Coluna

Guerra Híbrida e o controle dos bens naturais estratégicos

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Manifestante segura uma placa onde se lê "Atacam por petróleo" durante um protesto em apoio a PDVSA em Caracas
Manifestante segura uma placa onde se lê "Atacam por petróleo" durante um protesto em apoio a PDVSA em Caracas - Ariana Cubillos/AP Pho
A crise atual é de dimensões econômicas, sociais, políticas e ambientais

Revoltas sociais e mudanças de regimes no Oriente Médio; na América Latina golpes abertos e suaves (parlamentares); vitórias eleitorais de figuras com um discurso ultraconservador, que flertam com um neofascismo nascente, em diversos países, EUA, Brasil, Filipinas, Turquia e Índia; fortalecimento das guerras comerciais entre grandes potências como China e EUA; um bombardeio de informações e contrainformações com a produção de pós verdades; o cerco político e militar cada vez mais forte aos países que ainda mantém sua soberania como pilar de um desenvolvimento autônomo, como Venezuela e Cuba. Essa série de eventos se encontram em meio a tantos outros em uma conjuntura adversa para a classe trabalhadora.

A crise atual é de dimensões econômicas, sociais, políticas e ambientais em um cenário internacional de reordenamento de forças geopolíticas, com a contestação da hegemonia estadunidense no mundo, ameaçada pelo avanço econômico mundial de outros países, tendo a China como seu principal representante, com ousados projetos como a Nova Rota da Seda.

Uma das saídas do capitalismo à crise é a intensificação de uma nova ofensiva neoliberal, com o objetivo de atender a um novo padrão de acumulação capitalista predatório. A voracidade da disputa pelo controle dos bens comuns da natureza tem a ver com a disputa hegemônica, e a capacidade de cada grupo capitalista de ter acesso aos recursos valiosos e estratégicos. Se vê uma espécie de corrida para ocupar os territórios, as guerras atuais são mecanismos de disciplinamento do capital em função de suas necessidades de acumulação.

Grande parte desses bens estão concentrados na América Latina com uma vasta biodiversidade. Dos dez países com maior concentração de biodiversidade do mundo, sete são latino-americanos e cinco estão concentrados na América do Sul. Devido a  tal concentração a região é palco de forte pressão estadunidense, sendo o golpe em Honduras em 2009 um marco da retomada de controle da região pelos EUA.

A Amazônia, um dos territórios mais importantes a nível regional e global, onde se concentram bens naturais, biodiversidade, diversidade cultural e social, é fundamental para a hegemonia dos Estados Unidos no continente Não só pela particularidade natural da região, mas também pela sua extensão por nove países ser uma potencial ligação intercontinental.

Como analisado no Dossiê n°14 do Instituto Tricontinental, desde o golpe no Brasil, em 2016, a ofensiva de empresas mineradoras e do agronegócio sobre o Estado tem pressionado a criação leis e modificações no código da mineração, no acesso e exploração das terras. Tais alterações afetam diretamente a Amazônia e a atuação dessas empresas na região. Diversas medidas para facilitar o licenciamento ambiental, autorizar mineração em terras indígenas e em áreas de fronteira, provocar a estrangeirização de terras, intensificar a exploração e beneficiamento do nióbio e grafeno, que trará consequências para a Amazônia e para todo o país.

Entre os países que compõem a região amazônica está a Venezuela, país chave na ofensiva imperialista, devido as imensas reservas de petróleo e sua posição estratégica. O objetivo estadunidense é recuperar a Venezuela como espaço privilegiado para a produção petroleira, garantindo, inclusive, que a exploração seja feita por empresas norte-americanas, em especial a Exxon e a Chevron, e economizar recursos em transporte, como mencionado no Dossiê nº 17 do Instituto Tricontinental.

Além da biodiversidade amazônica e a importância do Petróleo, o controle das principais regiões que concentram os minerais como ouro, níquel, ferro, diamantes entre outros despertam o interesse dos grandes conglomerados na América Latina e na África. No dossiê nº 16 há uma análise de como a exploração predatória das grandes indústrias extrativas têm mantido o continente africano em condições de pobreza e dependência.

Nesse caso acontece uma força desproporcional das grandes corporações que extraem os minerais e concentram a maior parte da receita. Dados recentes do Banco de Gana apontam como se dá esse processo. Dos 5,2 bilhões de dólares em ouro exportados por empresas de mineração estrangeiras de Gana, o governo recebeu menos de 1,7% dos retornos globais de seu próprio ouro.

Das dez maiores empresas multinacionais que operam no continente uma é do Reino Unido, uma do Brasil, duas da Austrália, três dos EUA e três do Canadá. De todas as empresas de mineração no mundo, 60% delas estão sediadas no Canadá.

