Rio Grande do Sul

ENTREVISTA

“A missão do ministro Guedes é sanar o Estado para vender o país”, diz sociólogo

Clemente Ganz Lúcio, do Dieese, falou sobre Previdência, disputas de visões de Estado e a construção de novas utopias

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Governo deveria fazer "uma reforma tributária que taxasse os mais ricos e não retirando dos mais pobres"
Governo deveria fazer "uma reforma tributária que taxasse os mais ricos e não retirando dos mais pobres" - Fotos: Katia Marko

Em entrevista ao Brasil de Fato, o sociólogo e diretor técnico do Dieese Clemente Ganz Lúcio falou sobre o que está em jogo com a nova Previdência proposta pelo governo Bolsonaro. Para ele, o governo deveria priorizar o equilíbrio dos gastos públicos por meio de uma reforma tributária que taxasse os mais ricos e não retirando dos mais pobres, o que vai acontecer se for aprovada a reforma. Confira a íntegra da entrevista.

Brasil de Fato RS – O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou recentemente que a intenção inicial da equipe econômica é obter uma economia de R$ 1 trilhão em dez anos com a proposta de reforma da Previdência. O que significará essa reforma?

Clemente Ganz Lúcio - Essa reforma faz todo o sentido para esse governo. A reforma da Previdência é uma reforma fiscal. Nós vamos economizar cerca de R$ 1,2 trilhão no Orçamento da União, em 10 anos, R$ 4,5 trilhões em 20 anos. O que vamos fazer com esse dinheiro? Por um lado, equilibrar o orçamento, por outro, vai sobrar um recurso para o Estado investir e não haverá pressão para aumentar tributo. ‘Essa coisa que vocês querem fazer de Estado de bem-estar social custa e custa crescentemente. Não venham nos enganar’, eles dizem, ‘que vocês não vão ter que fazer uma reforma tributária para cobrar imposto e de quem? Meu? Não!’ Então, o que eles estão dizendo é: chega de pagar imposto, de gastar em políticas sociais, virem-se! O Estado vai investir com o que economiza. E nós vamos retomar o crescimento. Eles têm razão? Tem. Isso é lógico. A hora que o Estado deixar de gastar e começar a investir vai retomar o crescimento pelo lado do investimento.

Em uma sociedade desigual como a nossa, onde as transferências previdenciárias giram de 30% para 80% na proteção dos idosos, isso significa que essa renda é estruturante da demanda agregada, da demanda da sociedade, não é uma renda marginal, é estruturante. Porque essas pessoas passam a sustentar o padrão de vida dos filhos e dos netos nas cidades. Então ao mexer nisso você mexe na demanda das famílias. E é isso que eles não estão contando. Nós não somos uma sociedade japonesa, onde o padrão de vida está lá em cima e o governo japonês está dizendo: Nesta sociedade eu tenho que diminuir o tempo de contribuição exigido para um japonês se aposentar porque ele tem que ter a garantia de chegar aos 65 anos e se aposentar de qualquer jeito. O Estado japonês quer que ele se aposente de qualquer jeito, porque quer entregar renda garantida pra ele continuar a consumir, porque ele vai viver mais 20 ou 30 anos. O que eles estão dizendo é: eu preciso garantir a demanda.

Nós estamos fazendo o cálculo, vamos economizar, não vamos pagar imposto (os ricos) e vai sobrar dinheiro do Estado para fazer estrada, portos, etc., investimento produtivo. Isso gera um pouco de emprego. Sim, mas isso que estamos economizando vai atacar a demanda da sociedade. As famílias vão ter menos renda e vão consumir menos. Porque o sistema produtivo vai investir se eu tenho menos renda? Essa equação é que não fecha.

O que o ministro da Economia, Paulo Guedes, diz? ‘Dane-se! O que eu tenho que fazer? Entregar o Estado equilibrado e vender a quem quer comprar. Esse é meu negócio. Feito isso, posso ir embora. Cumpri a minha missão. A missão dele é essa, vender o país, entregar para quem quiser comprar e entregar um Estado equilibrado para fazer investimento produtivo. Quem vem aqui comprar o país tem que ter a segurança de que vai ter um sistema efetivo e eficaz, vai ter portos, aeroportos, estradas, energia elétrica que é o Estado que tem que fazer. ‘Ah vocês querem gastar com política social?’ Hoje não sobra dinheiro pra fazer investimento, é verdade, do jeito que está não sobra.

O que nós temos que fazer? Temos que fazer uma reforma tributária para financiar bem a proteção social e gerar recurso para fazer investimento. Nós não fizemos. Temos que fazer. E quem vai pagar imposto nessa reforma tributária? Quem hoje não paga. Quem está dizendo: eu não quero pagar. Os ricos. Essa é a disputa que está em curso. E eles ganharam a eleição. Nós perdemos.

BdFRS - Como explicar trabalhador defendendo a reforma da Previdência ou a reforma trabalhista aprovada no ano passado?

