Rio Grande do Sul

Coluna

Isolamento não é abandono

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A tela Operários pode ser considerada um dos melhores registros do período de industrialização brasileira - Tela de Tarsila do Amaral
Efeito de medidas de Bolsonaro em relação à pandemia será como gasolina apagando o incêndio

Quando parece que já vimos tudo, vem mais um absurdo. O governo acaba de publicar a Medida Provisória 927 que permite a suspensão do contrato de trabalho por quatro meses, período em que o funcionário não trabalha e o empregador pode não pagar seu salário. Em épocas normais, isso já seria um absurdo, mas neste período em que passamos por esta gravíssima ameaça de tragédia humanitária, esta medida beira à insanidade. Justamente agora, quando todos são convocados a cumprir as medidas preventivas de isolamento social, deveria haver uma garantia de renda para os trabalhadores, para os desempregados e para os trabalhadores informais, e não o abandono, como o governo propõe. Pela MP, os empregados podem se livrar dos seus trabalhadores por até quatro meses.

Isolamento social não é abandono. Um governo que permite ou estimula o abandono das pessoas, que é o que propõe esta MP, descumpre os preceitos mais elementares da Constituição Federal. Num período de crise, como a que estamos vivendo, esperava-se que o Estado restringisse ou até mesmo proibisse as demissões ou reduções salariais, e ajudasse, se fosse o caso, as empresas a manterem os empregos, para evitar uma tragédia maior. Enquanto durar a estratégia de isolamento social imposta pelas autoridades sanitárias não se poderia permitir a redução de salários nem a restrição de moradia para ninguém. O estado de calamidade decretado é para todos e não apenas para os trabalhadores.

Nesta tragédia humanitária, todos estão perdendo, mas o governo brasileiro, na contramão do que estão fazendo todos os países afetados pela crise, parece estar preocupado apenas e exclusivamente com os empresários. Trata-se, além de uma medida profundamente desumana, de uma medida, absolutamente, recessiva, do ponto de vista econômico. Retirar a renda dos trabalhadores durante quatro meses é a forma mais rápida de quebrar de vez a economia doméstica.

Além disso, seu efeito em relação à pandemia será como gasolina apagando o incêndio, pois pessoas sem renda não conseguirão se isolar e o contágio certamente será muito mais rápido do que em qualquer outro lugar do planeta, e todos nós já sabemos no que isso vai dar logo ali na frente. E que fique desde logo muito claro: as pessoas morrerão por falta de renda.

Eu gostaria de acreditar que os empresários brasileiros, imbuídos do espírito de solidariedade e de responsabilidade social que o momento exige, não se utilizariam desta possibilidade que a MP lhes concede e manteriam os empregos com salários integrais, mesmo que não pudessem, temporariamente, dispor do trabalho dos seus empregados. Mas isso não me parece provável, pois esta MP tem cara de ter sido publicada por encomenda. Então não há outro caminho, é preciso derrubá-la, pelo menos no que se refere a esta possibilidade, antes que produza seus efeitos, e isso é uma questão de vida ou de morte. 

 

  

 

Edição: Katia Marko