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RESENHA

Livro reforça importância e influência da Revolução Russa

Vijay Prashad, autor indiano, amplia percepção do leito histórico das lutas populares, anticoloniais e em busca do poder

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Existe toda uma poderosa bateria ideológica que busca deslegitimar, apagar e retirar de contexto o que foi a História do século vinte
Existe toda uma poderosa bateria ideológica que busca deslegitimar, apagar e retirar de contexto o que foi a História do século vinte - Divulgação

É mais fácil, ou bem mais fácil, o senso comum recorrer a alguma imagem de suposta violência associada a um país da antiga URSS do que a alguma perseguição sofrida pelos comunistas nos mais diferentes países. Ou mesmo à atual miséria e a violência próprias do modo de produção capitalista.

Existe toda uma poderosa bateria ideológica que busca deslegitimar, apagar e retirar de contexto o que foi a História do século vinte, a luta de classes, em lugar de dimensionar de modo correto o que foram as tentativas de transição rumo ao socialismo. O pior é reconhecer que até mesmo a intelectualidade progressista e organizações políticas não defendem com força o legado da experiência socialista e, em particular, da Revolução Russa. 

A retomada do debate do poder e da possibilidade de mulheres e homens simples chegarem ao controle do Estado – como já foi visto no México, Rússia, Mongólia, China, Vietnã, Cuba, Nicarágua, entre outros países –, é um dos méritos do livro do indiano Vijay Prashad, diretor do Instituto Tricontinental e editor-chefe da revista Leftword Books.

Em somente 152 páginas, o livro "Estrela Vermelha sobre o Terceiro Mundo" (editora Expressão Popular) dimensiona o impacto da Revolução Russa de 1917 na Ásia Central e nos países da África, o que incentivou os movimentos de libertação nacional de combate ao imperialismo/colonialismo das grandes potências, em realidades nas quais imperava a exploração das massas trabalhadoras e a autocracia no plano da política.

O objetivo do autor indiano é trazer à tona e recordar a energia que uma revolução popular é capaz de despertar. Os trabalhadores, uma vez com o controle do Estado, têm a tarefa de substituir o velho aparelho estatal por um novo, como ensinou Lenin no livro “O Estado e Revolução”. O capítulo sobre o papel das organizações de mulheres nesses episódios merece também atenção especial. Essa energia que marcou sempre os processos de insubordinação popular, levantes e revoluções, está presente neste trecho de “Os dez dias que abalaram o mundo” do jornalista John Reed, citado por Prashad:

“Palestras, debates, discursos – em teatros, circos, escolas, quartéis (…) reuniões nas trincheiras do front, nas praças das vilas, fábricas (…) que vista maravilhosa é a da Putilovsky Zavod (a fábrica de Putilov) com seus 40 mil operários saindo para ouvir os sociais-democratas, socialistas revolucionários, anarquistas, qualquer um, seja lá o que eles tivessem a dizer, desde que falassem!”, pág. 38

Leito histórico

Se, para os latino-americanos, o ano de 1959 marca o impacto da revolução cubana, Prashad amplia a percepção desse leito histórico, incluindo as experiências de luta ocorridas na Mongólia, na Índia, na Indonésia, e também entre as nações que vieram a conformar a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A mensagem é nítida e já havia sido transformada em palavra de ordem pelo Che Guevara: o dever de todo o revolucionário é fazer a revolução – mesmo em realidades atrasadas e dependentes. Mesmo se os processos revolucionários se dão em realidades com a classe operária pouco amadurecida e apresentando a necessidade de vínculo com o campesinato e outras classes sociais.

Prashad ressalta a preocupação de Lenin e da nova república soviética em garantir a autonomia e valorizar os processos de libertação nacionais – o que teria causado adesão e mobilização nos países coloniais. Antes disso, já era possível verificar que países de economia atrasada haviam produzido levantes sociais, no México, entre 1910 e 1919, e também no Irã.

As massas populares produzem suas lutas e revoluções, no estágio em que se encontram: suas condições materiais e ideológicas, cabendo às organizações políticas aplicar o essencial do método marxista: a leitura concreta da situação concreta (página 137). Por isso, “Nas lutas anticoloniais, os comunistas tinham que estar com o povo”, ressalta Prashad, enxergando um fio contínuo entre as primeiras jornadas por democracia, em 1848 – com uma classe trabalhadora ainda prematura, em conformação –, logo depois a experiência da Comuna de Paris, em 1871, e a revolução Russa de 1917.

Quanto ao século vinte, o desafio é compreender que o fator fundamental de centralidade e apoio à URSS não poderia significar que cada processo local deixasse de lado sua História em nome de orientações centralizadas e mecânicas do Comitern de Moscou, desde a fundação da Terceira Internacional.

O autor consegue captar esse problema sem cair na expressão superficial dele, colocada em termos da disputa “Trotsky versus Stalin”. Para além de caricaturas, o fundamental é perceber a complexidade do papel da URSS no século vinte. O país gigantesco e estratégico sempre foi acossado pelos países imperialistas, perdeu 26 milhões de pessoas na Segunda Guerra, e era a referência de processo a ser defendido mundialmente.

Porém, é fato que não podia simplesmente exportar sua experiência para as realidades sociais tão diferentes, na América Latina, Ásia e África. Nisso, se valoriza o trabalho do peruano José Carlos Mariátegui, que soube, a seu tempo, como marxista, entender a conformação de classes e as particularidades da realidade andina e peruana.

Vemos esta concepção de Prashad neste trecho do livro:

“Os mongóis queriam espaço para produzir suas próprias teorias e políticas revolucionárias. Mas sua confiança nos soviéticos em relação à ajuda material estava emaranhada com a confiança na política soviética para seu próprio desenvolvimento – todos com medo da intervenção do imperialismo –, que não era infundada (…)"

Então, temos duas questões a ser pensadas: a) o benefício adquirido dos países no entorno da URSS, caso da “ferrovia de 1500 quilômetros do Turquestão à Sibéria (Turksib) saía de Tashkent (República Socialista Soviética do Uzbequistão) e se conectava com a Ferrovia Transiberiana” b) De como a URSS nasceu e carregou ao longo do século vinte a mensagem de libertação dos países colonizados.

Colonialismo e fascismo

Esse trabalho é impactante quando aborda o problema do que chama de “Fascismo colonial”, traçando uma continuidade histórica entre a opressão colonial dos países europeus sobre as colônias africanas, o que teria assentado as futuras bases do fascismo. “Afinal, os instrumentos do nazismo – superioridade racial e violência brutal e genocida – foram cultivados nos mundos coloniais da África, Ásia e América Latina”, página 119.

Prashad se ancora na obra do escritor da Martinica, Aimé Césaire, autor negro e marxista que pontua a ligação entre os dois processos, a opressão colonial e o ascenso do fascismo, ressaltando também as particularidades de cada processo:

“Colonialismo e fascismo compartilham muitas coisas no âmbito dos efeitos – em termos de como eles apareciam para suas vítimas. Era evidente para Césaire, como marxista, que o fascismo era uma forma política de governo burguês nos momentos em que a democracia ameaçava o capitalismo; o colonialismo, em contrapartida, era puro poder justificado por racismo para confiscar recursos de povos que não estavam dispostos a entregá-los. Suas formas eram diferentes, mas suas condutas eram idênticas”, cita, na página 120.

Com tudo isso, o livro de Prashad injeta um pouco de ânimo e um pouco, por que não, de coragem, para a defesa da herança das revoluções populares do século vinte. Mais que isso: a coragem de apontar a sempre urgência do tema do poder do Estado.

 

Edição: Redação Paraná