Clemente - Porque a lógica que eles apresentam é uma lógica de economia familiar. Você ganha R$ 100, gasta R$ 120, o que você faz? Corta R$ 20, é isso que eles estão dizendo, tem que economizar. Tem uma lógica? Tem, tem que economizar, por que está se gastando R$ 120? Porque as pessoas estão vivendo mais. Isso exigiria uma reforma da Previdência permanentemente, e permanentemente a gente vem fazendo mudança na Previdência no Brasil e no mundo, ampliando a idade. Por quê? Porque antes, as pessoas em média, viviam com a aposentadoria cinco anos após se aposentar, em média em cinco anos as pessoas morriam. Então o Estado tinha que se preparar para financiar os aposentados durante cinco anos após se aposentar, em média. Alguns viviam 10, mas outros viviam um mês, em média dava cinco. Hoje, uma pessoa que chega aos 65 anos, vive mais 15; uma mulher que chega aos 60, vive mais 22. Então nós temos que pensar um Estado que não vai pagar cinco anos de Previdência, vai pagar 20 anos de Previdência. Nós temos que responder como faz isso. O dinheiro não cai do céu, o dinheiro é resultado de uma produção econômica, da nossa produção econômica coletiva, o que nós, enquanto país produzimos economicamente. Disso uma parte é retirada pelo Estado e devolvida como proteção social. Isso custa, e custa muito.

Os 30% que a gente paga hoje para fazer a Previdência funcionar, 10% nós trabalhadores, em média 11%, o empregador 20%, não financia, nós teríamos que pagar muito mais. Por quê? Porque o número de pessoas que estão na ativa no mercado de trabalho está diminuindo, e o número de pessoas que está se aposentando e vivendo mais está crescendo. Essa equação não está parando em pé. Parava até agora relativamente bem porque estávamos em um período de implantação do novo sistema de proteção social, muita gente entrando no mercado de trabalho e pagando a Previdência e pouca gente aposentada. Nós estamos começando um ciclo aonde o número de pessoas no mercado de trabalho começa a estagnar e diminuir e o número de pessoas aposentadas começa a crescer porque todos aqueles que contribuíram esses anos todos, começam a se aposentar. Esta equação perde o equilíbrio.

O que os países têm feito no mundo, tem dito? Essa mudança demográfica, combinada com a mudança tecnológica, combinada com a mudança na estrutura das empresas, tá dizendo: não será possível financiar o sistema de proteção com base contributiva na folha salarial e nós temos que deslocar o financiamento da Previdência para formas de tributação que não são mais exclusivamente sobre a folha e progressivamente, cada vez de forma mais participativa, tributos não salariais, lucro, patrimônio, renda, consumo talvez, financiando a proteção social que não necessariamente mais é uma proteção laboral. Todos os idosos aos 65 anos terão uma proteção, sendo ou não pessoas que tiveram contribuição laboral econômica. Poder ter sido uma pessoa que trabalhou a vida toda cuidando do filho doente, do neto, trabalhou a vida toda e vai ter uma proteção. Então o conceito de proteção não é só mais um conceito laboral. Essas são as reformas que deveríamos estar fazendo agora da Previdência, é uma reforma urgente, que é uma reforma tributária, uma reforma de conceito, uma reforma da estruturação dessa transformação, essa reforma que deveríamos defender, uma reforma tributária.

O fundamental aqui é compreender, primeiro, é urgente e necessário uma profunda reforma da Previdência, mas não a reforma que eles estão propondo, a reforma que eles estão propondo é uma reforma orçamentária do ponto de vista fiscal, eles estão dizendo o Estado vai gastar menos com proteção. E nós vamos com isso garantir que nós não vamos pressionar tributo.

O Guedes tem falado, se der nós vamos inclusive diminuir os tributos do setor produtivo. É isso que eles estão programando. Nós devíamos dizer: nós temos que produzir uma reforma da Previdência que transite desse financiamento atual para um novo modelo de financiamento, nisso inclui tributo novo, revisão de isenção, revisão de desoneração tributária da Previdência, sistema de cobrança de devedores de outra maneira, com tecnologia, com um monte de coisa. Não faz mais sentido acumular R$ 500 bilhões de dívida da Previdência e dizer que você não consegue cobrar 3/4 disso, não faz sentido com a tecnologia que tem hoje. Então, essa é a reforma que deveríamos fazer, de um lado, de outro, dizer do ponto de vista paramétrico, não faz sentido homens e mulheres se aposentarem com idades diferentes, é.., não faz, o mundo caminha para convergência, o mundo caminhou para convergência aonde? Aonde as condições das mulheres se aproximam da condição dos homens, nós já temos essa situação hoje? Não. Bom, então vamos construir essa transição e vamos projetar: em 30 anos nós vamos caminhar para isso se, as condições da mulher a dos homens se aproximarem salarialmente, condições de trabalho, creches para crianças porque elas são responsáveis pelas crianças e mais uma série de coisas que dizem, daqui há 30 anos as condições se igualaram, as mulheres se aposentam na mesma idade, então se tem uma transição. Podia ser outros exemplos, se constrói uma transição para condições paramétricas que você julga adequada, isso a gente julga, faz em 30 anos.

Uma coisa que poderíamos fazer imediatamente é dizer, no país a Constituição diz que nenhum servidor público ganha mais que o presidente da República, isso é um preceito constitucional, implanta-se esse conceito imediatamente, todos aqueles que hoje ganham mais que o presidente da República, um servidor público na ativa ou um aposentado vão ter um redutor. Redutor constitucional número 1: a pessoa ganha de aposentadoria R$ 127.000,00 por mês, ótimo você continua ganhando esse valor, redutos constitucional R$ 94.000,00, salário bruto R$ 39.000,00 que é o salário do presidente, esse é teu salário, o redutor constitucional é um acordo, é uma reforma.

