Rio Grande do Sul

ENTREVISTA

“O futebol hoje é tosco, primitivo, resultadista”, diz Juca Kfouri

O jornalista esportivo conversou com o Brasil de Fato sobre futebol, mas também sobre política e outros temas atuais

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Juca (segundo da dir. pra esq.), ao lado do Dr. Sócrates, em um dos comícios da Campanha Diretas Já
Juca (segundo da dir. pra esq.), ao lado do Dr. Sócrates, em um dos comícios da Campanha Diretas Já - Foto: Nelson Antoine/Folhapress

O paulistano Juca Kfouri é um dos mais conhecidos jornalistas esportivos do país, embora sua atividade no ofício transcenda as questões da bola. Ex-diretor de redação das revistas Placar e Playboy, trabalhou em rádio, jornal e TV. Na televisão, passou por Globo, Tupi, Record, Cultura, Rede TV, CNT e SBT. Hoje, atua na TVT e na ESPN. E alimenta diariamente com suas opiniões incisivas o Blog do Juca (blogdojuca.uol.com.br). Aqui, nessa conversa por email, ele fala de futebol, é claro, mas também de política - muito jovem, militou na Ação Libertadora Nacional, a ALN de Carlos Marighella - da mídia, de racismo, de religião e das trevas atuais, mas também de esperança.

BdF RS - Desde 1930, ao longo das edições da Copa do Mundo, europeus e sul-americanos se alternaram em conquistas. Porém, agora, estamos vivendo o mais extenso período em que apenas um continente vence: as últimas quatro conquistas são europeias. Pior ainda: em três das decisões (2016, 2010 e 2018) os dois finalistas foram europeus. Apenas o poder econômico explica isso?  
Juca Kfouri
 - O poder econômico e a globalização que permitiu a todos verem os quintais de todos. Além do mais, o modelo de gestão empresarial do futebol europeu transformou o futebol sul-americano em mero exportador de pé de obra, em vendedor de commodities, como nos tempos coloniais.

Existe solução para o futebol brasileiro com a CBF sendo o que sempre foi e continua sendo? Ou seja, uma instituição autoritária, fechada e suspeita?

JK - Existe desde que os clubes assumam o poder que têm. Como nada indica que isso venha a acontecer, o panorama é sombrio.

Não esquecer o afeto na hora da política

O racismo continua forte no universo do esporte, sobretudo nas torcidas. Recentemente, o ex-árbitro gaúcho Márcio Chagas relatou com detalhes a perseguição racial que sofre, inclusive hoje como comentarista de arbitragem. A que você atribui essa mácula?

JK - Ao racismo que vigora no Brasil desde sempre, à escravidão até hoje mal resolvida e à hipocrisia nacional.

Você acha que ainda verá jogadores de futebol assumindo explicitamente a condição de homossexual? 

JK - Duvido. E nem exijo heroísmo com o pescoço alheio...

A forte presença do evangelismo pentecostal entre os atletas é algo que, a seu ver, é positivo para o esporte? Ou não?

JK - Religião é coisa para ser tratada em seus templos, com todo respeito. Trazê-la para o estádio é uma ofensa aos que não creem e um acinte ao goleiro que sofre o gol e vê o artilheiro agradecendo ao seu deus. O goleiro não tem deus?

Você olha para a Copa dos Campeões da Europa ou a Premier League e compara com o Brasileirão, a impressão é que, no limite, trata-se aqui de outro esporte, mais tosco e primitivo. Qual é o seu sentimento diante disso?

JK - Exatamente este: o futebol que já foi chamado de "beautiful game" é hoje tosco, primitivo, resultadista.

Você lançou seu livro Confesso que Perdi onde, entre tantas histórias, relembra seu tempo de Ação Libertadora Nacional (ALN) nos embates contra a ditadura. Tem gente achando que agora existe mais ódio contra o dissidente ou o diferente do que naquela época. E você?

JK - É, o clima de intolerância agora é maior, facilitado pelas redes antissociais.

Você pretende escrever um segundo volume de suas memórias? Em caso positivo, o que contará?   

JK - Não. O que escrevi já foi arrancado à fórceps.

E o Brasil de 2019? Quando olha para o seu país, o que você vê?

JK - Vejo a necessidade de resistir, de ninguém soltar a mão de ninguém, de não esquecer o afeto na hora da política e de não desesperar, embora motivos não faltem diante do obscurantismo, da idiotia surreal que nos assola.

A grande imprensa errou, mas agora é tarde

Qual a culpa no cartório que a chamada grande imprensa tem nisso?

JK - Participou do golpe do impeachment e acreditou que controlaria o maluco. Começa a se dar conta que errou. É tarde.

Há quem entenda que Bolsonaro prestou um favor à visão real do Brasil. Suas declarações, seus gestos, seus votos, e seu governo revelaram um país que não se queria ver: racista, homofóbico, misógino, xenófobo e fascistóide. Você concorda?

JK - Em parte. Mas acredito mais em que muita gente votou por ignorância, pela força do poder econômico, por falta de opção. Lembremos que Lula liderava as pesquisas, ou seja, muito voto que seria dele foi para o maluco. De certa forma, o maluco é um Lula com sinal trocado.

Bolsonaro, Damares, Araújo, Mourão, Guedes, Olavo de Carvalho, Ônix... Você ainda tem alguma esperança?

JK - Nessa gente, não! Mas no povo brasileiro, sim! 

Edição: Marcelo Ferreira