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PETROBRAS

“A Lava Jato dissolveu um projeto de desenvolvimento do país" avalia pesquisador

Para William Nozaki, os impactos já podem ser percebidos no aumento do desemprego e na perda da arrecadação dos estados

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Para William Nozaki, a operação Lava Jato criminalizou empresas estatais, principalmente, a Petrobras
Para William Nozaki, a operação Lava Jato criminalizou empresas estatais, principalmente, a Petrobras - Divulgação

Desde início do mês de junho, quando o portal The Intercept Brasil publicou reportagens que indicam a interferência do ex-juiz Sérgio Moro na condução da Operação Lava Jato, a discussão sobre o caráter parcial das investigações voltou ao noticiário. Em entrevista ao Brasil de Fato, o cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), William Nozaki, afirma que a denúncia explicita o direcionamento da Lava Jato: criminalizar uma força política. Junto com esse objetivo, dissolveu-se um projeto de desenvolvimento que tinha a Petrobras no seu centro. "Os impactos disso tudo a gente pode ver com o aumento do desemprego e uma perda de arrecadação dos estados e municípios”, explica.   

Confira a entrevista completa:  

Brasil de Fato: Na sua avaliação, qual o grau de influência do petróleo e do pré-sal nas crises econômica e política estabelecidas no Brasil atualmente?   

William Nozaki: A descoberta do pré-sal está diretamente relacionada com a maneira como o Brasil, a partir de então, começou a entrar no cenário geopolítico, geoeconômico e energético internacional. Isso nos colocou na lista dos 10 maiores países com reserva de petróleo. Portanto, na rota de interesses internacionais em torno dos nossos recursos naturais estratégicos. Isso mobilizou um conjunto de interesses internacionais, empresarias e políticos, que em certa medida jogaram água no moinho da instabilidade política que a gente vive na conjuntura hoje. Então a minha impressão é de que não é possível apontar toda a instabilidade política que o país vive nos últimos anos sem levar em consideração o tabuleiro geopolítico do petróleo como algo fundamental pra isso.   

A operação Lava Jato prejudicou a Petrobras?  

A Lava Jato instaurou um conjunto de procedimentos de investigação que foi no sentido de criminalização da política e das empresas estatais, que foi muito além da busca de corrupção no interior da Petrobras. Ao organizar seu modus operandi por meio das delações premiadas, dos vazamentos seletivos, e diversas formas de acordo não convencionais, a Lava Jato acabou criminalizando ou ajudando a criminalizar o investimento público e o papel das empresas estatais. E, com isso, prejudicou o arranjo institucional que havia viabilizado o desenvolvimento econômico brasileiro.   

As denúncias divulgadas pelo The Intercept evidenciam alguma coisa nesse sentido?  

Os vazamentos que já foram publicizados até aqui vão cada vez deixando mais explícita a parcialidade e um certo direcionamento na condução desse processo. Ao criminalizar uma força política e específica durante a investigação, junto se criminalizou um projeto de desenvolvimento que tinha a Petrobras no centro. Isso surtiu seus efeitos na perspectiva de que a Petrobras deveria ser uma empresa privatizada, enxugada e desmontada.   

Como você avalia a última decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de permitir a venda de subsidiárias de estatais sem a necessidade de licitação ou autorização do poder legislativo?  

Essa medida deu o aval para que as privatizações aconteçam sem o controle público e político que deveria ser exercido pelo legislativo e sem os procedimentos transparentes da condução da gestão pública. Isso tudo cria uma possibilidade de aceleração da venda de ativos importantes da Petrobras, como aqueles relacionados não só ao pré-sal, mas também ao refino e à distribuição. E essa possibilidade é um ataque frontal contra a Petrobras porque, sobretudo no que diz respeito ao parque de refino, [não privatizar] é fundamental não apenas do ponto da segurança energética nacional, mas também para manter a própria lucratividade da empresa.   

Quais os impactos que já podem ser sentidos com a mudança na política de gestão da Petrobras nos últimos anos e quais serão os impactos futuros para a população?   

Já existe um desmonte que afeta as áreas de exploração e produção, gás, biocombustíveis e fertilizantes, e agora isso caminha para a privatização do refino da empresa. Os impactos podem ser divididos em diretos e indiretos. Vender a Petrobras significa diminuir o investimento feito no país, porque a lógica histórica mostra que os níveis de investimentos privados não acompanham os níveis de investimentos de uma empresa gerida com um espírito público. Essa diminuição do investimento vem acompanhada com o aumento do desemprego e uma perda de arrecadação por parte da União, estados e municípios. Além disso, você tem uma espécie de efeito dominó que faz com que o desmonte da Petrobras também produza o próprio desaquecimento na economia. 

Na sua opinião, existiu uma influência de atores estrangeiros nos acontecimentos políticos dos últimos anos?   

Desde a descoberta do pré-sal nós temos notícias de intensas pressões das petrolíferas, sobretudo norte-americanas, e das grandes empresas fornecedoras de máquinas e equipamentos, para que houvesse mudanças regulatórias do setor. Tem aí um conjunto de interconexões entre os interesses das petrolíferas estrangeiras e o desmonte da Petrobras e do marco regulatório do pré-sal que acontecem desde 2006. Também é importante chamar a atenção para três contradições do discurso atual da Petrobras. Primeiro porque defende a concorrência de mercado, mas abre o Brasil para a criação de oligopólio internacional. Segundo que é contra empresa estatal brasileira, mas abre o mercado para a entrada de empresa estatal estrangeira. Terceiro porque é contra a concepção de empresa integrada e abre o mercado brasileiro para que as petrolíferas estrangeiras se integrem na cadeia produtiva. 

Edição: Mariana Pitasse