Rio Grande do Sul

Coronavírus

Defensorias pedem abrigo, renda e proteção para população de rua em Porto Alegre

Até mesmo o acesso à água para lavar as mãos teria esbarrado na prefeitura, acusada de lacrar torneiras públicas

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Resposta do município às questões levantadas pelas Defensorias são insatisfatórias quanto à proteção dos moradores de rua - Diário Causa Operária

Sem casa, sem renda, sem máscaras, sem álcool gel, sem mesmo água para lavar as mãos e com alimentação insuficiente. Esta é a situação de duas mil pessoas que vivem nas ruas de Porto Alegre. Diante disso, as Defensorias Públicas do Estado e da União estão pedindo a instauração de ação civil pública contra a prefeitura da capital e a Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC), órgão do município que deve atender aos sem teto. Na ação, as duas Defensorias exigem, por exemplo, que a prefeitura requisite ou alugue quartos de hotéis, motéis e pensões para garantir “o isolamento e a higiene básica adequada das pessoas em situação de rua durante a pandemia da covid-19”.

Outra alternativa seria o uso de escolas e ginásios esportivos, ora sem utilização, para abrigar quem vive nas calçadas, praças, parques ou sob os viadutos. A prefeitura e a FASC igualmente devem providenciar “pagamento de benefício eventual, ou, ainda, de aluguel social, a toda a população em situação de rua, enquanto perdurar a pandemia da covid-19”. Reivindica-se também a realização de testes para coronavírus, distribuição de material informativo, máscaras e álcool gel, fornecimento de alimentação e de insumos básicos de higiene e vestuário.

Quem ajuda é a comunidade

A decisão das duas Defensorias ocorreu após considerarem insatisfatória a resposta do município às questões levantadas quanto à proteção dos moradores de rua em tempo de pandemia.

Mas o contingente afetado ainda pode ir além das duas mil pessoas. “A população de rua atual é de três mil, no mínimo, pois o último censo foi feito ainda em 2016 pela UFRGS”, argumenta Jussara Ferreira (1), dirigente de um dos 26 grupos de ONGs e entidades que integram a força-tarefa montada para ajudar os sem teto.

“Anunciaram (a prefeitura e a FASC) vagas novas nos albergues quando, na verdade, as vagas já existiam. No total, são 308”, assegura. Ou seja, para três mil candidatos, a prefeitura só teria condições de oferecer abrigo para 10%. E os espaços disponíveis “não oferecem condições de isolamento e quarentena”, repara.

Sem poder nem lavar as mãos

No começo de março, o Internacional ofereceu o Gigantinho para receber a população fragilizada, mas, segundo a dirigente, não teria obtido resposta oficial até o momento. Foi sugerida ainda a ocupação do ginásio Tesourinha, do município, igualmente sem retorno. No mês passado, a situação sanitária dos sem teto, já grave, piorou. Aconteceu com o fechamento do albergue Felipe Diehl, com 140 vagas. Sob pressão, a prefeitura reabriu a casa com 205 leitos, aumentando o risco de contaminação. Em abril, a vigilância sanitária limitou o acolhimento a 80 vagas.

Até mesmo o acesso à água para lavar as mãos teria esbarrado na prefeitura, acusada de lacrar torneiras de praças e parques. “As universidades abriram suas torneiras em alguns campus (2 na UFRGS e 1 na Unisinos), foram disponibilizados vasilhames com sabão e material informativo para a prevenção”, conta ela. E os coletivos que doam alimentos, como o dos Cozinheiros do Bem, conseguiram dez pias portáteis. No entanto, o poder municipal teria impedido o abastecimento de água para os reservatórios das pias, que acabaram sendo supridos pelo Corpo de Bombeiros.

Falta comida e a renda sumiu

“A alimentação – relata – também está sendo, na sua maior parte, provida pelos grupos da sociedade civil." Existem os restaurantes mantidos pela prefeitura, mas seriam insuficientes para a demanda. “A distribuição prevista nos restaurantes é de 360 refeições para uma população de rua de três mil pessoas”. A ausência de renda agrava o quadro. Parte dos moradores trabalhava como cuidador de carros, mas a atividade foi proibida por lei municipal e o dinheiro, que já era pouco, sumiu.

Da prefeitura, sabe-se que inaugurou três restaurantes populares desde o final de 2019, o mais recente deles no bairro Restinga, com capacidade para servir 100 marmitas por dia. Ao todo, os três forneceriam 400 refeições por dia.

Na segunda-feira, o Brasil de Fato RS encaminhou seis perguntas à assessoria de comunicação social do prefeito Nélson Marchezan (PSDB), solicitando sua versão para a crise. Até o momento em que fechávamos esta edição não havia nenhuma resposta.
 

(1) Nome fictício, já que a entrevistada pediu para que o verdadeiro não seja exposto por temer represálias.

Edição: Marcelo Ferreira