Paraíba

DIREITOS HUMANOS

Aliança Nacional LGBTI lança nota de repúdio ao Projeto de Lei contra atletas trans

No projeto, vereadora de João Pessoa proíbe atletas transexuais de competirem em equipes com sexo biológico distinto

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |

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Toni Reis - Diretor Presidente Aliança Nacional LGBTI+
Toni Reis - Diretor Presidente Aliança Nacional LGBTI+ - Foto: Divulgação

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP) aprovou na última segunda-feira (16) um Projeto de Lei da vereadora Eliza Virgínia (PP), que proíbe atletas transexuais de participarem de partidas esportivas em equipes distintas do seu sexo biológico no município. 
De acordo com o PL, entidades, federações e clubes que descumprirem a lei - caso seja aprovada pela Câmara e sancionada pelo prefeito Luciano Cartaxo (PV) -, serão multados em 50 Ufir (Unidades Fiscais de Referência), o equivalente a R$ 2.529.
A vereadora, conhecida pela agressividade contra LGBTs, contrária às pautas pelos direitos das mulheres, tomou como base a atleta do Tocantins, Tifanny, que joga no Sesi-Bauru e vem sendo um dos destaques da Superliga de vôlei feminino. Tifanny nasceu Rodrigo, chegou até a jogar vôlei masculino, mas se reconheceu enquanto mulher e fez a transição de gênero. Atualmente, joga no clube feminino do vôlei nacional, e tem uma autorização da Federação Internacional de Voleibol (FIVB) desde 2017. 
Eliza alega que a atleta transexual tem vantagem no esporte por conta de sua fisiologia: "A mulher é diferente, a estrutura óssea, muscular, tudo é diferente entre mulher e homem. É uma questão de ciência, não de ideologia. É um desrespeito colocar uma mulher trans para jogar contra um time de mulheres biológicas é claro que quem vai ganhar são as mulheres trans”, declarou.
A Aliança Nacional LGBTI lançou nesta quinta-feira  (19) uma nota de repúdio ao projeto de Lei que ainda ira para votação em plenário.

Confira a nota na íntegra:

Nota Pública à Sociedade Paraibana onde manifestamos nosso a Repúdio ao Projeto de Lei nº. 1.147/2019 em trâmite na Câmara de Vereadores de João Pessoa - PB. 

