Política econômica

Deputados da oposição discutem programa de geração de emprego e renda para o país

Em parceria com especialistas, parlamentares começam a dar passos iniciais na elaboração de uma proposta

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Câmara dos Deputados sediou seminário que debateu crise econômica com especialistas e parlamentares
Câmara dos Deputados sediou seminário que debateu crise econômica com especialistas e parlamentares - Foto: RafaB

Parlamentares de oposição na Câmara dos Deputados preparam uma proposta de programa de geração de emprego e renda para o país. De acordo com a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidenta do PT, maior partido de oposição da Casa, a ideia é oferecer um contraponto à política de ajuste fiscal que tem sido implantada nos últimos anos e que anuncia, para 2020, um orçamento público mais modesto, com redução dos gastos em diferentes áreas.

Entre os eixos que deverão constar na proposta, está o do aumento dos investimentos públicos, principalmente na área da construção civil, segmento que mais emprega no país. Para a oposição, a estratégia precisa ter destaque entre os diferentes pontos que serão apresentados como proposta para reduzir o índice de desemprego, que hoje atinge cerca de 12,5 milhões de pessoas.

“Como a construção civil está parada, o desemprego está alto. Por exemplo, temos mais de 8 mil obras paradas no Brasil – dinheiro que já foi, de certa forma, investido. Se nós não retomarmos, perdemos esse dinheiro. Se retomarmos, concluímos as obras, damos uma finalidade a elas e damos emprego às pessoas”, afirma, mencionando também a injeção de verbas no programa Minha Casa, Minha Vida, que sofreu retração.

Para a oposição, as diretrizes que vêm sendo apontadas pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o ministro da Economia, Paulo Guedes, caminham no sentido contrário ao do desenvolvimento. Na avaliação de Hoffmann, o Poder Legislativo precisaria, de forma prioritária, rever o Teto dos Gastos, aprovado durante o governo Michel Temer (2016-2018), que reduz os investimentos públicos durante 20 anos em áreas sociais.

“O Tesouro Nacional, por exemplo, tem R$ 1 trilhão no caixa único, dinheiro que não pode ser aplicado por conta das regras fiscais que foram aprovadas, entre elas a emenda constitucional do teto. Temos que destravar isso e mudar essa emenda, porque ela inviabiliza o Estado brasileiro e mesmo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que não é uma cláusula pétrea. Em situações de crise, nós temos que ter investimento. Isso é básico até mesmo do capitalismo. Foi Keynes [teórico e economista britânico] que nos ensinou”, argumenta a parlamentar.

Para conceber uma proposta de programa de geração de emprego e renda, os opositores intensificaram o diálogo com diferentes analistas, sobretudo nomes da área econômica. Em um seminário realizado nesta quinta (10), na Câmara, os deputados compartilharam reflexões e ouviram de especialistas as críticas contra o teto de gastos.

Luiz Gonzaga Belluzzo, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), disse que o país vive “uma crise conjuntural” gerada pelos ajustes fiscais impostos desde 2015 e destacou que as previsões de crescimento da economia seriam “precárias” atualmente porque não há desempenho nesse sentido.

“E, pro ano que vem, a previsões também não são muito animadoras. E aí estamos diante desse monstro que é o teto de gastos, que, na verdade, continua sendo uma inovação brasileira. Não conheço nenhum país do mundo que tenha criado um teto tão rígido, e a reforma da Previdência que vem aí está sendo concebida sob o mesmo ponto de vista, então, o país vai continuar na mesma se não tiver investimentos”, disse.  

Seguindo a linha de raciocínio, a professora Maria de Lourdes Rollemberg Mollo, da Universidade de Brasília (Unb), defendeu que o papel do Estado como regulador econômico precisaria ser ampliado no país. Ela também lembrou a importância da reforma tributária e criticou a maioria das propostas que atualmente tramitam no Congresso Nacional. De modo geral, as medidas propõem uma resistematização do sistema de impostos, mas não ampliam a tributação na renda das classes mais elevadas nem preveem, por exemplo, cobrança sobre grandes fortunas, heranças, lucros e dividendos.

“Todo mundo sabe que a tributação indireta prejudica o mais pobre, já que a renda do pobre vai pro consumo. Simplificar é bom, mas não pode ser o objetivo principal de qualquer reforma tributária neste país, porque ainda temos uma concentração de renda que é campeã e 1% da população responde por 25% da renda. Nessas condições, o problema a tratar não é a carga indireta, e sim o tributo direto”, disse.

Caminhos

Nesse sentido, a oposição apresentou, na ultima terça-feira (10), em parceria com diferentes especialistas, uma proposta de reforma tributária solidária, que passou a tramitar como opção ao texto atualmente discutido na comissão que avalia a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45, uma das medidas que versam sobre o tema. Com isso, os debates acerca do assunto deverão se intensificar nas próximas semanas.

De acordo com a líder da minoria, Jandira Feghali (PCdoB-RJ), a oposição vai continuar dialogando com especialistas sobre os pontos relacionados à questão econômica nacional para formatar a proposta de programa de geração de emprego que será apresentada.

“Esse debate nos orienta pra apresentação de alternativas, porque, pra falar com o governo, não tem muito caminho. A gente quer expressar isso em projetos, em propostas de debate da sociedade, mas também tentar projetar isso em iniciativas legislativas aqui e, ao mesmo tempo, resistir ao desmonte”, disse ao Brasil de Fato.

Para a parlamentar, a oposição precisa seguir na tentativa de conter o avanço da doutrina neoliberal, já que o cenário traz como pano de fundo uma “disputa simbólica”.

“Essa disputa de mercado também é uma disputa nas relações humanas. Ela estimula o individualismo, o não coletivo, e o sentimento de sociedade se perde, então, vira a sociedade dos vencedores, que geralmente são os ricos, tidos como pessoas que vencem na vida”, reflete, acrescentando que o problema reforça a fragmentação entre as classes sociais.

“Cria-se uma massa de descartáveis, de pessoas consideradas sem serventia, e isso vai gerando uma divisão na sociedade em que, em vez de as pessoas se juntarem numa disputa solidária de crescimento do bem comum, vai criando uma sociedade de alguns poucos que desprezam os outros. Essa é uma disputa destrutiva, e nós precisamos combater isso”, finaliza Feghali.

Edição: Vivian Fernandes