Para o servidor público que vai se aposentar, ah mas já foi feita a reforma em 2013, os servidores públicos não se aposentam mais do que com o teto, além disso, eles podem ir para uma Previdência complementar, tá bom, mas e o servidor que não quiser ir para uma Previdência complementar? Não vai, se aposenta com o teto como os demais trabalhadores. Faz sentido um servidor pagar um pouco mais do que um trabalhador da iniciativa privada para a Previdência? Acho que faz, porque um servidor quando entra para o serviço público vai contribuir 35 anos sem um mês de folga, um trabalhador celetista, que tenha um desempenho fantástico, de cada 12 meses, ele contribui nove. Então, eu servidor público com 35 anos me aposento, um trabalhador nas mesmas condições que a minha, no setor privado precisa de 42 anos de vida profissional, então é justo que esse servidor pague, 1, 2% a mais, mas isso tem que ficar claro. Olha você vai pagar 14 porque você vai ter emprego garantido, e talvez na iniciativa privada você ia ganhar o dobro que você ganha como servidor, mas você tem estabilidade, tem aposentadoria pelo teto, é uma opção tua, ou tu vai para iniciativa privada, ficar desempregado é um outro mundo. Essas coisas fazem parte de uma reorganização. Do jeito que o governo faz, não é isso que ele está propondo.

Então, podem ter mudanças paramétricas que façam sentido, como já foram feitas várias mudanças paramétricas que são de regra, que vão alterando as regras da Previdência e que fazem sentido, mas fazem sentido dentro de um processo de mudança que é continuo, ou seja, você pega cada ponto desse, discute com a sociedade, faz a mudança, implementa, depois pega um outro aspecto, você não faz um pacotaço. Por quê? Porque esse pacotaço na verdade destrói a cultura previdenciária. A Previdência é uma cultura que a gente constrói há séculos, desde 1880 que estamos construindo a cultura previdenciária no mundo e é difícil porque os jovens não querem saber da Previdência. E o que é a cultura previdenciária? São os velhos dizendo para os jovens que eles vão ser obrigados a contribuir, quando eles ficarem velhos eles vão ver a importância de ter contribuído lá, isso é cultura previdenciária, isso é compromisso intergeracional. Nós estamos destruindo porque nós começamos a fazer um monte de mexida paramétrica onde o jovem diz, eu não vou, esse troço não vai funcionar, só eu vou pagar. Justamente você vai fazendo de forma cuidadosa para que as pessoas vejam de um lado que ela tem continuidade e que as mudanças são incrementais. Ah ela parece injusta, por isso precisa ter um tempo para explicar para sociedade porque está fazendo aquela mudança, quando você coloca 50 coisas ao mesmo tempo é difícil tratar tudo ao mesmo tempo.

Você tem aspectos nessa reforma que até o governo tem razão, mas ele não consegue explicar, porque está mexendo em um monte de coisa. Quando se faz isso de forma permanente, agora eu vou pegar e enfrentar esse problema, tá na hora da gente enfrentar esse problema, então vamos enfrentar o problema e os outros vamos enfrentar depois, agora vamos enfrentar esse, fui eleito para enfrentar esse problema, eu vou resolver esse problema; ano que vem eu vou resolver outro problema, vou a cada tempo resolvendo progressivamente de tal forma que as pessoas tenham tranquilidade, que quando um aspecto for tratado vai ser tratado de forma cuidadosa, debate e daí o Congresso define. Ficar anunciando reforma desse tipo na verdade destrói a cultura previdenciária, as pessoas deixam de acreditar.

E no caso brasileiro, por último, o que eles estão fazendo é uma alucinação do ponto de vista de modelo. O mundo diz, o melhor sistema de Previdência é o de repartição, que é o que temos no Brasil, e nós vamos para o sistema da capitalização, que todo mundo diz que é um fracasso. Mas por quê? Porque o ministro quer entregar para o setor financeiro essa poupança enorme. Vai deixar o Estado brasileiro com um buraco impagável, porque quem entrar no mundo do trabalho pelo sistema de capitalização deixa de contribuir com o sistema de repartição. O sistema de repartição só vai ter mais gente se aposentando por um bom tempo. A cada dia o déficit vai ser maior, alguém vai ter que pagar, ele vai deixar esse buraco. Quem paga? Tanto que os teóricos deles, economistas do campo deles, estão dizendo que esse troço é uma alucinação, esse troço não para em pé, lógico que não para em pé porque o custo fiscal, o pessoal estipulou lá no Senado, que o custo fiscal dessa brincadeira é de 5% do PIB por ano, é gigante. O custo da dívida ano passado foi 5,5% do PIB, quase R$ 500 bilhões.

