Rio Grande do Sul

Homenagem

A morte de um repórter do tipo que não se faz mais

Aos 70 anos, parte o jornalista Renan Antunes de Oliveira

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Jornalista faleceu quando tomava sol no pátio de sua casa no Rio Vermelho, em Florianópolis - Sérgio Vignes

Nanã, Chamaco, Caterpillar. O Renan Antunes de Oliveira que morreu neste domingo (19), aos 70 anos, quando tomava sol no pátio de sua casa no Rio Vermelho, em Florianópolis, carregava os três apelidos. Dos três, talvez Caterpillar seja o que mais lhe faça jus. Grandalhão e audacioso, tratorava qualquer desafio, entre eles o de ingressar na Coréia do Norte sem autorização, infiltrar-se numa convenção de supremacistas nos Estados Unidos ou acorrentar-se a um pilar numa embaixada na China para não ser preso. E, claro, o de nunca baixar a crista para os patrões. Tal ousadia, somada a sua tenacidade invulgar, empatia e grande talento de contador de histórias, serviram para convertê-lo num dos maiores repórteres do Brasil.

Renan vivera um calvário nos últimos anos. Após uma cirurgia para remover um tumor, submeteu-se a um transplante de rim. Por motivos diversos, por várias vezes o transplante foi marcado e adiado. Nada disso abalava o paciente que anunciava no Facebookque estava viajando a Porto Alegre mais uma vez para nova tentativa. Conseguiu fazê-lo no mês passado. Em abril, foi mais uma vez internado sob suspeita de infecção por coronavírus.

Sob ataque dos jornalões

Com sintomas leves, recebeu alta e, no sábado (18) recebeu a informação de que testara negativo para covid-19, segundo informação do Diário do Centro do Mundo (DCM), do qual era colaborador. Ainda conforme o DCM, “tomava um coquetel à base de hidroxicloroquina e azitromicina”. Por volta do meio-dia, sofreu a parada cardíaca que o levou.

Com “A Tragédia de Felipe Klein’, publicada no Jornal Já, em 2004, Renan recebeu o Prêmio Esso de Reportagem, o mais importante do país. Nela percorreu os passos de um rapaz, filho do ex-senador e ex-ministro Odacir Klein, que queria transcender a condição humana até o desfecho fatídico da sua caminhada. Foi uma grande conquista de um pequeno veículo, mas uma decisão altamente contestada.  

 O jornalista Milton Coelho da Graça, integrante da comissão julgadora daquele ano, relatou em seu artigo “Ecos do Prêmio Esso” o clima azedo entre as cabeças coroadas do jornalismo e das grandes publicações. Foi interpelado por um diretor de faculdade indignado com a decisão que quis saber porque os jurados haviam premiado um repórter “que nunca dera certo, sendo demitido de várias redações” e uma reportagem publicada “por um jornalzinho mensal que vende 700 exemplares”.

“Com a frieza de uma autópsia”

Folha de S. Paulo, Veja e Estadão queixaram-se já na fase seletiva, que escolheu os três finalistas. Mas a comissão, formada também por Marcos de Sá Correa, Luiz Weis, Dora Kramer, Eduardo Ribeiro, Roberto Muggiati e Moisés Rabinovich deu a vitória ao repórter “que não deu certo” e ao “jornalzinho” de Porto Alegre por 6x1.  Graça sugeriu aos descontentes que lessem a matéria. E descreve sua própria reação perante o texto: “... um pedaço do mundo em que vivo, mas não conheço foi sendo revelado e dissecado com distanciamento, precisão e frieza de uma autópsia, enquanto minha emoção aumentava a cada parágrafo”.

Ao longo da carreira, Renan passou, entre outras, pelas redações de Veja, IstoÉ, Diário Catarinense, Gazeta do Povo e foi correspondente em Nova York de O Estado de São Paulo.  Em 2019, reuniu suas reportagens no livro “Em carne viva com calda de chocolate” (Já Editora). Ultimamente, era freelancer, trabalhando para o próprio Já, mais os sites DCM e The Intercept Brasil. 

Dissecando o “Véio da Havan”

No DCM, iniciara uma série de matérias desvelando a vida oculta do empresário Luciano Hang, mais conhecido como “Véio da Havan”. Ainda no dia 12 de abril publicou  mais um capítulo sobre as vísceras da rede de superlojas com o título “Luciano Hang demitiu mais de duas mil pessoas na Semana Santa”. Renan deixa a mulher, Blanca, e seis filhos: Floriano, Leonel, Jerônimo, Catarina, Bruno e a caçula Angelina, de 11 anos.

Numa das tantas vezes em que foi hospitalizado, escreveu no Facebook  que morrera, mas fora ressuscitado pelos médicos. Brinquei com ele e respondi nos comentários cobrando a falha do repórter que recebeu a pauta mais importante do mundo – “O que tem do outro lado?” – e voltou sem a matéria. Quando nos encontramos em Porto Alegre, no lançamento de seu livro, refiz a cobrança e ele me lançou um olhar atravessado que desmanchou num sorriso. Também na mesma rede social avisou, antes da derradeira internação, que estava baixando com suspeita de covid-19. E concluiu a postagem escrevendo algo como “Nos vemos quando eu voltar ou, se não voltar, tchau”. 

Esse era o Renan.

 

Em tempo: Perdemos o amigo e jornalista Renan Antunes de Oliveira, mas não vamos perder a oportunidade de homenagear esse gigante do jornalismo brasileiro e internacional. Se tem algo que ele nos deixou como legado é não se acomodar com as normas do status quo, então, VAI TER DESPEDIDA SIM! Só que ela será virtual, via zoom, com depoimentos de colegas, familiares e amigos sobre melhores momentos da carreira dele, leitura de trechos de suas reportagens e memórias de vivências inesquecíveis que tivemos com nosso GRANDE NANAN. Será nesta terça, 21 de abril, às 19h. Clica neste link, espalhe a notícia entre sua rede e faça parte desse momento.

Edição: Katia Marko