Rio Grande do Sul

ENSINO

“Frentaço pela Democracia” adia votação do Escola Sem Partido em Porto Alegre

Formado por 64 entidades, frente garantiu realização de uma audiência pública antes da votação do projeto

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Representantes da frente de entidades se reuniram com vereadores para negociar a realização de audiência pública
Representantes da frente de entidades se reuniram com vereadores para negociar a realização de audiência pública - FotoS: Júlio Sa

Desde 2016, o projeto Escola Sem Partido (PLL 124/16), do vereador Valter Nagelstein (MDB), vem rondando a Câmara Municipal de Porto Alegre. O texto, que estabelece orientações para o que podem falar em sala de aula os professores e impede a emissão de opiniões pessoais de cunho político, chegou a ser liberado para votação em plenário, mas depois de uma intensa mobilização, deverá ficar para o ano que vem. Foi assegurada ainda a realização de uma audiência pública antes da sua votação. A decisão foi anunciada nessa quinta-feira (05), pela Mesa Diretora da Câmara.

“Frente às ideias retrógradas, a gente conseguiu formar uma resistência em prol da educação livre e plural”, frisa a presidente da Associação Mães e Pais pela Democracia, Aline Kerber, ao comentar sobre o adiamento da votação que poderia ter acontecido esse ano sem qualquer discussão com a sociedade. Diante a isso uma frente formada por 64 entidades, capitaneada pela Associação, protocolou um pedido, na quarta-feira (04), para realização da audiência. Na ocasião, um grupo se manifestou para que o projeto não fosse votado sem um debate mais profundo.

Aline relata que o grupo foi ofendido, sob acusação de que o movimento estaria ligado a partidos políticos. “Essa é uma ideia muito rasa acerca dos movimentos sociais e muito atrasada. Esse grupo é formado por pessoas que estão preocupadas com uma educação plural e livre desde as escolas. O Mães e Pais Pela Democracia, protagonista desse projeto, justamente por ser um novíssimo movimento social que não nasce dentro de partidos políticos, é suprapartidário e também plural. Temos gente de esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita, direita e liberal”, explica Aline, relatando que as ofensas partiram do vereador Valter e que a Comandante Nádia, vereadora pelo MDB, chegou a ameaçar chamar o batalhão de choque da Brigada Militar por conta do protesto.

Aline Kerber (centro) e representantes da frente protocolaram pedido de audiência pública na quarta

Com a aprovação da realização da audiência, ainda sem data marcada para ocorrer, a votação também será adiada. “Nós conseguimos garantir uma audiência pública para discutir esse projeto. Ele vem desde 2016, e em 2017 o Supremo Tribunal Federal (STF) já determinou a inconstitucionalidade de uma série de projetos semelhantes, que foram aprovados em outras localidades”, destaca.

De acordo com Aline, o Projeto do Escola Sem Partido representa o atraso para a educação. “Ele persegue professores, induz uma relação de desconfiança entre aluno e professor e não estimula uma gestão democrática nas escolas, com a participação de pais, funcionários, alunos, professores e equipe diretiva, para que encontre as suas próprias soluções. Ele traz, na verdade, uma ideia de perseguição ideológica”, afirma.

“Obviamente a gente não quer ficar fazendo esse debate delirante, factóide de ideologias, de doutrinação ideológica nas escolas, porque isso não existe, nunca existiu e nunca existirá, pelo menos em democracias. Estamos defendendo a democracia e as leis, e é isso que esse projeto fere, a democracia, a lei e a Constituição Federal acima de tudo, assim como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Fere sobretudo as liberdades, a liberdade de aprender e ensinar”, expõe Aline, pontuando que a decisão é uma “grande vitória” da união de entidades que defendem a educação livre e plural, o que está sendo chamado de “Frentaço pela Democracia”.

Durante a semana, as entidades que participam do “Frentaço” haviam divulgado nota denunciando a realização de uma “manobra” para acelerar a votação e cobrando pela realização da audiência pública. Confira a seguir:

Nota de repúdio:

Na tarde desta segunda-feira (02/12/19) fomos surpreendidos com a tramitação do famigerado projeto “Escola Sem Partido” – uma manobra gravíssima e antidemocrática da Câmara Municipal de Porto Alegre, porque não foi apresentado publicamente até as 10h do dia de HOJE (03/12) que o PLL 124/2016, do Vereador Valter Nalgestein, que traz o disciplinamento de professores e cartazes com regras para eles nas escolas públicas municipais, o conhecido projeto “Escola Sem Partido”, que também poderia ser chamado de escola do pensamento único ou do partido sem escola, que estava parado na CCJ, terá parecer votado nas comissões conjuntas e possivelmente o seu mérito no plenário da CMPA na próxima quarta (04/12).