Ele está dizendo o seguinte, vou deixar uma dívida anual para ser paga de R$ 500 bi por ano, vocês vão ter que achar um jeito e financiar durante 50 anos esse troço, depois ele começa decaindo, as pessoas vão morrendo, vai ficar só o regime de capitalização. Até lá quem é que banca isso? Não se banca. Vamos ter um problemaço, tanto é que eles tiram da Constituição e colocam por aí dizendo de correção da aposentadoria, da vinculação com o piso, tudo aquilo que regula o custo da Previdência vai para lei complementar. O governante de plantão vai dizer, acaba com a vinculação do mínimo, não reajusta a aposentadoria esse ano. É uma bomba contra a gente, as reformas vão começar depois, isso que está vindo agora é refresco perto do que vai vir pela frente se eles fizerem o que estão se propondo. Vai vir um governo a frente e dizer me deixaram aqui um rombo, não fez a reforma para arrumar? Fez para arrumar a casa deles, esse governo vai ficar... Tanto que eles mesmo estão dizendo que é uma loucura.

Eu acho que não passa porque se eles fizerem isso eles tornam esse país ingovernável. E nesse momento o governo está com um problema, o Estado brasileiro está com um problema, que é a crise econômica, queda na receita, custo social crescente, desemprego aumentando e o governo não tem uma estratégia para sair dessa situação. É uma tragédia. A manifestação do dia 15 de maio é um reflexo disso. O que o ministro da educação fez? Corta 30% em média. Ele tem razão em cortar? Tem, ele está dizendo eu não tenho dinheiro, do ponto de vista contábil eu não tenho dinheiro, pago como? Sim amigo, mas você não é uma família, você é o Estado. Como o Estado resolve esse problema? O que você faz para voltar a crescer? Você tem que dizer.

Corremos o risco de termos mais um ano com PIB negativo, vamos entrar em recessão de volta, vamos para o caminho da Argentina. Crescimento negativo com a inflação subindo, pessoas desempregadas, com salário arroxado, inflação subindo, portanto tirando o poder de compra das pessoas, desemprego em alta. Esse troço para em pé como? Porque eles são loucos. Eles não têm noção do que estão fazendo?

Ficaram falando o tempo todo que iria criar 5,8 milhões de empregos, disseram que tinham que fazer a reforma trabalhista e agora dizem não era bem isso. A Previdência, estão começando a dizer não era bem isso...

A expressão do ministro fazendo cálculo de 30% com três chocolatinhos mostra que é a complexidade do pensamento deles. Eles são isso. Eu tenho brincado o seguinte: “é como se nós estivéssemos entregando o nosso filho para uma cirurgia no cérebro para açougueiro. Um açougueiro sabe destrinchar um boi, mas coloca um cérebro na mão dele. Você entregaria seu filho para um açougueiro fazer uma operação no cérebro dele? É isso que nós fizemos com o país.

Eles não sabem fazer isso, eles sabem fazer outras coisas, coordenar milícia, fazer essas coisas e outras coisas que fizeram por aí, mas coordenar uma complexidade como dessas, fazer uma cirurgia no cérebro, exige um mínimo de conhecimento e uma habilidade que eles não estão preparados. Estão sendo preparados do ponto de vista da governança, eu discordo do projeto deles, mas se eles têm um projeto vão lá e governam. O problema é que eles são sabem governar para o projeto deles, não sabem governar, então vão colocar o país em uma tragédia.

A vantagem é que, talvez, eles vão fazer tanta tragédia que esse “troço” dura pouco. É tanta coisa... Nesse caso específico da Previdência, já começaram a mudar o discurso: ‘óh não é mais a solução, é necessário mas...’ Porque eles sabem que com a economia ladeira abaixo, como é que eles justificam que vão fazer a reforma da Previdência para tirar a economia do buraco, no dia seguinte não tira e o que eles fazem?

O que eles estão dizendo é: ‘Veja bem eu não disse exatamente isso sobre a reforma trabalhista...’ Bom, ficaram falando o tempo todo que iria criar 5,8 milhões de empregos, disseram que tinham que fazer a reforma trabalhista e agora dizem não era bem isso. A Previdência, estão começando a dizer não era bem isso...

BdFRS - As centrais sindicais estão convocando uma greve geral para o dia 14 de junho contra a reforma da Previdência. Mas tendo em vista esse mundo do trabalho do trabalhador informal, sem carteira assinada, terceirizado, tomando conta, o desemprego em alta. Como trabalhar a questão da greve geral e como mobilizar as pessoas para isso, para além dos sindicatos, para além de quem já é militante?

Clemente - Poucos temas têm um impacto que coloque a sociedade em movimento, ou seja, boa parte da agenda que esses caras trazem como estratégia econômica não mobiliza a sociedade?

A venda da Petrobras, hoje, não mobiliza a sociedade para a defesa da Petrobras depois de 10/15 anos de ataque contínuo, dizendo que a Petrobras é um bando de bandido. Então você desmobilizou uma resistência de uma sociedade que estava disposta a defender uma empresa importante para o país. Os caras vão vendê-la, um dos maiores patrimônios do planeta sem resistência nenhuma. Talvez a gente consiga construir uma resistência, mas se tivesse nesse momento a venda da Petrobras, não tínhamos a mínima chance de chamar uma greve geral.

A educação é um outro assunto como a Previdência, são assuntos que criam uma capacidade de interlocução com a sociedade para ela compreender qual é a alucinação que está em jogo. A Previdência é um assunto que na medida que você começa a tratar, explicar e debater, as pessoas se dão conta porque afeta a vida delas.

