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Coluna

O dinheiro ou a vida?

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Fenafisco em conjunto com ANFIP, Instituto Justiça Fiscal e Auditores Fiscais pela Democracia fazem campanha pela taxação das grandes fortunas - Divulgação Fenafisco
Vamos cobrar medidas que garantam renda para todos os necessitados e ampliação do SUS

Todos nós, diante desta pergunta, muitas vezes sob a mira de uma arma, não hesitaríamos em entregar todo o dinheiro que tivéssemos. Talvez alguns, agindo de forma irracional ou até fazendo cálculos equivocados quanto à gravidade da ameaça presente, se negassem a entregar o dinheiro e acabariam perdendo suas vidas ou a vida de pessoas queridas.

Uma pandemia como esta, da covid-19, seria uma razão mais do que suficiente para que toda a sociedade, trabalhadores, empresários, estudantes, governantes e parlamentares abandonassem, momentaneamente, suas divergências ideológicas, políticas ou religiosas para encontrar uma solução, usando de todos os recursos necessários para evitar mortes. Enfrentar o inimigo comum e proteger a vida devem se sobrepor a qualquer outro interesse. Entre o dinheiro ou a vida, a vida sempre. No Brasil, no entanto, quando parece que estamos encontrando meios para mitigar os efeitos da pandemia, o presidente da República volta a alimentar a discórdia, com o claro propósito de atrapalhar a implementação das medidas preventivas do seu próprio governo e dos governadores e prefeitos.

Na contramão do mundo, contrariando todas as recomendações internacionais, o presidente, que talvez até já possa estar infectado pelo vírus, reafirma o tempo inteiro a sua posição contrária às medidas preventivas ao avanço da pandemia da covid-19, a ponto de promover uma campanha de marketing governamental, sem licitação e ao custo de quase R$ 5 milhões, para convencer a população daquilo que é absolutamente absurdo, de que a covid-19 não passa de uma gripezinha. Pelo custo estimado de produção, este valor poderia ser usado para fabricar 50 mil respiradores mecânicos.

Empresários se unem ao chamamento do presidente e repetem as suas palavras, convocando uma passeata vergonhosa pelas ruas do Brasil. Aliás, não foi uma passeata, mas uma carreata, cuja convocação fazia recomendações importantes: “Tomem precauções e não saiam dos carros”. Outros diziam: “Vá cada um no seu carro para evitar aglomerações”. Em alguns locais, donos de postos de abastecimento distribuíram combustível para os participantes da carreata. Muitos gritavam, das janelas semiabertas dos carros, “voltem para o trabalho”. Outros exibiam faixas com dizeres como: “sou eu que pago o seu salário”.

Esta passagem vergonhosa da nossa história tem alguns significados que precisamos analisar. É evidente que a contenção social é necessária para reduzir a velocidade do contágio e, com isso, garantir que no pico das ocorrências o sistema de saúde pública tenha condições de tratar todos os infectados, o que reduziria muito o número de mortes. Isso já está mais do que comprovado pelos cientistas, especialistas, autoridades sanitárias e também pelas boas e más experiências internacionais. Até mesmo o Reino Unido, que, inicialmente, apostava na imunização em massa para evitar a propagação do vírus, acabou cedendo às posições predominantes que defendem o isolamento social. As divergências em relação aos procedimentos adotados podem existir no campo das ciências, em relação à forma de salvar mais vidas, mas nunca no campo político entre salvar vidas ou salvar empresas, quer dizer, entre a vida e o dinheiro.

Portanto, não é na ciência que se apoiam aqueles que querem interromper as medidas preventivas. Ou, não são as vidas o que eles querem proteger. Creio que essas duas hipóteses estavam presentes nestas manifestações, do presidente e seus seguidores. Uma parte da população, influenciada por falsas verdades, por opiniões, por fake news, por motivação divina, talvez ache mesmo que o vírus não é isso tudo, que não passa de uma gripe ou que só vai castigar os pecadores. Outros, no entanto, aqueles que saíram às ruas, protegidos no conforto dos seus carros luxuosos, para protestar, estes só querem retomar seus negócios, e voltar a ganhar dinheiro, custe as vidas que custar. O problema é que, para isso, eles precisam dos trabalhadores. Se alguém ainda tinha alguma dúvida de que é o trabalho e os trabalhadores que sustentam a economia, esta dúvida acabou. Os empresários, de forma segura, se mobilizam para cobrar que os trabalhadores voltem aos seus postos de trabalho, colocando em risco suas vidas e a de milhões de outras pessoas.

