Rio Grande do Sul

Coronavírus

Centrais sindicais, parlamentares e juristas reagem a medidas de Bolsonaro

Desembargador disse que fazer a classe trabalhadora arcar com os custos da crise vai causar efeito de “calamidade”

Porto Alegre | BdF RS |
Centrais convocam um barulhaço a ser realizado nesta segunda, às 20h30, “contra a MP do desemprego, da fome e da morte e contra o governo Bolsonaro - Jorge Araújo

Ao anunciar a Medida Provisória nº 927/2020, na manhã desta segunda-feira (23), O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) provocou uma revolta tão grande entre os trabalhadores e os setores democráticos do País, que fez com que ele voltasse atrás menos de seis horas depois da publicação. Através do tuiter, ele disse que vai revogar o artigo 18 que permitia às empresas a suspensão temporária dos contratos de trabalho por quatro meses, deixando os trabalhadores sem garantia de salário.

Horas depois técnicos do Ministério da Economia anunciaram que estavam trabalhando numa outra Medida Provisória que liberaria o Seguro Desemprego para os atingidos. A MP 927/2020 foi publicada no Diário Oficial da União (DOU), pela manhã, e o anúncio da revogação de seu artigo 18 foi feito pelas redes sociais após o meio-dia.

Centrais sindicais e federações se posicionam

O presidente estadual da CUT Amarildo Cenci, junto com a CUT Brasil, fez uma live na página do Facebook da entidade denunciando a MP nº 927/2020, baixada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), “na calada da noite”. No final, ele convocou um barulhaço a ser realizado nesta segunda, às 20h30, “contra a MP do desemprego, da fome e da morte e contra o governo Bolsonaro”.

Falando de Caxias do Sul, onde está em isolamento preventivo, o presidente da Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB), Guiomar Vidor, afirmou que pressionado, Bolsonaro recuou em parte, “pois continua retirando das negociações coletivas os sindicatos que poderiam dar garantias de cumprimento do acordo aos trabalhadores. Além disso não garante uma renda mínima para os operários que porventura vierem a ser transferidos para cursos. O governo deveria garantir isso. Assim como financiar as pequenas e médias empresas que são as que mais dão emprego no Brasil".

No caso dos trabalhadores informais ele afirmou que a situação é muito mais grave. “São 45 milhões de pessoas, praticamente a metade da mão de obra ativa no País, que ficarão sem garantia nenhuma à mercê da sorte para se alimentar e para enfrentar o vírus. O governo deveria garantir a vida a essas pessoas em vez de ajudar banqueiros", concluiu.

A líder da Intersindical no Rio Grande do Sul, Berna Menezes afirmou que “a MP 927 é uma verdadeira sentença de morte”. Segundo ela, a reação em todo o país foi tão violenta quanto a medida, por isso, segundo a imprensa Bolsonaro já alterou pontos da MP. “Mas segue sendo nefasta para os trabalhadores. Enquanto este governo fazia declarações estapafúrdias sem maiores consequências não havia problema, mas agora são vidas. São nossas vidas.”

Na avaliação de Berna, Bolsonaro não pode continuar, não tem capacidade e nem condições para dirigir um país e muito menos um país enfrentando uma pandemia. “Temos que tirar Bolsonaro e Mourão e chamar eleições presidenciais. A elite golpista e parte do bolsonarismo está discutindo uma saída. Já se deram conta de que Bolsonaro não consegue ir até o final do mandato”, conclui.

A dirigente nacional da CSP-Conlutas Mari Andreia Oliveira de Andrade disse que a central repudia o oportunismo sórdido do governo Bolsonaro, que se aproveita da ameaça de morte coletiva imposta pela pandemia para aplicar todas as suas pretensões ultraliberais na destruição de qualquer proteção, individual ou coletiva, nas relações de trabalho no Brasil.

“Os mais pobres não têm como enfrentar o coronavírus sem água potável, alimentação saudável em casa. Milhões estão desempregados e sem garantias de condições para se proteger da pandemia”, destaca.

A CSP-Conlutas exige algumas medidas do governo para enfrentar a pandemia, como recursos e políticas públicas para defender a vida, nenhuma demissão, estabilidade no emprego, salários e direitos para todos e todas, licença remunerada para ficar em quarentena, isenção de tarifas de água, luz, aluguel e distribuição de alimentos e materiais de limpeza para a população mais pobre, garantia do seguro-desemprego a todos os desempregados, suspensão das aulas e de todos os trabalhadores da educação, com distribuição de cestas básicas para as famílias mais pobres, suspensão imediata do pagamento da dívida pública, das reformas e revogação imediata do Teto de Gastos, entre outras. “Somente com essas medidas será possível enfrentar essa pandemia sem que exista um colapso social e milhares de mortes no Brasil”, avalia Mari.

Segundo o presidente da FTM-RS (Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos do RS), Lírio Segalla, "a MP 927 vai no sentindo contrário do que estamos defendendo”. Na sua opinião, enquanto os governos, pelo mundo, estão preocupados em manter os rendimentos dos trabalhadores, o Governo Federal edita uma MP permitindo que as empresas façam o ajuste da crise, dispensando seus trabalhadores sem a respectiva remuneração. “Isso leva a classe trabalhadora brasileira a uma situação de calamidade sem precedentes na história. Pois o presidente está preocupado em defender o sistema financeiro e as grandes corporações sem se importar com o impacto desastroso que recairá sobre os mais pobres."

