Minas Gerais

Energia

Privatizar a Cemig é bom para os consumidores?

Venda da estatal coloca em risco mais de 5 mil trabalhadores

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
“Vai ser igual aconteceu com a telefonia: vai piorar o serviço e aumentar o preço da conta”, avalia consumidora
“Vai ser igual aconteceu com a telefonia: vai piorar o serviço e aumentar o preço da conta”, avalia consumidora - Foto: Larissa Costa/Brasil de Fato MG

“A minha conta de luz aumentou exageradamente, mas nós não aumentamos o consumo. E não foi só a minha, todo mundo aqui no condomínio percebeu esse aumento. Se privatizar, vai piorar mais ainda. Se é uma empresa pública e já está desse jeito, imagina se vender para os estrangeiros?”, desabafa Maria Helena Pereira. No último período a conta de luz da aposentada passou de R$120 para R$190, o que representa mais que 10% da sua renda.

Um dos motivos do reajuste na tarifa da energia em Minas Gerais foi a venda de quatro usinas hidrelétricas da Cemig, leiloadas em 2017 pelo governo Temer. Juntas, as usinas de Jaguara, São Simão, Volta Grande e Miranda eram responsáveis por metade da energia gerada no estado. Agora, elas estão sob posse de empresas privadas, que podem explorar as hidrelétricas por mais 30 anos. A usina de São Simão, por exemplo, quando estava na mão do Estado, cobrava por megawatt gerado por hora R$ 66, agora o valor é de R$ 142.

A rejeição de Maria Helena à privatização é também a de mais da metade da população do estado. Uma pesquisa realizada pelo jornal O Tempo em 2018 apontou que mais de 60% dos mineiros são contra a venda de estatais. Mas a ameaça segue a todo vapor. No último dia 9, em entrevista a uma emissora, o governador do estado, Romeu Zema (Partido Novo) reafirmou o que vinha propagando durante sua campanha eleitoral: a ideia da venda de empresas mineiras, principalmente a Cemig e a Copasa.

Se vender, resolve a dívida do estado?

A alegação do governador é de que a privatização das estatais resolveria a questão fiscal do estado, que hoje tem um déficit com a União em R$ 87 bilhões. A proposta de renegociação do atual governo federal é de suspender a cobrança das dívidas desde que os estados entreguem seus ativos. Para Carlos Machado, economista do Dieese, a privatização não é a solução; ao contrário, compromete ainda mais as contas. “Vender essas empresas não resolve a crise fiscal de Minas Gerais. Compromete o futuro da economia mineira para sequer resolver um problema de curto prazo”, afirma.

Para se ter uma ideia do montante que a Companhia gera para Minas, em 2017, o lucro líquido da empresa subiu 200%, chegando a R$ 1 bilhão. Além de abrir mão de um patrimônio público, a venda da Cemig também colocaria em risco o emprego dos trabalhadores da empresa. Em um cenário em que a taxa de desocupação é de quase 10%, de acordo com dados da Fundação João Pinheiro, a venda da estatal representaria a demissão de mais de 5 mil trabalhadores.

Vai abaixar o preço?

Zema também argumenta que a privatização traria uma redução de custos para o consumidor, já que abriria o preço para uma “concorrência”. A alegação é contestada pelo economista do Dieese, Carlos Machado “ A Aneel, que é a agência reguladora de energia, já calcula o preço da tarifa levantando a hipótese de que há uma concorrência. Então isso já é levado em conta para calcular o preço”, explica.

Além de controlar o preço da tarifa de energia, o que pode aumentar o valor da conta, a privatização também representa o fim da tarifa social, um desconto concedido para consumidores de baixa renda, que seria extinto com a privatização. Outro setor em risco são os investimentos em ações sociais. Em 2017, cerca de R$ 50 milhões foram investidos em projetos de educação e esporte.

Outros estados já privatizaram, como foi?

Paraíba, Piauí e São Paulo privatizaram suas companhias energéticas. Em 2013, foi a vez do Rio de Janeiro. Desde então, consumidores reclamam de cobranças indevidas na conta e da qualidade do serviço prestado. Em 2016, um bueiro da companhia explodiu, ferindo oito pessoas. No ano seguinte, a Light, companhia que comprou a estatal carioca, foi eleita com a empresa mais processada no Rio de Janeiro. “O empresário quer maximizar seus lucros e para isso minimiza os custos, ou seja, demite funcionários, reduz investimento na rede, nas equipes de manutenção, etc. Privatizar é uma proposta de sucateamento que não interessa nem aos trabalhadores nem aos consumidores”, pontua Jefferson Silva, presidente do Sindicato dos Eletricitários de Minas Gerais - Sindieletro - MG.

Zema tem direito de vender a Cemig?

Em 2001, foi aprovado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais uma emenda constitucional que protege as estatais mineiras. A PEC 50 prevê que as empresas só poderão ser vendidas com o voto de três quintos dos deputados estaduais. Caso seja aprovada na ALMG, a venda das empresas ainda precisa passar por um referendo popular. Dessa forma, o povo mineiro tem o direito de decidir se uma estatal pode ou não ser privatizada. Para mobilizar a população sobre o tema, o Sindicato dos Eletricitários de Minas Gerais (Sindiletro-MG), juntamente com outras categorias e com movimentos populares, organizam uma série de agendas sobre o tema, como uma plenária na noite de quarta (16). No sábado, deve ser realizado um ato inter-categorias. Ainda estão previstas manifestações, aulões e debates com a população.

Edição: Joana Tavares