Participação social

Lideranças articulam aprovação de lei para reativar conselho extinto por Bolsonaro

Arranjo legal é visto como saída para Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais voltar a funcionar

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Brigadistas comunitários auxiliam no controle de queimada que atingiu Comunidade Quilombola Kalunga do Engenho II, em Goiás, em 2017
Brigadistas comunitários auxiliam no controle de queimada que atingiu Comunidade Quilombola Kalunga do Engenho II, em Goiás, em 2017 - Mídia Ninja

Lideranças de mais de 20 comunidades tradicionais estiveram em Brasília, nesta segunda-feira (17), para articular junto a deputados de oposição estratégias que mantenham em atividade o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos.

O conselho parou de funcionar após o decreto 9.759/2019, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) em abril deste ano. O decreto extinguiu centenas de colegiados criados em governos anteriores, cujo objetivo era garantir participação social nas decisões do Executivo.

O ato de Bolsonaro sofreu derrota parcial na última quinta-feira (13), quando o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, de forma liminar, impedir a revogação de colegiados criados por lei. A decisão, no entanto, não ajuda o CNPCT, que ainda carece de uma amarra legal.  

Por conta disso, as comunidades estão em estado de alerta e articulação permanente para tentar reativar oficialmente o órgão, que foi instituído em 2016, por meio do Decreto 8.750.

A última presidenta do conselho, Cláudia Sala de Pinho, que representa a Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneira, ressalta que o colegiado é fundamental na proposição e no acompanhamento de políticas públicas. O órgão tinha atuação em múltiplas frentes, com destaque para a garantia do acesso aos territórios tradicionais, além de questões de infraestrutura e inclusão social.  

A dirigente sublinha que a concepção e a existência do conselho se relacionam com a importância das comunidades tradicionais, que, entre outras coisas, têm reconhecida contribuição na preservação dos recursos naturais, no controle das mudanças climáticas, na produção de alimentos e na formação cultural do povo brasileiro.  

“Extinguir um espaço de diálogo direto é, nada mais, nada menos do que também se fechar uma porta para o reconhecimento da diversidade brasileira. Então, isso afeta diretamente todo mundo porque toda a sociedade se beneficia do que os povos e comunidades tradicionais fazem, seja direta ou indiretamente”, acrescenta Cláudia Pinho.

Além dos pantaneiros, as comunidades tradicionais incluem indígenas, geraizeiros, quilombolas, quebradeiras de coco, extrativistas, ciganos, ribeirinhos, pescadores artesanais, povos de terreiro e de matriz africana, entre outros grupos.   

União

Para as comunidades, o conselho tem importância política porque unifica a luta dos povos, favorecendo a construção de uma pauta coletiva. É o que salienta o geraizeiro Samuel Caetano, do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM), para quem o órgão tem ainda valor subjetivo dentro de uma perspectiva cultural.  

“Ali você constrói alianças, rememora fatos, faz intercâmbio de experiências, aprende com os diferentes modos de vida. É um espaço de comunhão de lutas, de unificação de bandeiras, de identificação de ameaças e de construção de alternativas pra conviver com os desafios. É também um espaço de conhecimento entre os povos, pra cada um saber da realidade do outro. O conselho tem essa característica de nos unir e nos fortalecer”, destaca.     

Caminhos

Uma articulação entre grupos sociais e parlamentares da bancada do Psol busca reapresentar o Projeto de Lei 7447, protocolado em 2010 pelo então deputado Luiz Alberto (PT-BA), mas que não seguiu adiante e acabou arquivado. A matéria propõe diretrizes para as políticas públicas direcionadas aos povos tradicionais, incluindo a criação do conselho.

Diante do avanço conservador e de diferentes iniciativas contrárias ao controle social, os opositores entendem que a aprovação de uma proposta dessa natureza seria a luz no fim do túnel para assegurar a continuidade dos trabalhos do CNPCT.   

“Com isso, nós daríamos a ele um status de estrutura de Estado, de organismo do Estado brasileiro, pela importância que têm o reconhecimento e a preservação dos territórios, das culturas, das tradições desses povos”, afirma o deputado Edmilson Rodrigues (Psol-AP), membro da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (Cindra). 

Os parlamentares debatem, atualmente, a estratégia que será adotada para a reapresentação da proposta e sua aprovação. Além do Psol, há interlocutores em partidos como PT e Rede. Também está nos planos a articulação de uma frente parlamentar sobre o tema.  

Edição: João Paulo Soares