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Covid-19, os testes e o atraso do Brasil

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O presidente brasileiro Jair Bolsonaro deixa o Palácio da Alvorada em Brasília nesta quarta-feira (22), em meio à pandemia do novo coronavírus - Evaristo Sa / AFP
A testagem escancararia bem cedo as verdadeiras dimensões do desastre, travando o negacionismo

Há muitos mistérios ainda envolvendo o coronavírus. Ignora-se sua gênese, se é capaz de reinfectar, suas sequelas, a vacina que pode contê-lo, a droga que pode matá-lo entre outros. No Brasil, um mistério mais misterioso reside na ausência de testes para detectar a covid-19.

Por qual razão não se tem uma resposta convincente e definitiva sobre o fato do país ser, entre os mais atingidos, o que menos testa? Algo que instaura outro mistério: qual o tamanho real do nosso prejuízo ou, em outras palavras, quantos infectados temos e quantos mortos deixamos de contar?

Até esta semana, a dupla Bolsonaro & Mandetta e o sucessor deste, Nélson Teich, estavam testando 296 pessoas por milhão de habitantes, o que é uma maneira aritmética de dizer que não estavam testando nada.

Ao lado no mapa, o Peru testava 4.723 pessoas por milhão e o Equador, 1.892 por milhão. Como se sabe, tanto o Peru quanto o Equador são fantásticas potências do primeiro mundo. O primeiro dono de um Produto Interno Bruto oito vezes inferior ao do Brasil, o segundo com um PIB 17 vezes menor. O Peru testando 16 vezes mais do que o Brasil e o Equador, seis vezes mais.

Nesta terça-feira (21), o país passou a testar 1.373 por milhão. É o que registra o site Worldometers que monitora o dia a dia da covid-19 no planeta. É um progresso mas não o resgatou da lanterna entre os 16 países mais atingidos. Continua sendo aplastado pelos 8.459 testados por milhão da Turquia ou mesmo pelos 4.354 do Irã. Isso para não citar os 23.985 por milhão da Itália...

A explicação do ex-ministro Mandetta sempre foi a de que o país não conseguira adquirir os testes que precisava. Que perdeu contêineres de reagentes e equipamentos encomendados na China para gente que pagou três vezes mais pela carga. E a indústria nacional, por razões várias, não conseguiu dar a resposta necessária em tempo hábil.

Enfim, esta é a versão benigna. Está escorada numa bem nutrida lentidão e inépcia. Afinal, a primeira medida normativa da gestão Bolsonaro para enfrentar a tempestade viral que se aproximava, foi tomada dois meses e 11 dias após os chineses informarem a Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o coronavírus.

Foi publicada em 11 de março no Diário Oficial da União, como flagrou o site Brasil Real Oficial. Desde 21 de janeiro – um mês e 22 dias antes de Brasília se coçar – a OMS emitia relatórios diários sobre a ameaça.

Não há, ainda, elementos suficientes para sustentar a hipótese maligna. Mas a tese da gripezinha, da imunidade de rebanho, os ataques insuflados ao isolamento horizontal e as exibições palacianas no entorno brasiliense insinuam um desprezo pelos testes.

A testagem escancararia bem cedo as verdadeiras dimensões do desastre, travando o negacionismo presidencial. Afinal, ela apontaria – ou ainda apontará – os elementos para contestar o pretendido “liberou geral” do comércio, indústria e escolas quando, tudo indica, a pandemia sequer atingiu o cume da montanha de casos e de vidas perdidas.

Edição: Leandro Melito