Rio Grande do Sul

OPINIÃO

Artigo | Os militares e a crise política no Brasil

Com crise na Saúde, ficou claro que Bolsonaro apenas faz figuração, quem comanda mesmo é o partido das Forças Armadas

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Já são mais de 200 militares da reserva e da ativa pilotando postos decisivos do governo de Bolsonaro - Fernando Souza/AFP

“Os problemas da Nação são problemas de Estado-maior e nós podemos resolvê-los em algumas reuniões”. Alguém pode entender que esta seja uma frase atual, pronunciada em Brasília. Está enganado. Ela foi dita em 1937 pelo ministro da Guerra, general Góis Monteiro, ao presidente Getúlio Vargas, quando do famoso golpe do Estado Novo. Na mesma época ele afirmou: “chega de fazer política no Exército, precisamos fazer a política do Exército”. De lá para cá, os militares, em sua maioria, resolveram aderir a esta ideia, mas não foi fácil. Ela só chegou à hegemonia nas forças armadas no golpe de 1964.

Antes, o oficialato brasileiro protagonizou cenas importantes em nossa história. O tenentismo, movimento que iniciou com a Revolta do Forte de Copacabana, em 1922, com certeza influenciado pelos movimentos revolucionários europeus, inclusive a Revolução Russa, quando os trabalhadores tomaram o poder pela primeira vez na história da humanidade. Tivemos ainda a Coluna Prestes que atravessou o Brasil, tentando sublevar o povo contra a ordem estabelecida, liderada pelo Cavaleiro da Esperança, Luís Carlos Prestes, acompanhado por diversos oficiais oriundos do tenentismo.

Em 1935, tivemos a rebelião da Aliança Libertadora Nacional, denominada pela história oficial de “Intentona Comunista”, cujo principal foco surgiu no Nordeste, com alguma mobilização no Rio de Janeiro. E logo após, o golpe do Estado Novo liderado por Getúlio e Góis Monteiro.

Dez anos depois, em 1945, houve novamente uma abertura democrática. Então, parte dos tenentes sublevados de 1922 ou seus seguidores continuavam vivos e ativos. Nacionalistas, apoiavam o fortalecimento do país, juntando-se à campanha “O Petróleo é Nosso”, pela implantação da Petrobras. Mas já eram minoria. Logo depois da II Grande Guerra, após lutarem na Europa sob o comando dos EUA, os oficiais brasileiros aderiram à “luta pela democracia norte-americana” e praticamente se submeteram às diretrizes do Pentágono. Um dos últimos nacionalistas foi o marechal Henrique Teixeira Lott, candidato derrotado por Jânio Quadros na disputa pela presidência em 1960.

Seus colegas, contando com o apoio da força tarefa naval norte-americana no Caribe, derrubaram o presidente legal e legítimo João Goulart e tomaram o poder em 1964, liderados pelos generais Olímpio Mourão Filho e Humberto de Alencar Castelo Branco. De lá para cá, ficaram no poder por 21 anos de onde saíram por falta de legitimidade política e sob diversas denúncias de corrupção. Foi instaurada a Nova República, administrada por civis da confiança do comando militar, até a eleição de Luís Inácio Lula da Silva, o primeiro operário a assumir o governo.

Paulatinamente os militares foram se afastando dos postos de comando. O que ocorreu até 2014, com a reeleição de Dilma Rousseff, contra a vontade do mercado financeiro e seus aliados e fiadores. Imediatamente começou-se a articular um projeto reunindo todas as forças de direita na área política e na sociedade. Orquestrados pela chamada Operação Lava Jato, deram mais um golpe em 2016, afastando Dilma para ingressarem no governo de Michel Temer.

Em 2018, a eleição presidencial foi fraudada com a utilização das mesmas armas que levaram Donald Trump ao poder, as fake news, disseminadas pelas redes sociais. Exércitos de robôs transmitiram sem parar mensagens mentirosas sobre o Partido dos Trabalhadores, criminalizando-o. Mesmo assim, seu candidato Fernando Haddad conseguiu uma significativa votação. Mas os votos nulos, brancos e as abstenções impediram sua vitória frente a uma figura inexpressiva, um deputado opaco, próximo das milícias cariocas.

Tudo indica que os militares estudaram o conceito político de Estado-Espetáculo, montaram um grande cenário comandado por um palhaço e com uma trupe fantástica: terraplanistas, astrólogos, pastores milagreiros e alguns políticos de menor importância distribuídos pelos ministérios. Na reserva deixaram um general de sua confiança, o vice-presidente Hamilton Mourão.

Todo o esquema montado anteriormente começou a ser destruído. As privatizações foram apressadas e as reformas neoliberais aprovadas às pressas por um Congresso dominado pelas bancadas da bíblia, da bala e do agronegócio. Enquanto isso, os militares ocupavam postos de controle dentro do governo, na parte mais submersa deste verdadeiro iceberg. Uma fonte do alto comando disse a Veja que a escolha de militares para cargos de confiança tem por objetivo conferir credibilidade aos postos com base em “um modo eficiente de administrar”, com “zelo pelo dinheiro público”.

Na mesma matéria, a revista revela que foram escolhidos os almirantes da reserva da Marinha Francisco Antônio Laranjeiras e Elis Triedler Öberg para comandarem os portos do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Norte, respectivamente. Para o cargo de diretor-presidente da Companhia Docas de São Paulo, que controla o porto de Santos, foi nomeado o engenheiro naval civil Casemiro Tércio Carvalho. Ele, no entanto, terá a seu lado um militar da Marinha para “sanear” o órgão e acabar com “entraves” burocráticos.

Em suma, através dos postos mais importantes começamos a ser governados por um Estado Maior. Já são mais de 200 militares da reserva e da ativa pilotando postos decisivos do governo. Mas esta semana tudo ficou mais claro: com a crise na Saúde, o presidente fantoche resolveu demitir seu ministro da Saúde, mas teve que voltar atrás.

Ocorre que Bolsonaro é um militar de baixo escalão, não fez o curso de Estado Maior do Exército, na Praia Vermelha. Chegou, no máximo a ser um professor de educação física. Nem mesmo consegue articular um pensamento mais elaborado. Apenas faz figuração. Quem comanda mesmo é o partido das Forças Armadas.

 

Walmaro Paz é Jornalista 

 

Edição: Ayrton Centeno