A greve é parte de um movimento que já começa lá no governo Temer, portanto ela está sendo retomada, como um movimento onde a sociedade tenta se apresentar no caso para o Congresso Nacional que somos contrários a isso que está sendo proposto. O Congresso que deve definir a regra para reger a proteção social no Brasil tem que ouvir a sociedade de que o que está sendo proposto é uma loucura. Bom, o Congresso deveria dizer para a sociedade, bom, então vocês não concordam com isso, mas essa Previdência custa R$ 800 bi por ano e nós estamos arrecadando R$ 500 falta R$ 300. Como nós vamos financiar, o Congresso deveria perguntar para a sociedade, falta, não fecha a conta, o Estado brasileiro não consegue ter recurso para fazer Previdência, saúde, educação, tudo isso e mais investimento, a conta não fecha, porque essas despesas estão crescendo, a economia está em retração, a conta não está fechando, nós precisamos fazer essa economia crescer. Você tem que construir uma alternativa política. Nós como sociedade autorizamos o governo a tomar empréstimo, autorizamos o governo a tomar outras iniciativas, ou autorizamos a tomar imposto de forma diferente. Esse é o debate que deveria ser feito.

Não é desconhecer que a Previdência não tem problema, aliás não é a Previdência que tem problema, o que tem problema é o orçamento público no qual a Previdência é a principal despesa. Mas eles disseram vamos pegar o orçamento e vamos financiar integralmente a Previdência e vai faltar para uma outra coisa, para segurança, para saúde, para educação, ou para estrada, para aeroporto, vai faltar para alguma coisa, não vai dar para tudo. Se não dá para tudo, significa que a sociedade vai ter que colocar mais recursos aqui, ou quem paga imposto paga mais, ou quem não paga passa a pagar, tem dois que não pagam imposto pobres e ricos, os pobres não pagam imposto porque não tem renda, quando consomem, pagam; os ricos não pagam imposto porque a regra diz que eles não precisam pagar, e quando eles consomem, eles pagam, o mesmo que o pobre paga, portanto ela é regressiva, o pobre paga sobre o pãozinho o mesmo imposto que o rico paga sobre o pãozinho, temos que inverter essa coisa, diminuir o imposto sobre o consumo, talvez aumentar imposto sobre consumos de alta renda e tributar pesadamente os ricos. É isso que nós tínhamos que fazer.

Quanto custa o orçamento da União? R$ 3 trilhões, bom, um trilhão, dois trilhões, não importa quanto, nós temos que arrecadar isso de quem não paga, passando a pagar. Essa equação é uma equação de um acordo político. Quem não paga imposto é quem elege os deputados e senadores, eles dizem para os senadores, eu não topo. Temos uma equação difícil de resolver porque esses deputados e senadores deviam vir para as suas cidades e dizer, tá na hora, de nós que temos renda pagarmos mais para que esse Estado se reorganize e esse Estado se reorganizando e retomando a economia, voltar a gerar emprego e se tiver renda o setor produtivo vai crescer, vai ter mais gente consumindo e vamos ter o crescimento da época do Lula. Temos que voltar a isso, para isso tem que ter Estado, para isso o orçamento público precisa estar reorganizado.

O que nós fizemos foi exonerar o capital, nos ferramos, eles estão pagando menos impostos, não investiram, isenções não necessariamente estão tendo eficácia, tem evasão fiscal e tem baixa capacidade de cobrar devedores. Temos que mudar tudo isso. Temos força política para fazer isso? Claro que não, tanto que perdemos a eleição, as forças de esquerda perderam a eleição, a sociedade não veio para esse nosso caminho, foi para o outro, e no outro é isso que eles estão fazendo. A sociedade talvez vá dizer, não era bem isso que eu queria. É isso que estamos tentando dizer: você está vendo qual o projeto que esse cara está fazendo? Com a Petrobras não teríamos essa chance, difícil explicar, mas com a Previdência sim.

BdFRS - Mas com o serviço público também né? A gente vê uma destruição há muitos anos, do servidor público, do serviço público, a Emenda Constitucional 95, passou sem nenhuma mobilização da sociedade, sem a sociedade entender o que era a Emenda 95. E aí tu tens uma roda viva: eu não quero pagar imposto porque tem corrupção no serviço público, a mídia propaga uma imagem de que o que é público não presta, então não adianta mesmo eu pagar imposto...

Clemente - Exatamente. Essa é a disputa que eles fazem, em parte com sucesso porque eles desqualificam o papel do Estado. Mas qual a intenção disso? A intenção é fazer com que você acredite que o setor privado é mais eficaz, e aí eu justifico que a educação e a saúde podem ir para o setor privado. Você abre uma grande oportunidade de negócio com a autorização da sociedade. Qual o nosso trabalho? É mostrar que o setor privado é Brumadinho. Você não queria que a Vale deixasse de ser uma empresa pública? É isso, Brumadinho e Mariana. Isso é o setor privado.

Qual é a eficiência? Qual o sistema de segurança que eles colocaram? A da lógica da empresa? Qual a lógica? Nós temos metodologia. Qual a metodologia? Nós fazemos uma amostragem, temos 100 barragens, posso fazer uma amostragem, nós analisamos 10, selecionamos 10 e analisamos, se elas estão bem as outras 90 também estão bem. Porque isso é mais econômico, mas metodologicamente está comprovado que eles tem 9% de dar certo, e quando der errado?