O Apontamento n°1 do Instituto Tricontinental mostra como as grandes empresas da mineração atuam nesses continentes utilizando uma repressão política, que inclui estupro de crianças,  assassinato e migração forçada, para minar a oposição em relação a infraestruturas e condições de trabalho perigosas. O desmatamento, a contaminação da água, o envenenamento por cianeto e outras infrações ambientais ocorrem simultaneamente com as violações de direitos humanos.

A disputa geopolítica e a guerra híbrida

É fato que o controle desses territórios para o imperialismo sempre foi uma necessidade para a manter os ganhos dos grandes conglomerados a partir da exploração. A América Latina e o Caribe, considerados pela geopolítica estadunidense como “quintal” e “zona natural de influência”, ricos em bens comuns naturais, ocupam um lugar central nessas disputas.

Tão fundamental que na disputa geopolítica mundial as guerras e conflitos estimulados pelo imperialismo se desenvolveram exatamente nos territórios que se encontram as bacias de petróleo. O mapa de atenção prioritária construído pelo Pentágono seguia esse trajeto de todo o campo de petróleo do planeta. As zonas de guerras seguiram a rota do petróleo.

As diversas estratégias de ação do imperialismo têm sido caracterizadas por alguns autores como “guerras híbridas”, uma combinação de guerra não convencional com a insurgência de atores da sociedade civil, tais como as chamadas “revoluções coloridas”, que abarcam assim forças estatais e uma variedade de atores. Essas formas de ingerência também foram consideradas como a aplicação de uma “doutrina de dominação de espectro total”, ou seja, opera sobre todas as esferas da vida social e, particularmente, no domínio dos corpos, corações e mentes da população.

Consideradas como “guerras assimétricas” ou “guerras difusas”, o que implica em intervenção e controle de todas as esferas de reprodução e a organização da vida em uma guerra não declarada, que não reconhece fronteiras e se difunde por todo o corpo social, também são chamadas de “guerras de quinta geração”.

Como analisamos em no Dossiê n° 05 -“Lula e a Batalha pela Democracia” do Instituto Tricontinental, todo processo do golpe parlamentar contra a presidenta Dilma Rousseff e a prisão sem provas do ex-presidente Lula foram orquestrados a partir de métodos de desestabilização política. Uma arquitetura montada com a grande mídia – Grupo Globo –, o Judiciário e os parlamentares de um lado e grupos financiados externamente, criando fake news e insuflando uma classe média não engajada contra um governo democraticamente eleito.

A dinâmica da guerra híbrida promovida pelo império é multidimensional e buscamos apresentar aqui apenas algumas dessas dimensões. No Brasil, o emprego mais utilizado e denunciado foi o conceito Lawfare, que pode ser entendido como uma guerra jurídica, assimétrica, mediante o uso ilegítimo da justiça, com fins econômicos e políticos. 

A dimensão econômica também é chave para gerar uma situação de descontentamento que pode levar aos conflitos diretos no território, a economia é uma arma da desumanizante guerra imperial, em seu formato de guerra híbrida. 

É o caso da Venezuela, desde o início do governo de Hugo Chávez, com o crescimento do controle das intervenções estrangeiras houve a promoção da saída de capitais, especulação sobre a moeda, instrumentalização de novas travas comerciais e impulsionamento do desabastecimento programado; todas estas formas concretas de intervenção do império nesse plano hibrido. Essa estratégia começou em 2012 e atingiu, em 2017, um maior grau de beligerância e agressividade contra o povo.

Além da guerra econômico-financeira, o desabastecimento e as operações militares, são imprescindíveis a guerra psicológica, cultural e de comunicações, com o objetivo de criminalizar o governo popular através da manipulação de narrativas. 

Além das tradicionais corporações midiáticas (televisão, jornais impressos e rádio), a internet ampliou muito essas ferramentas. As redes sociais e ferramentas comunicacionais possibilitam a montagem e manipulação de enormes bancos de dados que recompilam, identificam e classificam opiniões, sentimentos e desejos da população.

Entender o que está em jogo é determinante. Para manter o controle dos territórios estratégicos os EUA precisam destruir todo processo de soberania construído pelos países, onde estão os bens naturais. Os métodos são variados e tem o claro objetivo de alinhar os países aos interesses do imperialismo, sem nenhuma possibilidade de desenvolvimento autônomo e soberano.

Diante disso, a Venezuela é o epicentro dessa guerra no continente. Mas a guerra que se trava não é apenas da Venezuela, mas de toda a América Latina. As disputas e tensões que hoje têm lugar na Venezuela condensam os aspectos-chave da ofensiva neoliberal inclusive devido aos efeitos regionais que teria a frustração e a derrota da experiência bolivariana. Defender essa experiência é um dos desafios das forças progressistas e de esquerda no mundo.

Saber como o imperialismo e seus aliados têm se movimentado é primordial para levantar os desafios que competem as forças populares. Entre os muitos pontos reforçamos a defesa pela soberania que se apresenta como um eixo importante a ser desenvolvido para acumular nesses tempos, contra o entreguismo das classes dominantes as exigências estrangeiras.

Edição: Marina Duarte de Souza