Rio Grande do Sul

PORTO ALEGRE

De centro da democracia participativa a uma das capitais de maior segregação espacial

Vazios urbanos, regularização fundiária e concentração de terra são questões negligenciadas pelos atuais governos

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Os dados evidenciam o grave problema de habitação no Brasil - Reprodução

Porto Alegre tem uma população de 1.483.771 habitantes, distribuídas em 94 bairros, de forma irregular, onde a população mais pobre está concentrada na periferia e a classe média nas regiões mais centrais. Nesse contexto observa-se uma segregação racial e territorial, em que foi se excluindo, automaticamente, a população negra do centro.
Como em muitas cidades do país, a capital gaúcha, que já foi referência participativa e cidadã, padece com o déficit habitacional. De acordo com dados da Fundação João Pinheiro (FJP), o Rio Grande do Sul registrou um déficit de 239.458 moradias em 2015, a maioria concentrada na região metropolitana de Porto Alegre, com 96 mil casas. A inexistência de política habitacional e a falta de diálogo com o poder público agrava ainda mais a situação.

Direito à cidade

De acordo com Ezequiel Morais, da coordenação estadual do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), a situação do direito à moradia na cidade é preocupante. “Cada vez mais o direito à moradia está vinculado ao direito de existir nas cidades e não só ter uma casa”, aponta, destacando também o caráter racista que Porto Alegre foi tomando nos últimos anos na questão espacial. “Os governos anteriores, da Frente Popular, tentaram democratizar a cidade, fazer com que a população negra vivesse mais perto do centro da cidade. Nos últimos anos, isto mudou. A população sofre perseguição no centro por ter a cor da pele diferente, assim como o indígena”, assinala. A revisão do Plano Diretor deveria ser o lugar onde as pessoas teriam o direito de poder dizer onde gostariam de ver, por exemplo, uma praça, uma escola. Onde poderiam deixar gravado para ter moradia popular, contudo isso não acontece, observa.

Revisão do Plano Diretor sem debate qualificado

Ao contrário da última revisão, feita em 2010, incluindo debate, participação popular, e com diálogo e integração de diversas secretarias, a atualização atual está sendo realizada em um prazo apertado, nunca visto antes. É o que aponta o presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Rafael Passos. Coordenada por uma equipe formada de 12 arquitetos, em que a grande maioria tem menos de 10 anos de experiência, a revisão do Plano Diretor, segundo. Passos, acontece em um momento de desestruturação administrativa do planejamento urbano, e com uma equipe unidisciplinar, quando deveria ser interdisciplinar.

Agrava ainda mais a situação o fato de ocorrer em ano eleitoral. “Há incapacidade do executivo, seja administrativa ou técnica de produzir algo num prazo mais longo e com qualidade. O encaminhamento em meio à eleição ou logo depois do processo eleitoral, torna-se muito difícil, em que os lobbys estão todos ainda muito vorazes, latentes”, ilustra. Ainda em dezembro de 2019, o prefeito Marchezan Jr. (PSDB) assinou acordo de cooperação técnica com a ONU - Habitat, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com duração prevista até dezembro de 2021, em que serão contratadas consultorias para auxiliar o trabalho da prefeitura.

Surge um novo movimento, o Atua Poa

Nesse contexto, de falta de diálogo e participação popular na revisão do Plano Diretor, surgiu o Atua Poa – Todxs nós. É formado por 85 movimentos, organizações sociais e pessoas ligadas à defesa de uma cidade mais democrática e inclusiva. Segundo o arquiteto e urbanista, delegado da 1o Região de Porto Alegre e um dos coordenadores do coletivo Pedro Araújo, o grupo nasceu em dezembro do ano passado, após três anos de articulação e debate e teve como propulsor a defesa da democracia e da participação social.“O governo Marchezan faz parte desse processo de desvalorização da participação. Um governo que deixou muito claro que na hora de tomar decisões estratégicas ele só dialoga com a elite empresarial e com seus parceiros políticos, deixando de fora todos os demais atores”, afirma. No ano passado, o movimento entregou um documento ao Ministério Público, assim como para o prefeito, secretários e para o representante da ONU – Habitat. Nele, alerta para uma série de irregularidades ocorridas na atual gestão.

Edição: Katia Marko