O que nós deveríamos conseguir como campo de esquerda? É dizer, gente isso que está sendo proposto é a lógica do setor financeiro, nós, achamos que essa não pode ser a lógica do setor produtivo financeirizado, nós achamos que atividades como essa que coloca em risco a sociedade concreta no território, coloca em risco o meio ambiente, que tratam de um recurso natural escasso, limitado, esse recurso escasso e limitado deve ser usado como riqueza para fazer o desenvolvimento da sociedade e não de uma empresa privada. O custo do risco nesse caso, tem que ser financiado por interesse público dizendo a taxa de risco é zero, nós vamos manter fiscalização em todas as unidades, que não tem sentido uma falhar, pode falhar, lógico que pode, mas nós não podemos deixar de ter o esforço de ter mais. Essa disputa que nós deveríamos fazer. Devíamos pegar Brumadinho e Mariana e tentar construir com a sociedade o que é a diferença de uma empresa pública e de uma empresa privada. Ah, mas a empresa pública tem corrupção, e a empresa privada não tem? Caíram dois aviões do Boeing, o primeiro que caiu tinha pobre, ninguém deu bola, no segundo que caiu tinha 30 membros da ONU, agora estão investigando, e começaram a descobrir que a Boeing alicia a associação internacional da aviação sobre as regras, e há anos a Boeing sabia que o avião tinha problema, é uma empresa privada.

Temos que mostrar para as pessoas a corrupção do setor público e do setor privado. Quem corrompe o setor público? Ah tem bandido, tem, bandido no setor público e bandido no setor privado. Qual a diferença? É que no setor público a gente consegue fiscalizar, criar comissão, a gente consegue descobrir, consegue intervir; no setor privado não necessariamente. Quanto foi a indenização do diretor da Vale depois do acidente de Mariana? R$ 40 ou R$ 60 milhões... Por que que um cara que preside uma empresa, que faz a tragédia que faz sai da empresa indenizado com esse recurso? Quanto que ele sabe? O que a empresa faz ao dar essa indenização para um cara que presidiu uma empresa com dois acidentes como esses, que devia estar preso, esse é o preço que ela está pagando para manter esse silêncio, quanto ele sabe. A gente acha que esse é o mundo privado. Se a sociedade é capitalista e é o mundo privado, nós vamos dizer, tem algumas atividades que não vamos deixar para o mundo privado, entre elas a exploração de recursos naturais finitos, que os países que fizeram em sociedades capitalistas projetos de desenvolvimento o fizeram usando recurso natural finito, explorando esse recurso e fazendo ganho econômico para promover educação, saúde, infraestrutura para que a sociedade passasse a ser uma sociedade desenvolvida, foi assim que eles se desenvolveram. Essa renda do recurso natural, não como uma renda de apropriação privada, mas como uma renda de uso coletivo, que foi o que tentamos fazer com o Pré-Sal. Por que você não deveria usar o pré-sal para financiar aposentadoria, porque o pré-sal deveria ser usado para fazer um salto na educação, fazer com que a sociedade brasileira desse um salto na educação, que é um patrimônio que fica para séculos, a Previdência vai financiar a vida das pessoas aqui - agora, isso financia de outro jeito.

Esse recurso finito devia fazer com que a sociedade dissesse nosso petróleo fez com que o país saísse da posição quinquagésima para décima, demos um salto. Nós abandonamos, estamos transformando essa riqueza em enriquecimento privado. Esse debate que devia estar sendo feito no Congresso, e portanto a Previdência, a assistência, a saúde, a educação, como a gente financia isso? E provavelmente tanto na saúde, quanto na educação, na Previdência tenham um monte de situações que podemos ir corrigindo.

O nosso problema está em nós, chamado campo de esquerda, democrático, popular, daqueles que sonham que uma economia consegue bem estar para totalidade da sociedade naquele território, como que a gente consegue instruir daqui para frente, numa sociedade com essas formas de comunicação que estão postas hoje debates públicos para fazermos outras escolhas. Nós temos que imaginar soluções diferentes daquelas que estão postas. Então essa economia de mercado, capitalista, conduzida pelo setor financeiro é uma tragédia e temos que mostrar isso para sociedade, qual é a tragédia que está sendo armada.

BdFRS - Muitos militantes lembram, aqueles que viveram a campanha contra a Alca, desse momento como um exemplo, de um momento que realmente a gente mobilizou a sociedade. As pessoas nunca tinham ouvido falar em Alca, tu explicar para as pessoas o que é uma área de livre comércio, enfim, e foi um momento muito rico, que os movimentos sociais todos se envolveram, sindicatos se envolveram, as igrejas se envolveram. Se ia para as periferias, se fazia esse debate. Muitas pessoas lembram desse momento como um momento rico de debate e que de alguma forma a gente tinha que tentar retomar isso.

Clemente - O problema agora é que, no nosso caso, hoje, no contexto presente no mundo, o leque de ataques que a gente sofre, parece que estamos o tempo todo nas cordas. No governo Bolsonaro, é todo dia uma alucinação, o Trump nos Estados Unidos, é todo dia uma alucinação, porque são iniciativas, e o setor financeiro no sistema produtivo fazendo mudanças, comprando empresas, fazendo fusão. Tem uma mudança que você não consegue acompanhar.

