Entrevista

"Depois dos cortes, virá a privatização do ensino", diz Paulo Arantes

Para pesquisador da USP, quem pauta a educação hoje no Brasil são as grandes corporações

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Paulo Arantes é professor aposentado do departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP)
Paulo Arantes é professor aposentado do departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) - Foto: Brasil de Fato

Mesmo com o anúncio do desbloqueio de R$ 1,58 bilhão pelo Ministério da Educação (MEC) nesta quarta-feira (22), o cenário de desmonte do ensino federal público continua efetivo. Cerca de R$ 5,8 bilhões do orçamento da pasta permanecem congelados.

O corte do MEC, que foi anunciado pelo ministro Abraham Weintraub -- ex-funcionário do Banco Votorantin --, visa atingir, principalmente, as universidades públicas, grandes centros da produção de ciência e conhecimento no país.

Para Paulo Arantes, filósofo marxista, e um dos mais importantes intelectuais ligados ao Partido dos Trabalhadores (PT) -- até romper com o partido, em 2003 --, com a eleição de Jair Bolsonaro (PSL), a educação cai na esfera gravitacional de Paulo Guedes, do ultraliberalismo.

“Guedes tinha interesse nesses negócios educacionais e, portanto, ele ia montar um fundo, e iria montar uma privatização não no sentido lato, ia fazer uma remodelação gestionária mais avançada, que é o sonho deles. As grandes corporações, fundações, bancos, pautam a educação no Brasil, porque o Estado faliu”, disse.

Paulo Guedes possui investimentos no setor educacional privado e a distância, chegando a captar R$ 1 bilhão de fundos de pensão. A irmã do ministro, Elizabeth Guedes, é presidenta da Associação Nacional de Universidades Privadas (Anup), entidade que representa monopólios educacionais privados, como Anhanguera, Estácio, Kroton, Uninove e Pitágoras. Os lucros da família Guedes no setor educacional foram alvos de investigação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal (MPF), na operação Greenfield.

 

Retaliação política como justificativa para os cortes

Para Arantes, o fator novo nas políticas de congelamento de verbas são as explicações para realizá-lo.

“Esses cortes, eles em si mesmo, não são novidade, porque eles já vêm [acontecendo] há muito tempo. A justificativa que é inédita. O novo é a clara intenção de retaliação política e ideológica. Eles dizerem que é nitidamente uma retaliação, uma punição, dizendo que é balbúrdia e por aí a fora”, justifica.

“Quando se fala no ataque à cultura, à ciência, à educação, à inteligência, nós pensamos no Terceiro Reich [período em que a Alemanha foi governada por Adolf Hitler]: quando eu ouço a palavra cultura, eu puxo uma arma. Mas aqui é uma coisa diferente, é um pouco como se a tropa de choque se antecipasse para limpar o terreno por vingança, por analfabetismo político, por impulsos primários. É justamente coisa de quem perdeu estando dentro do sistema”, complementa.

Ele diz ainda que os cortes funcionam com uma "vingança cega" dos "náufragos da meritocracia". E que a única saída para enfrentar o desmonte ainda é a educação.

“O Bolsonaro acertou na mosca. 'Nós não viemos para construir nada, mas para desconstruir'. Eles provocaram uma confusão espantosa, e com isso abriram a porteira. Queremos ver se conseguimos empurrar eles para fora através da educação, porque é uma coisa defensável publicamente”, finalizou.

Edição: Aline Carrijo