Não se critica o uso de reuniões conjuntas de comissões da CMPA de modo a respeitar o princípio da eficiência. Porém, o que se critica é introduzir sub-repticiamente temas de enorme interesse da sociedade porto-alegrense ao lado de outros, mais simples e pacificados, o que implica na falta de transparência e na ausência de participação da sociedade organizada para qualificar as políticas públicas, sobretudo as que fortalecem o bem viver. Ou a sociedade porto-alegrense entende que não existe hierarquia de relevância entre um projeto de lei que altera o nome de um logradouro da capital gaúcha (PLL 239/2019) e o que trata de princípios constitucionais na área da educação (o mencionado PLL 124/2016), com efeitos graves e impactantes, e que, portanto, ambos possam seguir o mesmo rito de urgência e sem prévio e exaustivo debate democrático?

Um tema que envolve a educação infantil e fundamental de milhares de crianças em Porto Alegre e afetará a relação de confiança entre alunos e professores, estes suspeitos e chamados no projeto de “doutrinadores” a priori, exige uma atualização no debate público, feito somente há 1 ano, e não só uma emenda do Vereador Pujol (28/11) com o intuito de aprovação sem compromisso com os resultados no processo de implementação, pois várias inconstitucionalidades foram apresentadas em outros municípios e estados pelo STF com projeto de mesma natureza que não foram considerados pelo relator – de 2017 até os dias atuais.

É sabido por nós que a decisão da presidente do Egrégio Poder Legislativo Municipal, Vereadora Mônica Leal, em facultar a votação urgente de projetos pelos vereadores e pelo Executivo preza pela legalidade, pelo diálogo e pela ética, mas os critérios precisam ser revistos, pois assuntos simples e complexos não podem ser tratados como se tivessem o mesmo impacto na vida dos cidadãos e cidadãs.

Não é possível que um projeto que afeta a pluralidade de ideias nas escolas, a liberdade de cátedra (de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber) e as liberdades de crianças e adolescentes, asseguradas na Constituição Federal, em normas internacionais, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e no Estatuto da Criança e do Adolescente, seja parte de uma votação urgente e em conjunto sem chances de mobilização da opinião pública e dos grupos de interesse. Além disso, cumpre salientar que as liberdades antes mencionadas compõem o conjunto de direitos fundamentais de primeira geração, que numa perspectiva histórica foram conquistas de movimentos liberais contra o abuso e arbitrariedade estatal. Nesse sentido, nos causa surpresa que parlamentares que se declarem liberais possam defender o PLL 124/2016, sem que isso configure uma injustificável incoerência ideológica.

Convidamos os democratas e defensores das liberdade a se somarem a esta nota, compartilhando-a e assinando abaixo. Queremos impedir esta votação pela falta de transparência e de debate público atualizado.

Propositora: Associação Mães e Pais pela Democracia

Apoiadores:

1. SIMPA

2. Movimento em Defesa da Educação

3. CPERS

4. FCI – Fórum de Combate à Intolerância e ao Discurso de Ódio

5. Associação de Juristas pelas Democracia – AJURD

6. Instituto Fidedigna

7. Nuances – grupo pela livre expressão sexual

8. SINPRO

9. Movimento Meninas Crespas

10. Coletivo Catarse

11. Vila Flores

12. Coletivo ProsperArte

13. CTB

14. CGTB

15. UNEGRO

16. UBM

17. UGES

18. UEE

19. UJS

20. JPL

21. UMESPA

22. SindoIF-Andes

23. Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito

24. SINDFARS

25. RENAP – REDE NACIONAL DE ADVOGADOS POPULARES

26. Fórum Justiça

27. SISERGS

28. Coletivo Cidade que Queremos – CCQQ

29. Salve Sintonia

30. Café com Paulo Freire

31. FEGAMEC

32. Grupo Canjerê

33. Aya – Coletivo de Professoras/es Negros da Rede Municipal de Porto Alegre

34. Fundação Maurício Grabois/RS

35. Fórum Estadual de EJA RS

36. Jornada em Defesa da Educação Democrática e do Pensamento de Paulo Freire

37. EMANCIPA

38. Coletivo Quilombelas

39. Comitê em Defesa da Democracia

40. ATEMPA

41. TEIA – Instituto de Direitos Humanos e Cidadania

42. Coletivo de Professoras e Professores de História da RME (CPHis)

43. CUT

44. Coletivo Democracia Municipária

45. Fórum Gaúcho de Educação Infantil

46. Movimento em Defesa da Educação

47. Juntos! RS

48. Coletivo Voz Materna

49. Alicerce

50. Coletivo Feminino Plural

51. Coletivo Cidade Mais Humana

52. Laboratório de Políticas Públicas e Sociais – Lappus

53. ANDES/UFRGS

54. ADUFRGS

55. Somos Movimento Raiz Cidadanista

56. Conselho Regional de Psicologia

57. ASSIBGE/RS Sindicato

58. Professores pela Democracia

59. Associação Negra de Cultura

60. UNE

61. Associação dos Pos-Graduandos – APG UFRGS

62. UAMPA

63. Fora da Ordem RS

64. Coletivo Formação Política

 

*com informações do Sul 21

Edição: Marcelo Ferreira