Então você vê, a educação privada no Brasil foi vendida para empresa multinacional, as grandes empresas multinacionais compraram o setor privado de educação no Brasil; estão comprando o setor de saúde privado. E o governo Bolsonaro vem e diz que vai dar o cheque educação e o cheque saúde. Então o Estado dá, e com o cheque se compra serviço, se privatizou tudo.

Se você pensar como estamos transformando isso tudo em negócio, são tantas fronteiras, um monte de coisas que esses caras estão jogando. Não vão conseguir, aprovar, talvez, nem 10%, mas é uma dispersão de ataques... O próprio Congresso disse vocês são loucos, estão mando tudo isso daqui para cá, está tudo indo para a justiça.

A grande visão de longo prazo é de que quem vai controlar essas democracias financeirizadas é a justiça, ou seja, o sistema de governança no mundo, vai se dar pela justiça, aonde eles formam, colocam e controlam, tem mais estabilidade, mais segurança. Ninguém é eleito, são designados, eles fazem a campanha, preparam nome, colocam lá e financiam. Pega a agenda do Supremo, é a agenda do governo, tudo que o governo faz vai para lá e eles vão decidir se pode ou não pode, quem governa em última instância? O Supremo.

BdFRS – Dos anos 1980 para cá temos a chamada desindustrialização do Brasil. Essa nova economia significa a extinção da economia industrial, ou a economia industrial, isso que a gente chama de indústria ainda tem um lugar no desenvolvimento em um país como o Brasil? Acho isso uma questão importante porque a gente fala muito em setor de serviço, mas o setor de serviço vai desde produzir computador de ponta até vender quentinha na esquina. O que seria um projeto de desenvolvimento dentro dessa nova economia?

Clemente - Acho que é uma discussão, uma reflexão importante. Não há economia de serviço que não esteja assentada em uma base material. Sempre que há uma base material essa base material é indústria. Então tudo que você pensa como fronteira de serviço são serviços associados a uma base material. Você olha o celular, por exemplo, o smartfone, ah isso é serviço, são serviços em cima de uma base material, essa base material que permite você produzir o teu programinha, e esse teu programinha é feito com a base material. A hora que essa base material mudar e triplicar a capacidade imaginária você produz outras coisas, mas esse serviço é a expressão dessa base material. E quem controla esse serviço é quem controla essa base material. Como não ter indústria. A nossa produção humana, da sociedade é uma produção essencialmente industrial e vai continuar sendo cada vez mais industrial.

Toda indústria tem setor de serviço que opera essa máquina usando dessa máquina toda sua potencialidade a tal ponto que essas máquinas passam a ter capacidade de produzir inteligência semelhante a nossa inteligência, máquinas que fazem sinapses mecânicas como nosso cérebro faz, só que em trilhões superiores a nossa. Então pela primeira vez, isso é a quarta, quinta revolução tecnológica que estão em curso, as máquinas não são mais só substituidoras da força de trabalho, braço mecânico da indústria, mas passam a ser máquinas que substituem a inteligência humana. São máquinas que aprendem, portanto, são máquinas que tem capacidade de produzir mais conhecimento, mais complexidade do que a mente humana. Isso era impossível e inimaginável até agora. Isso já é possível e já está começando a acontecer. É a primeira vez que vamos ter máquinas superiores aos humanos do ponto de vista da produção de inteligência. Isso tudo é indústria. Só que é indústria se conectando com dimensões que a dimensão daquilo que ela desdobrasse, que chamamos de serviço em coisas que fazem parte da mesma base, aparentam como se fosse coisas desconexas.

Um país como o Brasil, com a nossa dimensão, você tem uma base para ser reconstruída industrial, de comunicação, de energia, de transporte, de espaço urbano, de habitação, recuperação de rios, floresta, ou seja, tudo isso é indústria. Então você tem um projeto de desenvolvimento econômico que poderia dar uma estruturação de uma base produtiva de tal magnitude aonde nós seríamos não só uma grande economia, mas uma grande economia desenvolvida, nós não seríamos fronteira tecnológica em microeletrônica, mas seríamos fronteira tecnológica em construção, por exemplo, como já fomos, seríamos fronteira tecnológica em produção de alimentos, como já somos. Nós devíamos estar na fronteira de produzir carne sintética, se nós dominamos deveríamos estar nessa fronteira, temos empresas para isso que poderiam estar na ponta fazendo isso. Isso é um projeto de desenvolvimento industrial que devíamos estar produzindo, e daí nós vamos trocar nossa carne sintética pelos computadores que eles fazem lá.

Eu acho que não tem como não ter uma base industrial pesada, e acho que nós, no nosso campo, deveríamos fazer um esforço de conceber essa estrutura produtiva com arranjos econômicos e com arranjos políticos capazes de dar conta de fazer esse desenvolvimento. Nós temos que pensar nova empresa.

O acordo político, a coesão social que a gente construiu especialmente no pós-guerra, foi um arranjo de negociação entre capital e trabalho que está desmilinguindo. Do nosso lado o trabalho está desmontando e a organização sindical indo ladeira abaixo junto com essa mudança do mundo do trabalho; do lado do capital, o proprietário do capital que era o que negociava com a gente o resultado econômico dizendo tudo bem eu topo diminuir um pouco meu lucro para vocês ganharem um pouco mais, é outro cara, ele não é mais dono.

É um novo Estado, uma nova governança, novas regras, acordo político com quem? Não é verdade que não tem propriedade, só que a propriedade é de um outro jeito.

