Rio Grande do Sul

Gastos Públicos

Propostas de Emenda do ministro Guedes: “Salve-se quem puder”

Guedes entregou ao Congresso, três propostas de emendas cunhadas pela expressão “Plano Mais Brasil”.

Porto Alegre |
O ministro da Fazenda, Paulo Guedes, apresentou à imprensa, em novembro de 2019,  as propostas do Pacto Federativo
O ministro da Fazenda, Paulo Guedes, apresentou à imprensa, em novembro de 2019, as propostas do Pacto Federativo - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

As Propostas de Emenda à Constituição (PEC) apresentadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, me remeteram a uma frase que ouvi alguns anos atrás, dita por uma professora falando sobre a escola oferecer turno integral para seus alunos. Disse ela: se já está muito difícil em um turno, imagina em dois!

Guedes entregou ao Congresso, em novembro passado, três propostas de emendas: a PEC do Pacto Federativo, a PEC dos Fundos Públicos e a PEC Emergencial, cunhadas pela expressão “Plano Mais Brasil”. A ideia de “Menos Brasília, Mais Brasil”, na aparência, muito boa, na essência, é o esgarçamento do pacto federativo e a precarização do serviço público.

O que já estava problemático com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal instituída no início dos anos 2000 e que acarretou queda nos gastos sociais e nos investimentos em infra-estrutura em vários municípios[1], ficou dramático com a PEC do Teto dos Gastos Públicos (PEC 95/2016), que congela os investimentos públicos por 20 anos e limitou gastos sociais com saúde e educação, principalmente. E, agora, com as novas propostas de emendas à Constituição apresentadas pelo ministro Guedes, serão aprofundadas ainda mais as desigualdades, serão jogados na miséria milhões de brasileiros e a desgraça estará presente não só em dois turnos, mas no terceiro também, o da escuridão da noite.

A PEC do Teto dos Gastos, como ficou conhecida, foi apresentada (e aprovada) no Congresso Nacional como uma necessidade imperiosa de combater o déficit púbico que, não por acaso, teria como origem o gasto público, ou seja, o diagnóstico é que os gastos públicos, especialmente os sociais, são elevados e por isso precisam ser reduzidos.

No entanto, como explica o economista e professor da Unicamp Pedro Rossi[2], as reformas estão sendo feitas no Brasil sem o devido cálculo do impacto social, tanto nas modificações trazidas pelo congelamento dos gastos quanto as da Reforma da Previdência, e estão partindo de um pressuposto equivocado, de que o desequilíbrio fiscal (que ele não nega) é causado pelos gastos públicos quando, na realidade, é gerado por um arranjo macroeconômico que perdura por 20 anos, o chamado tripé macroeconômico. Este tripé está baseado no sistema de metas de inflação, no regime de superávit primário (que agora acrescentou o teto dos gastos) e no câmbio flutuante e, a despeito de todas as regras e limitações dos últimos anos, não pode garantir condições básicas de desenvolvimento e de garantia de equilíbrio fiscal.

As justificativas para as propostas agora apresentadas são as mais variadas, mas, em realidade, embutem o discurso de que os gastos sociais são elevados e há que reduzí-los. Sequer cogitam aumentar as receitas para reduzir o déficit, ou melhor, cogitam, mas para garantir o pagamento da dívida pública, vez que o artigo 7º da PEC 188/2019 estabeleceu que “o excesso de arrecadação e o superávit financeiro das fontes de recursos, apurados nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, com exceção daqueles decorrentes de vinculação constitucional e de repartição de receitas com Estados, Distrito Federal e Municípios, serão destinados à amortização da dívida pública federal.”

Pretende o ministro, com o novo pacto federativo, acabar com as amarras do orçamento federal para que os políticos decidam o melhor para seu município; acabar com as receitas vinculadas e as despesas obrigatórias, de forma que não haja mais verbas específicas para saúde e educação; permitir que o poder Executivo faça o balanceamento entre verbas da saúde e educação, compensando gastos entre uma e outra área.

Com as PECs, ele pretende extinguir municípios, enxugar a máquina pública, tornar mais eficiente a gestão dos municípios, diminuir custos com “máquinas legislativas e do Executivo”, encolhendo o governo central e fortalecendo os municípios. Parece bastante promissor e alentador.

O Conselho Federal de Administração (CFA), no entanto, fez um estudo utilizando o índice CFA de Governança Municipal (IGM-CFA) apontando que apesar da baixa arrecadação dos 1.200 municípios que seriam extintos, estes prestam serviço em características bem semelhantes aos que não seriam incorporados e a população destes locais não teria retorno positivo com as alterações da proposta[3]. Ainda segundo o CFA, “a mudança que irá gerar valor para as demandas da sociedade brasileira será baseada em profissionalização da gestão dos recursos públicos com profissionais capacitados para tal”, coisa que se revela bastante difícil, já que o caminha da mudança nas PECs aponta para mais centralidade, menos federalismo.

Menos serviço público interessa a quem de fato?  

*Auditora fiscal aposentada e Diretora do IJF (Instituto Justiça Fiscal)

:: Leia a segunda parte deste artigo :: 

 


Edição: Katia Marko