DESMONTE

Bolsonaro ataca reforma agrária e agricultura familiar com decreto no Carnaval

Presidente enxugou a estrutura do Incra, extinguindo programas como o Pronera e o Terra Sol

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Incentivos a assentados, quilombolas e comunidades extrativistas foram cortados - Foto: Ascom / MST

Na última quinta-feira (20), véspera de Carnaval, o presidente Jair Bolsonaro deu o maior golpe até agora no processo de reforma agrária em curso no Brasil desde a criação do Estatuto da Terra, em 1964.

Publicado no Diário Oficial da União (DOU) o decreto nº 20.252 enxuga significativamente a estrutura do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

O ato extingue o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), o programa Terra Sol e outros programas que davam incentivos aos assentados, quilombolas e comunidades extrativistas.

De acordo com fontes internas na instituição, existe um forte preconceito contra esses programas. Alguns diretores entendem que eles são formas de dar dinheiro ao Movimento Sem Terra (MST), em vez de repassar tecnologia e conhecimento para os assentados da reforma agrária e seus familiares.

Tecnologia e desenvolvimento

Segundo o próprio site do Incra, o “Terra Sol é um programa de fomento à agroindustrialização e à comercialização por meio da elaboração de planos de negócios, pesquisa de mercado, consultorias, capacitação em viabilidade econômica, além de gestão e implantação/recuperação/ampliação de agroindústrias. Atividades não agrícolas - como turismo rural, artesanato e agroecologia - também são apoiadas.

A ação foi criada em 2004 e faz parte do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) e do Plano Plurianual (PPA), que define os programas prioritários do Governo Federal. Durante esse período, foram disponibilizados R$ 44 milhões em recursos, que propiciaram a implantação de 102 projetos e beneficiaram 147 mil famílias em todo o Brasil”.

O que prova a necessidade do programa para o desenvolvimento da agricultura familiar, responsável por 70% dos produtos alimentícios que chegam a mesa dos brasileiros.

Educação

Já, por meio do Pronera, jovens e adultos de assentamentos têm acesso a cursos de educação básica (alfabetização, ensinos fundamental e médio), técnicos profissionalizantes de nível médio, cursos superiores e de pós-graduação (especialização e mestrado).

O programa também capacita educadores para atuar nos assentamentos e coordenadores locais - multiplicadores e organizadores de atividades educativas comunitárias.

As ações do programa, que nasceu da articulação da sociedade civil, têm como base a diversidade cultural e socio-territorial, os processos de interação e transformação do campo, a gestão democrática e o avanço científico e tecnológico.

Milhares de pessoas foram alfabetizados pelo EJA (Educação de Jovens e Adultos) através do Pronera. Cerca de 9 mil alunos concluíram seu ensino médio; 5.347 foram graduados no ensino superior em convênio com universidades públicas; 1.765 deles tornaram-se especialistas e 1.527 são alunos na Residência Agrária Nacional.

Foram agrônomos, veterinários, pedagogos e advogados, formados ao longo dos anos de desenvolvimento do programa. A maioria deles retornou às suas comunidades proporcionando um processo de desenvolvimento que levou ao surgimento da agroecologia como programa nacional e nicho de mercado para os agricultores familiares.

Estes foram os principais programas atingidos pelo decreto do desmonte que também facilitou a regularização de terras griladas pelo grande latifúndio e o agronegócio.

Fórum Nacional de Educação do Campo

Preocupados com as alterações contidas no decreto, os integrantes do Fórum Nacional de Educação no Campo divulgaram nota em defesa do direito da população camponesa a educação no seu local de trabalho. O Fórum destaca que o decreto toda a política agrária fica subordinada à formulação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA, "em especial a destinação das terras públicas, a seleção de famílias para assentamento da Reforma agrária e a normatização e formação de terras remanescentes de quilombos", diz o texto.

