Rio Grande do Sul

Coluna

19 dias da covid-19: educação e solidariedade em tempos de isolamento

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Posicionamento é contrário à redução das mensalidades porque entende que esse debate fragiliza as escolas, os seus professores e demais funcionários neste momento - Divulgação
Mães e Pais pela Democracia lançou nota contra a redução das mensalidades nas escolas privadas

Na semana que o desgoverno federal aprovou a Medida Provisória 934 que dispensou alunos de cumprirem o mínimo de 200 dias letivos com uma série de flexibilizações para manter o calendário escolar ainda este ano, a despeito do novo coronavírus, motivo para esforço conjunto das comunidades escolares para chegarem em um boa solução para o ensino-aprendizagem em período de isolamento social, surge nas redes sociais um número impressionante de mães e pais clamando por redução ou manutenção dos valores das mensalidades das escolas particulares, até 50% de redução pediram, em Porto Alegre.

A Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD), da qual sou presidenta, foi a primeira instituição do gênero a pedir a suspensão das aulas presenciais no RS no dia 15 de março último e assinou uma nota com Ajuris, Cremers, Famurs e outras 95 entidades como conselhos e sindicatos o pedido de isolamento social no RS ao governador Leite e prefeitos no dia 30 de março. Portanto, não nos caberia moralmente levantar a bandeira de redução das mensalidades, muito menos defendê-la baseada no cálculo linear de redução de despesas de água e luz, por exemplo, visto que também sabemos que novas necessidades tecnológicas e outros custos serão apresentados. Tudo será novo.

Além do mais, soubemos imediatamente da suspensão de valores das atividades extra curriculares em algumas escolas. Por essa razão, a AMPD no dia 1° de abril lançou uma carta aberta que deixou explicito seu posicionamento contrário à redução das mensalidades porque entende que esse debate fragiliza as escolas, os seus professores e demais funcionários neste momento, podendo impactar, sobretudo a relação aluno-professor, em um contexto de insegurança e medos difusos. Sem contar que o tempo é ainda inferior a dois meses – entre suspensão de aulas e a definição de adiamento de confinamento social decretado no estado, na capital e na maioria das cidades gaúchas.

Recebi inúmeras mensagens pelas redes sociais com elogios e críticas em virtude do nosso posicionamento na carta aberta contrária à redução das mensalidades, o que nos colocou no olho do furacão, mas logo pensei que além de calma em momentos de crise é preciso saber agir no tempo certo. E nesse sentido, a AMPD tem feito muito bem o seu papel com conquistas importantes. Por exemplo, na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, conseguiu liminar para reabertura da exposição “Rir é Risco” da Grafar - censurada pelos integrantes do Movimento Escola Sem Partido que também, posteriormente, tiveram com nosso apoio uma derrota na Vara da Fazenda do Poder Judiciário em relação à um PL aprovado sem audiência pública que continha mecanismos de controle que induzem a desconfiança, censura, autocensura e a repressão na relação aluno-professor. Definitivamente, não é nessa ambiência que se aprende com qualidade e pluralidade de ideias.

Muitas famílias, mesmo em situação financeira mais fragilizada, apoiaram essa carta aberta, no entanto, algumas se colocaram contrárias em virtude de prejuízos financeiros ou salariais em curso ou por precaução e é justo e imperativo que negociem individualmente com as escolas. Da nossa parte, criamos um grupo online para discutir a questão do Ensino à Distância (EaD), de ferramentas online e de suporte tecnológico em relação ao ensino-aprendizagem nas escolas dos nossos filhos e seguiremos debatendo o nosso papel, o das tecnologias e as implicações nos calendários escolares, buscando boas práticas para pedirmos e exigirmos o melhor às escolas.

As discussões que acessei sobre a nossa carta aberta demostrou para mim que estamos em um impasse ideológico ainda mais polarizado – afinal, que sociedade é esta que em pleno século XXI coloca em dúvida a democracia e defende a ditadura, que cultua o individualismo e preza tão pouco por solidariedade e empatia? Temos que parar de brigar por uma frase, uma vírgula no campo progressista. Não nos leva a lugar algum. O momento nos ensina isso ou pelo menos deveria nos ensinar que o caminho e o jeito de fazer precisa ser outro.

Agora, por ironia do destino, muitos pais podem ver as aulas dos seus filhos, não precisam mais estimular que professores sejam gravados ilegalmente para saber o que eles ensinam, como querem os defensores do Escola sem Partido. Todavia, deparei-me com esta indagação: será que esses pais têm assistido as aulas dos filhos gravadas pelos professores na internet e finalmente entenderam que não há doutrinação na escola ou ainda não tiveram tempo?

O que li foram muitas reclamações, dificuldades e compartilhamento de orientações nas redes para apoio aos filhos nos estudos em casa. Também estou buscando aprender. Mas o que mais encontrei foram pais dizendo que não tem como dar conta de trabalho e apoio aos filhos. E a pergunta que não quer calar: o que acham do homeschooling – educação domiciliar? Aposto que não será fácil aprovar o PL 170/2010 da ALRS que aguarda parecer de novo relator na CCJ, pois, desconfio que aumentará o grupo de pressão contrário à agenda. Nada como a experiência...

Nos colocamos capazes de mudar de posicionamento, se necessário, em outra configuração, levando em conta mais variáveis e com mais tempo de análise do fenômeno, respondendo, neste momento, para quem escreveu assim pra nós: “que democracia é essa que eles [AMPD] pregam deixando o prejuízo só com uma das partes?!”. Eu digo: não queremos só para uma das partes e defendemos que as políticas sejam adotadas com evidências para nos reinventarmos em todas as áreas coletivamente e individualmente enquanto sociedade, pois será preciso!

Particularmente, parabenizo a escola do meu filho pela postura dialógica e sensível para lidar com a situação com a nota publicada ontem (3) e como diria uma querida mãe da AMPD, faço coro: “escolhemos ser tolerantes com o retorno sobre a não redução dos valores das mensalidades oferecido pela escola e prefiro usar a minha energia em outras batalhas.” E neste momento, estamos focadíssimos na arrecadação de alimentos para as famílias mais vulneráveis de Porto Alegre, porque a fome tem pressa e nós podemos ser o Elo, campanha que estamos desenvolvendo com outros parceiros a partir da Escola Livre de Arquitetura (ELA).

Como tudo na vida, especialmente depois dos primeiros 19 dias desta pandemia que levou a ficarmos somente em casa, a referida Carta Aberta da AMPD também pode ser revisitada na medida em que vinculada a manutenção dos empregos das professoras e professores e demais colaboradores das escolas privadas no RS. Nossa luta é pelo direito à educação voltada à cidadania e à solidariedade!

Edição: Katia Marko