As mudanças que estão acontecendo no mundo são de tal magnitude que aquilo que estava referenciado como estruturação da produção do trabalho, estruturação da lógica do capital que produz e reparte, uma parte como salário, outra parte como imposto, o Estado que tributa progressivamente quanto maior a renda e a riqueza maior o tributo, recolhe, distribui para sociedade, para o setor produtivo infraestrutura para garantir a produção, energia, transporte, a empresa investe, vou ter energia para produzir, ou ter estrada para escoar e, vou ter um sumidouro, portanto o Estado devolve também com renda, Previdência, assistência, ou seja, dá renda para as pessoas e os empresários com os sindicatos distribui por meio do salário, vou ter consumidor para meu produto. Este acordo está ruindo, esse é o problema. E o que esses caras estão fazendo com a financeirização é dizer, a lógica das empresas agora é produzir um alto retorno para o investidor, mas a empresa não é um negócio para produzir retorno para o investidor, a empresa é um negócio para produzir economicamente. Ao impor à empresa a lógica do retorno para o investidor você altera a lógica da empresa. A soma da lógica desses caras com os investidores financeiros controlando as atividades produtivas significa um mundo produtivo que a gente desconhece, que não sabe onde vai dar.

Acho que nosso desafio é inventar uma nova utopia, tem capacidade material para bem-estar para todo mundo, agora isso significa repartição da riqueza

Agora a soma das decisões individuais dessas empresas dá uma tragédia econômica e social, tragédia econômica, o mundo não cresce economicamente, tragédia social é aumento da desigualdade e da pobreza. Para eles, sucesso, estão virando milionários, para sociedade... Isso não para em pé. Essas democracias vão colocar a gente no escanteio, vamos nos antecipar.

2008 é o sinal vermelho, de 2008 para cá eles começam a fazer as mudanças, fazem a reforma trabalhista, começam a fazer as mudanças políticas, não mais terceirizam a política, começa o seu próprio candidato, olham para a área da justiça no mundo, e dizem olha é a justiça que vai governar, controlar. Nós temos que ter segurança, nosso negócio tem que ter segurança, vamos ter segurança se tivermos um bom domínio do setor judiciário no mundo, porque esse negócio de cada um ter um voto, vocês vão votar nos maluquinhos, não podemos deixar os maluquinhos fazer o que querem, quando for possível a gente tem impeachment, manda embora, quando não for possível a gente diz que o governo não pode fazer. No fundo é isso que estamos vivendo agora é essa transformação, o que vamos fazer, não sei.

O projeto deles é um projeto muito mais longo, de um mundo que está mudando. Essa mudança exige de nós ao disputar a governança de um país saber o que vamos fazer com isso.

O que nós tínhamos de referência econômica, tecnológica, política, não nos dá elementos para pensar esse nível de mudança que está vindo, a tecnologia de uma outra natureza, porque ela substitui a inteligência humana, a mudança no patrimônio do capital transforma o sujeito político do capital, portanto, o capitalista clássico não é mais o mesmo e a governança do mundo, os estados, o governo, o parlamento, a coesão social, essas coisas todas que nós aprendemos a construir estão sendo transformadas radicalmente. Por um lado, porque as empresas têm uma riqueza muito superior a dos Estados, ou as riquezas individuais, meia dúzia de ricos tem mais renda e riqueza do que metade dos 3,5 bilhões de habitantes. Essas coisas criam uma desigualdade monumental, eles mandam nos países, e instruem culturas, valores, divulgam ideias, projetos, eles que pagam os economistas que falam nas rádios que dizem que a gente tem que acreditar que a reforma da Previdência é necessária, as pessoas repetem isso porque o cara fala na TV, se ele fala na TV ele é um sábio. Esse é o mundo que estamos vivendo e quando tiver dúvida Deus afirma por meio dos pastores, das igrejas e das fés o que deve ser. Então é um mundo complicado. Essas incertezas do mundo fazem com que essas certezas do dogma e da fé sejam um conforto para muita gente. O desconforto, a insegurança, a miséria, elas geram a necessidade de conforto e talvez essas igrejas estejam dando esse conforto que a esquerda não está conseguindo dar de apresentar uma outra utopia.

Acho que nosso desafio é inventar uma nova utopia, tem capacidade material para bem-estar para todo mundo, agora isso significa repartição da riqueza, e aí não sei como vamos fazer. Pressionar, criar jeitos, formas, aproveitar as coisas que não aparecem, criar novos horizontes, imaginar outras coisas, temos que imaginar profundamente. E a esquerda no mundo está com muita dificuldade de fazer isso, de um lado, de outro tem novas iniciativas aparecendo no mundo, são várias iniciativas, as eleições americanas provavelmente vão colocando novidades em termo dos candidatos, essas iniciativas de articular a esquerda no mundo, também são coisas interessantes, iniciativas micro de prefeituras para produzir bem-estar para todo mundo. Isso significa uma outra visão, várias cidades e países com experiência de reversão de privatizações. Serviços públicos que foram privatizados estão sendo reestatizados. Temos que disputar e ir atrás, não há um caminho, não há uma saída pré-estabelecida, se colocar em movimento de entender e buscar respostas, de intervir na realidade, de buscar solução, alternativa concreta.
 

Edição: Marcelo Ferreira