Leia na íntegra a nota do Fórum Nacional de Educação do Campo em defesa do Pronera:

EM DEFESA DO PRONERA E DO DIREITO À EDUCAÇÃO DO CAMPO

O governo Bolsonaro publicou no dia 21 de fevereiro de 2020 o Decreto 10.252/2020, que altera a estrutura regimental do Incra. Mais do que alterar a estrutura regimental e de cargos, o Decreto altera profundamente as competências do órgão. A autarquia deixa de ter competências de formulação. Toda a política agrária fica subordinada à formulação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, em especial a destinação das terras públicas, a seleção de famílias para assentamentos de Reforma Agrária e a normatização e formação de grupos para elaboração de estudos de identificação e demarcação de terras remanescentes de quilombos. Entre tantas extinções de políticas então coordenadas pelo Incra, o referido Decreto extingue a Coordenação-Geral de Educação do Campo e Cidadania, responsável pela gestão do programa Nacional de Educação na reforma Agrária-PRONERA.

Depois de 20 anos, extingue o lugar político da elaboração e gestão de uma das maiores políticas públicas de educação, no Brasil. Já no Golpe de 2016, o Incra deixou de convocar a Comissão Pedagógica Nacional, uma importante instância deliberativa do Programa. No início do governo Bolsonaro, o Decreto que extinguiu todos os Conselhos, Comissões e outros mecanismos de participação social no governo, extinguiu também a Comissão Pedagógica Nacional do PRONERA. O PRONERA é uma política pública forjada pelo protagonismo dos sujeitos coletivos do campo. Até sua criação, não havia registro, na história deste país, dos camponeses protagonizando uma política pública de educação cuja característica fundamental é a articulação entre três sujeitos de territórios diferenciados, mas que materializam uma nova ação do Estado: os movimentos sociais, sindicais de trabalhadores e trabalhadoras do campo, o corpo dos servidores do INCRA e as Universidades.

O Decreto desconsidera que o Pronera, para além do instrumento legal de sua criação, inscreveu-se no ordenamento jurídico do Estado brasileiro, autorizado pela Lei 11.947, de 16 de junho de 2009 e pelo Decreto 7.352/2010 que a regulamentou. De acordo com a Pesquisa Nacional sobre Educação na Reforma Agrária – PNERA, publicada em 2015 pelo IPEA, o Programa foi responsável pela alfabetização, escolarização fundamental, médio e superior de 192 mil camponeses e camponesas nos 27 estados da Federação.

A partir da vigência do Decreto, nenhum órgão governamental estará responsável pela execução do Programa. O Decreto simplesmente extinguiu a instância até aqui responsável. Diante deste quadro é relevante que o Governo responda à sociedade e aos assentados pelo Incra, aos assentados pelo crédito fundiário e às populações remanescentes de quilombos, como se fará, a partir da vigência do Decreto, a gestão dessa política:

1. Com quais instâncias se dialogará em relação aos desafios administrativos dos convênios e projetos em andamento?

2. Que instância será responsável, na Autarquia, pela resolução, destinação e execução orçamentária dos convênios e projetos em andamento?

3. Que órgão do Governo se responsabilizará pelas centenas de Projetos de educação que jazem nos arquivos do Incra à espera de alguma resolução?

Afirmamos que o Pronera é uma política pública construída em torno do princípio da universalização da educação pública, cuja gestão é compartilhada no tripé Estado-Universidades-Movimentos Sociais e Sindicais Populares do Campo. Afirma o princípio da participação ativa dos sujeitos na elaboração de políticas públicas com fundamentos democráticos. O Decreto extinguiu uma parte fundamental da política, porém, não extinguirá a dívida que o Estado brasileiro tem em relação ao direito de acesso dos camponeses à educação. Tampouco extinguirá nossa disposição de seguir lutando por esse direito, componente de um projeto de Reforma Agrária no País como condição basilar de uma sociedade democrática que busque superar as aterradoras desigualdades sociais que hoje o caracterizam. Educação do Campo: direito nosso, dever do Estado!

Brasília, DF, 25 de fevereiro de 2020

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Leandro Melito e Marcelo Ferreira