Rio Grande do Sul

CORONAVÍRUS

Áudio do ex-ministro Osmar Terra minimiza pandemia no RS

Gravação que circula em lojas da região Noroeste estimulando normalidade afirma que pico da doença já passou no estado

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Terra, um médico conservador com uma trajetória contraditória - Valter Campanato/Agência Brasil

Na semana em que o número de mortos pela covid-19 duplica no país, os casos aumentam consideravelmente no Rio Grande do Sul e o reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pedro Hallal, sugere ao governo estadual que não afrouxe o distanciamento social, o deputado federal e ex-ministro Osmar Terra (MDB/RS) faz circular um áudio entre seus apoiadores da região Noroeste do estado anunciando o fim da pandemia no território gaúcho. O médico defende a tese de que o pico já chegou e RS tem mais de 400 cidades que não tiveram nenhum caso notificado da doença.

Alguns do MDB dizem até que a tese é corajosa e poderá se confirmar, mas o Conselho Estadual de Saúde (CES) contesta a posição e alerta o governador Eduardo Leite (PSDB) para não aceita-la e permitir a flexibilização, de acordo com um projeto  em andamento no governo. O fato é que alguns comerciantes da Fronteira Oeste estão fazendo circular o áudio dentro de suas lojas para incentivar os consumidores a saírem de casa.

Em seu áudio, Osmar Terra é enfático: “Meus queridos amigos e dirigentes do MDB da região aí da grande Santa Rosa, da região Noroeste do RS, eu queria só comentar com vocês rapidamente que hoje, no Rio Grande do Sul, estamos terminando o surto. Já passou o pico nas cidades onde ocorreu, nas cidades onde não tem vírus circulando não tem como ter o surto da epidemia. Aí na região tem um número muito pequeno de casos confirmados e a maioria não tem gravidade nenhuma. Na mesma época quando tinha a epidemia do H1N1, as UTIs estavam lotadas aí na região. Morrendo principalmente mulheres grávidas, obesos. Hoje, este coronavírus, tem pouquíssimos casos e apenas um ou dois de internação, o resto tudo em casa, sem gravidade maior. 420 municípios do estado estão sem nenhum caso positivo”.

Ele conta a história do prefeito de Frederico Westphalen, que construiu um hospital de campanha e vai desativá-lo, pois em 30 dias não teve uso. “O prefeito Panosso, nosso companheiro lá de Frederico, criou um pronto socorro só para atender ao coronavírus. Um mini hospital de campanha para atender as vítimas da coronavírus está há 40 dias aberto sem nenhum caso. Ele vai fechar agora, pois não tem nenhum caso. Nem suspeito tem caso lá. Então é um absurdo este sofrimento, este fechamento geral das lojas e tudo que está se fazendo no Estado porque isto não adiantou nada”.

Ciência afirma que isolamento é uma das medidas mais eficientes

O vice-presidente do CES, Itamar Santos, respondeu à tese do deputado usando a argumentação da Organização Mundial de Saúde (OMS) e também dos pesquisadores da UFPel. “Segundo o deputado, está terminando o surto aqui no Rio Grande do Sul. Disse ainda que ele já atingiu o seu pico de contaminação e que algumas regiões não têm casos registrados da covid-19. Eu acredito que ele omite algumas questões elementares propositalmente. Se o vírus não chegou em algumas regiões do estado, coisa que a gente não acredita, porque há uma deliberada subnotificação pela fragilidade da rede de Saúde e pela metodologia utilizada nas redes de Saúde dos municípios. Por que isto acontece? Por que não há este alto índice de contágio? Porque as pessoas não estão circulando. Hoje no RS, cerca de 50% da população não está circulando ativamente. Isto faz com que a curva de contágio diminua e jogue para o futuro este possível contágio. Isto também é necessário para que se garanta o trabalho científico.”

Para Santos, o que o deputado está fazendo é um desserviço. “Ele faz ilações de que a região Sul não recebeu o vírus porque não está no centro da pandemia. Ela não recebeu porque houve um controle deste acesso. Se nós liberarmos este acesso, fizermos aquilo que ele está dizendo, com certeza vai exaurir a rede de saúde em todo o estado, como já está acontecendo na Grande Porto Alegre. O deputado omite esta informação. Os governantes têm que garantir as condições para que haja estudo científico, para que haja condições de isolar o vírus, e este isolamento vai se dar através da testagem. Temos que ter testagem de todas as pessoas suspeitas, isto não está sendo notificado. A nossa rede de Saúde e de atenção básica não está cumprindo com este papel porque os governantes não garantem esta estrutura. Os prefeitos do Rio Grande do Sul têm que garantir esta estrutura para que tenhamos um número correto de suspeitos da covid-19”.

Em entrevista ao Jornal do Comércio, publicada na quinta-feira (23), o reitor da UFPel também faz um alerta. Hallal defende que não deve ter mudança do distanciamento, que ainda tem restrições, principalmente na Região Metropolitana de Porto Alegre, que concentra cerca de 60% dos casos. Na manhã desta quinta-feira (23), o Estado tinha 984 registros. Na sexta, já eram 1.039 casos confirmados.

Para Hallal, é preciso ter mais dados de como está a presença do vírus. A UFPel está fazendo pesquisa com testagem de população para identificar a prevalência. Uma etapa foi concluída, e uma segunda está em andamento. A mesma pesquisa vai ocorrer em outras regiões do Brasil, a partir de contrato com o Ministério da Saúde.