Parlamentares também criticam a medida

A líder do PSOL na Câmara, deputada federal Fernanda Melchiona (PSOL/RS), também se manifestou por seu tuiter, em seguida que Bolsonaro revogou o artigo 18 da MP. “Você ficou com medo do povo e voltou atrás, não tem como continuar na presidência”.

A ex-deputada federal Manuela DÁvila, do PCdoB, afirmou no tuiter que o recuo de Bolsonaro foi uma “vitória da nossa luta coletiva”.

A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) afirma que o presidente Bolsonaro já prepara outra medida provisória, agora, que pretende cortar 50% do salário. “Não engana ninguém. É um desgoverno”, criticou a parlamentar.

Juristas classificam a medida de desumana

A revogação do artigo mantém o restante da MP que segundo juristas deve ser analisada profundamente, pois institui novamente o trabalho não remunerado no País.

O desembargador Jorge Luiz Souto Maior, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região, chamou a MP 927 de “desumana”. Segundo ele, fazer a classe trabalhadora arcar com os custos da crise vai causar efeito de “calamidade”.

“Essas medidas propostas pela MP vão agravar, e muito, o quadro econômico, social e sanitário do país. É uma forma de aprofundar a crise, em vez de encontrar mecanismos que pudessem solucionar”, afirmou à Rádio Brasil Atual.

Magistrados da Associação de Juristas pela Democracia denunciam que Bolsonaro trama um golpe enquanto adota medidas que conduzem ao caos social e ao colapso do sistema de saúde.

A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e o Ministério Público do Trabalho publicaram notas contra a medida. Para a associação, a MP 927 atinge a sobrevivência de micro, pequenas e médias empresas, com gravíssimas repercussões para a economia.

“A presente crise não pode, em absoluto, justificar a adoção de medidas frontalmente contrárias às garantias fundamentais e aos direitos dos trabalhadores. Impor a aceitação dessas previsões, sob o argumento de que ficarão todos desempregados, não é condizente com a magnitude que se espera do Estado brasileiro”, critica o texto.

A Anamatra lembra que Bolsonaro age na contramão do mundo “de forma inoportuna e desastrosa” e viola convenções assinadas pelo Brasil na Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“Ao apenas pedir o sacrifício individual das pessoas que necessitam do trabalho para viver, a MP 927 indica que soluções que impliquem em pactos de solidariedade não serão consideradas, tais como a taxação sobre grandes fortunas, que tem previsão constitucional; a intervenção estatal para redução dos juros bancários, inclusive sobre cartão de crédito, que também tem resguardo constitucional; a isenção de impostos sobre folha de salário e sobre a circulação de bens e serviços, de forma extraordinária, para desonerar o empregador”, acrescenta a associação.

Medida Provisória

A MP, que valerá durante o período de calamidade pública em decorrência da pandemia do novo coronavírus, tem validade de 60 dias e deve ser aprovada pelo Congresso Nacional dentro desse prazo. Caso isso não ocorra, a MP caduca.

Nesse período, de acordo com a MP, o funcionário deixa de trabalhar, e o empregador de pagar o salário. A empresa, no entanto, é obrigada a manter o pagamento de benefícios, como plano de saúde, e a oferecer cursos de qualificação online.

Ainda pode, em caráter não obrigatório, conceder uma “ajuda compensatória mensal”, "sem natureza salarial" e "com valor definido livremente entre empregado e empregador, via negociação individual".

A negociação entre trabalhador e empregador para a suspensão do contrato e das condições deste deve ser individual e não precisa levar em conta acordos coletivos e leis trabalhistas, que estão previstos na Constituição Federal.

"O empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição", diz o texto da MP. 

De acordo com o artigo 503 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), salário e jornada podem ser reduzidos em até 25% por questão de “força maior”.

"É lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região", diz o texto.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, divulgou na última quarta-feira (18) um pacote de medidas para frear os impactos econômicos causados pela pandemia. Na ocasião, a equipe da pasta tinha previsto a redução da jornada de trabalho, assim como do salário, em 50%.

Ainda nesta segunda-feira, o Instituto Datafolha mostrou que a atuação do presidente Jair Bolsonaro na gestão da pandemia é aprovada por 35% da população, enquanto a dos governadores por 54%.

Outras regras

A medida assinada por Bolsonaro também prevê regras para teletrabalho, antecipação de férias individuais, concessão de férias coletivas, antecipação de feriados, banco de horas, suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho, direcionamento do trabalhador para qualificação, e adiamento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Quanto a este último tópico, o presidente liberou a suspensão do recolhimento do FGTS por parte dos empregadores referente a março, abril e maio de 2020. A MP ainda estabelece que, em caso de trabalho online, o empregador deve "a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial".

O governo de Jair Bolsonaro também alterou as regras de saúde no trabalho. Enquanto a MP vigorar, fica suspensa a obrigação de realizar exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, com exceção dos demissionais.

Com informações de Caroline Oliveira - Brasil de Fato | São Paulo (SP) e Rede Brasil Atual

 

Edição: Katia Marko