Mas há uma terceira hipótese, difícil de ser considerada, mas que não pode ser descartada neste momento. Diante da retomada do projeto neoliberal, capitaneado por este governo, que trabalha incessantemente para reduzir o tamanho do Estado, tendo proposto até mesmo o fim da Previdência pública solidária, a pandemia poderia significar uma aceleração na redução substancial nos gastos sociais, na medida em que anteciparia a morte de milhares ou milhões de pessoas idosas e doentes. 

Que falta nos faz um estadista neste momento! Alguém que saiba que a razão principal da política e da economia são as pessoas. Alguém que saiba que a vida é um direito de natureza superior aos demais direitos materiais previstos na Constituição, como o direito à propriedade, por exemplo. Nestas horas fica evidente que o Estado é o protagonista principal no enfrentamento da crise e os governantes precisam assumir suas responsabilidades. Mas quem comanda a Nação age como representante de uma parte do setor empresarial, uma parte reduzida, pois grande parte do empresariado brasileiro não deve estar compactuando dessas posições, haja vista os exemplos que alguns têm dado, fazendo doações e colocando-se à disposição das autoridades para ajudar a salvar vidas.

Colocam na mesa possibilidades de escolhas entre o dinheiro e a vida, como se houvesse estas possibilidades: Acabar com a contenção social para salvar as empresas versus manter a contenção social para salvar vidas. Transferir recursos públicos para salvar empresas ou aumentar os recursos na Saúde Pública para salvar vidas. Dispensar trabalhadores sem remuneração para salvar empresas versus garantir renda para todos para salvar vidas. São estes os conflitos que estão sendo escancarados nas falas do presidente e de sua trupe de empresários.

Milhares de pessoas não podem parar e isto é um fato. Os profissionais da Saúde, da Segurança e de outras funções essenciais. Além destes, outros tantos, se pararem terão dificuldades. São os trabalhadores informais. Iludem-se, no entanto, aqueles que acham que a campanha pela retomada da atividade econômica está sendo feita pensando nestas pessoas mais necessitadas. Não é. O que eles querem é só voltar a ganhar dinheiro. A solução para estes milhões de pessoas é a garantia de renda para que eles possam preservar suas vidas e a de suas famílias. Usá-los como justificativa para interromper as medidas sanitárias, sabendo que serão eles os que serão mais infectados pelo coronavírus, é de uma crueldade monumental.

A manutenção das medidas preventivas exige recursos financeiros, tanto para garantir renda para os mais necessitados como para ampliar a capacidade de atendimento do SUS, e todos sabem que quanto maior a capacidade do SUS, mais rapidamente a epidemia termina e a economia pode retomar o seu curso normal. Mas onde estão estes recursos financeiros? O Brasil é um dos países com maior concentração de renda e riqueza do planeta. Somente os 206 bilionários possuem uma riqueza de R$ 1,2 trilhão. Já passou da hora de aumentar a tributação da renda e do patrimônio dos muito ricos e isso também pode explicar em parte essas suas atitudes antissociais. E todos sabemos que pagar mais tributos não os deixarão menos ricos, mas significaria garantir que milhões de pessoas pudessem dormir tranquilas porque, mesmo paradas, suas famílias não estariam desassistidas.  

Não caiam na armadilha de se jogarem ao risco de contrair o vírus e transmiti-lo aos seus amigos e parentes porque alguns empresários gananciosos, representados pelo presidente da República, não querem perder seus lucros ou não querem pagar mais tributos. Vamos cobrar medidas que garantam, já, renda para todos os necessitados e ampliação da capacidade do SUS, nem que seja tributando a renda e o patrimônio dos mais ricos. NÃO DESISTA DESTA LUTA, FIQUE EM CASA.

Edição: Katia Marko