Rio Grande do Sul

Opinião

Artigo | Sepé: santo do povo, símbolo de resistência

Passados 264 anos de seu martírio, o líder guarani rebrota na esperança e na luta do povo

Brasil de Fato | Hulha Negra (RS) |
Na coxilha de Caiboaté, diante da Cruz erguida em homenagem a Sepé e aos 1500 guaranis chacinados pelo império. - Divulgação

Estive em São Gabriel na última semana. Passei o 7 de fevereiro pisando o chão onde Sepé Tiarajú foi assassinado, transpassado pelas costas por uma lança portuguesa, rompido à queima-roupa por um tiro espanhol.  Três dias depois seus companheiros seriam chacinados em mais uma passagem que inscreve a história do RS nos anais da infâmia. Passados 264 anos aquele chão, aquela terra ainda chora seus filhos mortos e nunca justiçados.

Alguns – atônitos – seguem surpresos com os descaminhos traçados pela anti-política executada pelos “novos” governos de “velhas ideias”; outros, inertes à história e ao que se desenvolve em seu entorno, como gado caminham passivos ao matadouro, apenas esperando o Carnaval chegar. Mas há quem insista, quem resista, quem contrarie a lógica permissiva de tempos que parecem avessos à utopias.

O contraste entre dois modos diferentes de ver o mundo foi posto em luta: de um lado os guaranis catequisados pelos padres Jesuítas, que apesar de ter consigo os preceitos do Deus cristão, seguiam convictos de que a terra onde pisavam não lhes pertencia e, sim, eles é que pertenciam a ela; no outro extremo da disputa, um exército vil, unindo velhos inimigos em torno da ideia de que a terra é pertença do maior, é posse da mão mais forte, é propriedade de um rei e seus vassalos.

Os Sete Povos das Missões Orientais, o “triunfo da humanidade” (palavras do filósofo iluminista Voltaire e não deste simplório militante comunista) seria destruído a canhonaços. Os herdeiros daquela gente forte e gentil seriam dispersos estrada à fora, como párias em territórios os quais cultivaram e fizeram produzir por mais de 150 anos. Sepé morre, martirizado, defendendo sua fé e sua gente. Caído o homem, a lembrança de seus feitos e a força de sua causa garantiria o papel de protagonista da história e, no imaginário popular, a mítica figura de um herói em quem se inspirar, um santo a quem recorrer.

Temos muitos motivos para relembrar Sepé. Mas nesse tempo em particular, onde os direitos de trabalhadores são desconstituídos, onde o interesse financeiro sobrepõem-se à vida dos povos, onde a lei mostra-se servil aos interesses das classes abastadas e omissa frente as necessidades dos menos favorecidos, onde se proclama em voz aberta e se estabelece como fala institucional a negação das individualidades e o extermínio das minorias, onde novos impérios se levantam com mão forte para derrubar a soberania dos povos, mais do que nunca é preciso ter conosco o mito, o santo, e – principalmente – o guerreiro Sepé Tiaraju.

 


 

Contexto: Feito santo pelo povo desde o instante de sua morte, Sepé poderá ser em breve assim reconhecido também pela Igreja Católica. A comissão pró-beatificação de Sepé Tiarajú foi criada através da Diocese de Bagé, onde um bispo franciscano-capuchinho (Dom Frei Cleonir Dal Bosco), dá continuidade ao trabalho iniciado pelo bispo negro (Dom Gílio Felício). Tenho acompanhado os trabalhos deste grupo, que leva adiante um legado defendido pelo saudoso Irmão Antônio Cechin. Ao leitor e a leitora que se interessar em acompanhar esses trabalhos, convido a ler as publicações do Instituto Cultural Padre Josimo e a participar da fanpage Rede Josimo.

 

Edição: Sérgio Antônio Görgen