Ao mesmo tempo, ele avalia que "nós, gaúchos, não estamos sabendo comemorar uma vitória", referindo-se ao impacto até agora do distanciamento social que está prestes a mudar, que permitiu uma menor velocidade de registros de casos frente a outras regiões brasileiras.  

O reitor critica o que chama de ansiedade em voltar tudo ao normal e adverte: "Não existe solução rápida para o coronavírus neste momento. Estamos lidando com um vírus que a gente conhece muito pouco e tem matado muita gente".

A entrevista do pesquisador é uma crítica ao projeto do governador Eduardo de Leite que dá aos prefeitos a responsabilidade da flexibilização das atividades econômicas segundo alguns critérios como o numero de leitos de UTI, o numero de casos, e outras variáveis neste sentido. Ele editou um decreto atendendo à pressão das entidades empresariais do estado para que isso acontece a partir da próxima semana, abandonando a postura de distanciamento social total que vinha sendo mantida até agora e estava deixando os gaúchos com uma margem maior de segurança.

A seguir, confira a transcrição do áudio de Osmar Terra:

Meus queridos amigos e dirigentes do MDB da região aí da grande Santa Rosa, da região Noroeste do Rio Grande do Sul, eu queria só comentar com vocês rapidamente que hoje, no Rio Grande do Sul, estamos terminando o surto. Já passou o pico nas cidades onde ocorreu, nas cidades onde não tem vírus circulando não tem como ter o surto da epidemia. Aí na região tem um número muito pequeno de casos confirmados e a maioria não tem gravidade nenhuma. Na mesma época quando tinha a epidemia do H1N1, as UTIs estavam lotadas aí na região. Morrendo principalmente mulheres grávidas, obesos. Hoje, este coronavírus, tem pouquíssimos casos e apenas um ou dois de internação, o resto tudo em casa, sem gravidade maior. 420 municípios do estado estão sem nenhum caso positivo. Nada.

O prefeito Panosso, nosso companheiro lá de Frederico, criou um pronto socorro só para atender ao coronavírus. Um mini hospital de campanha para atender as vítimas da coronavírus está há 40 dias aberto sem nenhum caso. Ele vai fechar agora, pois não tem nenhum caso. Nem suspeito tem caso lá. Então é um absurdo este sofrimento, este fechamento geral das lojas e tudo que está se fazendo no Estado porque isto não adiantou nada. Não tem importância nenhuma no que eu estou dizendo pra vocês.

O vírus não circulou no Rio Grande do Sul. É diferente do H1N1, que o vírus entrou no estado pelos caminhoneiros, pelos turistas que vinham da Argentina. Entrou pela fronteira com a Argentina e foi muito grave. Como a febre amarela que também entrou pela fronteira da Argentina, atingiu muita gente, se espalhou em todo o estado. Nesta epidemia, o epicentro é São Paulo, não é o Rio Grande do Sul. O coronavírus está em São Paulo. Paraná Santa Catarina e Rio Grande do Sul juntos têm menos casos do que a cidade de Fortaleza. Por que que o vírus circulou mais em Fortaleza do que em Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul juntos? Porque Fortaleza tem três voos semanais para Milão, que foi o epicentro da epidemia na Itália e que também tinha muito vírus circulando, porque tinha uma linha direta com Wuhan na China, são as duas cidades polo de confecção de moda. Tem 20 mil operários chineses trabalhando na região de Milão. E aí levaram o vírus pra lá, sem querer, e os três voos diretos por semana de fortaleza para Milão, trouxe o vírus para Fortaleza, muito mais do que para o Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina juntos

Manaus também é um polo. Tem a Zona Franca, que tem milhares de chineses que passam em Manaus todos os anos, milhares de italianos. No comércio, compra, venda é tudo ali na Zona Franca de Manaus, é um grande polo industrial com muitas empresas, inclusive compradas por chineses e italianos. Tem gente de todo mundo ali. Então, os lugares onde circula gente do mundo e o comércio é intenso com esses países que tiveram a epidemia, é os lugares onde o vírus circulou. Rio de Janeiro e São Paulo por causa do turismo, São Paulo ainda por causa do comércio internacional. E o carnaval expandiu a epidemia. O vírus já estava circulando em fevereiro. O vírus circula muito antes de aparecer o primeiro caso. 99% dos portadores deste vírus são assintomáticos e é por isso que ele se expande tão rápido, a gente não tem ideia, ele é invisível. A gente não vê a pessoa com a doença. A gente vê só alguns casos, estes casos a gente protege, isola, trata. Mas 99% não vai sentir nada. E este vírus só termina quando chega a infectar 70 % da população. É assim que todas as epidemias virais terminam. Nós temos é que proteger o grupo de risco.

Então vocês não vão ver esta epidemia aí. Se o governador tivesse tido sucesso em achatar a curva de progressão do vírus, empurrar isto para o inverno, aí poderíamos ter um problema mais grave. Mas graças a Deus a epidemia foi pequena, circulou pouco vírus, mais na região metropolitana. Algum ou outro no interior. Poucos casos e está se encaminhando para o fim. O maior pico de novos casos por dia foi no dia 2 de abril. De lá para cá só tem caído o número de casos. Os leitos de UTI em Porto Alegre estão vazios. E é isto que está acontecendo. A epidemia está terminando no Rio Grande do Sul e deve estar chegando no pico no Brasil agora. Deve se chegar ao pico, o máximo de novos casos por dia em dois ou três dias. E depois a tendência é cair. Termina no final de maio. Queria passar esta informação para a gente quem tiver alguma dúvida pode me questionar, usem o WhatsApp e vamos conversar.

 

 

Edição: Marcelo Ferreira