas ações tramitando no Supremo que poderiam resolver o problema, ou minimizar significativamente, as duas vão acabar perdendo o objeto segundo a tese da União, caso a gente venha realmente aderir ao Regime de Recuperação Fiscal.

A adesão ainda não está completa, ainda se discute isso na União, e o governo do estado vai ter que fazer uma alteração no regime. O tema vai voltar pra Assembleia Legislativa, com uma discussão que deve ocorrer no início de maio. Então tem um espaço ainda para reverter toda essa situação que tá se avizinhando pela frente.


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Edição: Marcelo Ferreira