Rio Grande do Sul

OPINIÃO

Artigo | O importante papel social do farmacêutico

"Descobri muito mais do que o papel do farmacêutico na questão da saúde que, ressalto, é extremamente importante"

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"Urgente, pois, defender o SUS (e seu financiamento) da política de corte de gastos, da diminuição de recursos, do sucateamento da saúde"
"Urgente, pois, defender o SUS (e seu financiamento) da política de corte de gastos, da diminuição de recursos, do sucateamento da saúde" - Foto: Reprodução Ministério da Saúde

Saindo de Porto Alegre em direção ao litoral numa sexta-feira ensolarada, uma placa publicitária chamou a minha atenção. Alusiva às comemorações do Dia do Farmacêutico, 20/01, estampa a frase “A segurança do paciente está em nossas mãos”1. A princípio, fiquei pensando no seu significado, no papel do farmacêutico na área da saúde e, preciso admitir, muito pouco sabia.

Fiquei matutando, como dizemos por aqui, até que, a convite de dois amigos peruanos, participei de uma oficina no Fórum Social das Resistências. Promovida pela Federação Nacional dos Farmacêuticos e Sindicato dos Farmacêuticos do Rio Grande do Sul, a atividade “Medicamento - Direito Humano” ocorreu no dia 23 de janeiro, no auditório da Fetrafi, no centro de Porto Alegre.

Nesta oficina, descobri muito mais do que o papel do farmacêutico na questão da saúde que, ressalto, é extremamente importante. Constatei que existem muitas pessoas que dedicam parte importante de suas vidas para cuidar da vida dos outros. Que resistem e enfrentam as tentativas de desmonte da saúde e que se revestem dos valores balizadores da criação do Sistema Único de Saúde (SUS).

O SUS foi criado para ser um sistema universal, integral e com equidade, de acordo com a Constituição Federal de 1988, preservando valores e princípios de solidariedade, justiça social e democracia. Por ser um sistema único, integral e universal, não abrange somente a consulta ao médico, clínico geral ou especialista, o diagnóstico e a prescrição de exames e medicamentos. Para garantir a eficácia de uma política pública de saúde, que é o caso do SUS, precisamos também garantir o acesso ao medicamento. Muitos pacientes não possuem o recurso necessário para comprar o medicamento e, portanto, não conseguem fazer o tratamento indicado.

O Brasil também teve o seu “Clube de Compras São Paulo”, afirmou um dos participantes do debate, em alusão ao filme “Clube de Compras Dallas”, quando os remédios para tratamento da AIDS eram trazidos à margem dos controles legais porque, segundo ele, era comprar ou morrer. Felizmente, hoje existe uma política de distribuição gratuita destes medicamentos, porque não bastava fazer o diagnóstico e receitar o remédio, era preciso garantir o acesso gratuito ao tratamento.

As farmácias já são consideradas, por lei, como estabelecimentos de saúde, o que foi um avanço. Mais recentemente, em novembro de 2019, após reunião da Frente Parlamentar em Defesa da Assistência Farmacêutica, entidades e parlamentares participantes decidiram elaborar uma Proposta de Emenda Constitucional com fundamento no acesso ao medicamento como um direito humano, desviando o foco de mercado no acesso aos medicamentos. A indústria farmacêutica e a Ciência e Tecnologia a serviço da vida, não somente de bons negócios.

Quando a política de saúde é entendida como um gasto e não como um investimento e um direito à vida, os interesses privados começam a se sobrepor ao interesse público, gerando um desequilíbrio enorme e prejuízos incalculáveis para toda a sociedade. No caso do SUS, ainda que seja necessário fazer ajustes, precisamos reconhecer os avanços e as conquistas obtidas nos últimos 30 anos e que o tornaram referência internacional, como afirmou a cirurgiã-dentista Circe Jandrey, em evento realizado pelo Instituto Justiça Fiscal em agosto de 2019. Segundo ela, há que ressaltar as medidas positivas, tais como: expressiva redução da mortalidade infantil, o programa de controle de AIDS e hepatite, a criação do serviço de atendimento móvel de urgência, implantação da reforma psiquiátrica, a estratégia de saúde da família, a política nacional de humanização, assistência farmacêutica, transplante de órgãos, combate ao uso do tabaco, a política de sangue e hemoderivados, a criação do Programa Brasil Sorridente, a vigilância sanitária, programas regulares de formação para residência multiprofissional em saúde, entre outras ações exitosas2.

Mas o cenário é preocupante. O novo relatório da Oxfam, lançado neste mesmo Dia do Farmacêutico, 20/01, “Tempo de cuidar – o trabalho do cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade”, afirma que a desigualdade global e brasileira está em níveis recordes e o número de bilionários dobrou na última década. E segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Brasil caiu uma posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e 23 quando esse indicador é ajustado pelos níveis de desigualdade. O Brasil agora ocupa a posição 79 no IDH e é o sétimo país mais desigual do mundo (o primeiro é a África do Sul)3.

Urgente, pois, defender o SUS (e seu financiamento) da política de corte de gastos, da diminuição de recursos, do sucateamento da saúde e lutar por uma reforma tributária justa e solidária para garantir recursos.

Vida longa aos farmacêuticos e a todos os profissionais da saúde, que resistem, com suas atuações e zelo (amor?) profissional, a este desmonte.

* Auditora fiscal aposentada e Diretora do IJF (Instituto Justiça Fiscal)


1 Maiores informações sobre a campanha publicitária do Conselho Regional de Farmácia do RS: https://crfrs.org.br/noticias/lancada-campanha-do-crf-rs-para-o-dia-do-farmaceutico

Edição: Katia Marko