Premissas
Primeira: O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero. 
Segunda: A identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la. 
Terceira: A pessoa não deve provar o que é e o Estado não deve condicionar a expressão da identidade a qualquer tipo de modelo, ainda que meramente procedimental. 
Voto vencedor do Exmo. Min Edson Fachin na ADI 4.275
João Pessoa - PB, 19 de setembro de 2019 - A Aliança Nacional LGBTI, por sua Coordenação Municipal na cidade de João Pessoa/PB, no cumprimento do seu papel de promoção e defesa dos direitos humanos e da cidadania da comunidade brasileira em especial dos "Pessoenses" das pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais (LGBTI+), vem a público externar o seu mais veemente repúdio ao Projeto de Lei nº. 1.147/2019, de autoria da Ver. Eliza Virgínia (PP - Partido Progressista), em tramitação na Câmara Municipal de João Pessoa e aprovado na análise de sua CCJ, num mais absurdo retrocesso e violência contra a população de pessoas TRAVESTIS e TRANSEXUAIS desta Capital, ao visar a proibição de que atletas transexuais compitam em equipes com sexo biológico distinto.
Em mais um ato de ódio, encoberto em falsa proteção das mulheres, a autora da propositura agride frontalmente parcela da população já tão vilipendiada em seus direitos, aviltada em seus valores sociais e degradada em sua humanidade pelo Estado brasileiro, justamente no país que, em números absolutos, é aquele que mais registra assassinatos de travestis e transexuais, segundo levantamento feito pela ONG Transgender Europe (2016). O que vemos é um retrato de uma realidade de absoluta intolerância, a qual vem piorando nos últimos tempos, com o país entregue a uma agenda fundamentalista de falso moralismo e desumanidade no mais alto grau.
Não bastasse a exposição profunda aos mais variados tipos de violência, que lhes toma a vida já no seio familiar, se intensificando no meio social, as pessoas trans não possuem qualquer cobertura de dispositivos legais, sendo excluídas do mercado de trabalho, e vivendo sem qualquer proteção do Estado brasileiro, que lhes garanta saúde, educação e dignidade, o que resulta em vidas dizimadas e de pequena duração e, projetos como esse, terminam por minar as conquistas e lutas em curso.
Ao longo dos anos, diversos estudos científicos demonstram que a realização de tratamento hormonal adequado, equipara fisiologicamente as pessoas atletas de gênero idêntico, trans ou cis, não representando qualquer vantagem para as trans, as quais, inclusive, com o tratamento realizado, perdem velocidade, força e resistência —componentes importantes de um atleta, realidade que levou o Comitê Olímpico Internacional a editar o “Consensus Meeting on Sex Reassignment and Hyperandrogenism - November 2015”. Tal normativa é seguida por diversos organismos esportivos pelo mundo e no Brasil, a entender ser direito das atletas trans serem tratadas pelo gênero no qual se autopercebem, trazendo dignidade real a essas pessoas, no reconhecimento de quem efetivamente são.
No campo jurídico, nos causa espanto a aprovação da proposta legislativa na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Vereadores de João Pessoa. Isto por que, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se manifestar sobre o reconhecimento da população trans, quando no julgamento da ADI n. 4275, em 1 de março de 2018, onde restou assentado pelo Plenário da Corte Constitucional de que “a identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la”, ou desconstituí-la (acrescentamos).
E neste sentido, de bom alvitre recordar o disposto na Opinião Consultiva 24/17 da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre Identidade de Gênero e Igualdade e Não-Discriminação, quanto ao pedido de retificação de registro civil, definidor inicial de classificações sociais atuais:
Os Estados têm a possibilidade de estabelecer e decidir sobre a procedimento mais adequado de acordo com as características apropriado para cada contexto e sua lei interna, os trâmites ou procedimentos para a mudança de nome, adaptação da imagem e retificação da referência ao sexo ou ao gênero, nos registros e nos documentos de identidade para que sejam de acordo com a identidade de gênero autopercebida, independentemente da sua natureza jurisdicional ou materialmente administrativa, devendo cumprir os requisitos indicado neste parecer, nomeadamente: a) devem estar dirigidos à adequação integral da identidade de gênero auto percebida; b) devem estar baseados unicamente no consentimento livre e informado do solicitante sem que se exijam requisitos como certificações médicas ou psicológicas ou outros que possam resultar irrazoáveis ou patologizantes; c) devem ser confidenciais e os documentos não podem fazer remissão às eventuais alterações; d) devem ser emitidos, e na medida do possível, devem tender à gratuidade; e e) não devem exigir a realização de operações cirúrgicas ou hormonais” (par. 160).
No Paraíba, no Brasil, comportamento diferente do direito personalíssimo das pessoas trans a autopercepção não pode ser aceito. Temos uma Carta Cidadã que garante em seu art. 1º, III, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e no seu art. 3º, IV a proibição de quaisquer formas de discriminação, preceitos que a Vereadora autora do projeto desconhece em plenitude, dado o seu histórico de agressão permanente à população LGBTI.
Assim, são com estas considerações que a Aliança Nacional LGBT+, por meio de sua diretoria nacional e pela coordenação municipal, reafirma seus propósitos e informa que estará em campo na luta contra o Projeto de Lei nº. 1.147/2019, na conscientização das demais Senhoras e Senhores Vereadores com mandatos válidos na Câmara de Vereadores de João Pessoa, afim de que rejeitem essa propositura discriminatória e TRANSFÓBICA. 

Toni Reis
Diretor Presidente
Aliança Nacional LGBTI+

Marcel Jeronymo Lima Oliveira
OAB/PB 15.285
Coordenador Nacional
Área Jurídica da Aliança Nacional LGBTI+

Hugo Raffael Andrade
Coordenador Municipal
Aliança Nacional LGBTI em João Pessoa/PB

Yurick Willander De Azevedo Lacerda
OAB/PB nº. 17.227
Advogado Voluntário
Aliança Nacional LGBTI em João Pessoa/PB

Sobre a Aliança Nacional LGBTI+ - A Aliança Nacional LGBTI+ é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos, com representação em cada uma das 27 Unidades da Federação e representações em mais de 150 municípios brasileiros. Trabalha com a promoção e defesa dos direitos humanos e da cidadania da comunidade brasileira de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais (LGBTI+) através de parcerias com pessoas físicas e jurídicas. A Aliança é pluripartidária e atualmente tem em torno de 800 pessoas físicas afiliadas. Destas, aproximadamente 50% são afiliadas a partidos políticos, com representação de 30 dos 35 partidos atualmente existentes no Brasil. Contatos dos Representantes da Aliança Nacional LGBTI - JPA/PB Toni Reis 41.99602.8906 - Hugo Raffael 83.99957.1137 - E-mail: [email protected]

Edição: Cida Alves