Rio Grande do Sul

Coluna

Descobertas reichianas que podem mudar o mundo

Imagem de perfil do Colunistaesd
Entre muitas percepções surpreendentes, Wilhelm Reich foi o cara que identificou a neurose no corpo das pessoas - Reprodução
Estreamos a coluna da terapeuta Mariana Barbieri sobre a obra revolucionária de Wilhelm Reich

1. Consequências abrangentes da repressão sexual

Wilhelm Reich (1897-1957) foi um médico, psicanalista e cientista natural que nasceu no antigo Império Austro-Húngaro e dedicou sua vida a entender o fenômeno vivo e o fenômeno de distorção do funcionamento vivo natural. Ingressou no movimento psicanalítico em 1920, aos 23 anos, enquanto ainda era estudante de medicina em Viena e se interessou por aprofundar e fundamentar biologicamente a teoria da libido de Freud.

Segundo essa teoria, os sintomas neuróticos – fobias, cegueiras histéricas, sintomas compulsivos, angústia, p. ex. – eram formas anormais de descarga de uma excitação corporal que não podia encontrar outro caminho de liberação. A neurose poderia ser resumida, então, como o resultado do conflito entre um impulso libidinal humano buscando satisfação no mundo e sendo frustrado por esse mesmo mundo. Essa energia, que não pôde ser descarregada, se transformaria em sintomas, em doença psíquica e emocional. Freud observou também que a frustração da descarga da excitação, da realização do impulso, ocorria no seio de conflitos sexuais, descobrindo que as neuroses tinham uma causa sexual.

Reich orientou grande parte de seu interesse de pesquisa a entender a relação entre a sexualidade e as doenças psíquicas e descobriu, a partir de suas pesquisas clínicas, que todos os pacientes sofriam alguma espécie de distúrbio sexual; que a gravidade da neurose tinha a ver com a gravidade desse distúrbio; que os pacientes que apresentavam melhoras consistentes e duradouras após o tratamento psicanalítico eram aqueles que conseguiam recuperar a capacidade de obter gratificação sexual.

Aprofundou seus estudos sobre os impactos da repressão sexual na personalidade e também sobre as origens dessa repressão, percebendo, então, que a repressão da sexualidade não é um fenômeno natural, mas social. Ela ocorre principalmente ao longo do processo educativo no seio das famílias e nas escolas, quando forçamos as crianças a abrir mão de seus impulsos biológicos e fisiológicos tanto sexuais – “Tira a mão do piu-piu menino, que isso é feio!” – quanto emocionais –  “Ai, ninguém gosta de menina com raiva...” – em nome do “bom comportamento” e do ajustamento social. Reich irá afirmar que a repressão da sexualidade possui a função social de tornar os indivíduos dóceis, passivos, facilmente disciplináveis, dependentes e impotentes – o que cumpre uma importante função para o controle social dos trabalhadores, por exemplo.

Ele também se deu conta do caráter epidêmico do fenômeno neurótico, entendendo que, nas condições sociais em que vivemos, sob o jugo do autoritarismo da sociedade patriarcal, todos nós nos tornamos neuróticos. Nesse sentido, expandiu o conceito de neurose para englobar o que ele chamou de “neuroses de caráter”, que são aquelas que não apresentam sintomas, mas se tratam de uma distorção e enrijecimento de nossa personalidade com a função de consumir a energia da excitação emocional e sexual que não pôde ser vivida diretamente, tendo sido objeto de repressão. O “caráter” é aquilo que nós identificamos como nossa essência pessoal, são as atitudes típicas que temos para lidar com o mundo, é aquilo pelo que as pessoas nos reconhecem.

A repressão sexual, para acontecer de forma “bem feita”, isto é, sem deixar rastros como fortes sensações de angústia, demanda uma série de transformações físicas e psíquicas do indivíduo, que ocorrem inconscientemente. Estas se estendem desde o desenvolvimento de padrões de comportamento crônicos (como agressividade, passividade, exibicionismo, timidez, etc.) até a transformação dos próprios corpos, com a redução da capacidade respiratória (que diminui a oxigenação e com isso a intensidade das emoções), o desenvolvimento de contrações musculares crônicas, que absorvem e enrijecem na musculatura a energia emocional, e transformações posturais sendo, todas essas, formas de consumir uma energia corporal que não pôde ser vivida diretamente como experiência sexual e emocional.

Reich perceberá que a distorção das funções sexuais e emocionais naturais geram consequências graves para nossas vidas e para a sociedade: os impulsos humanos destrutivos, que sustentam os comportamentos sádicos, as perversões, os crimes de ódio, a destruição do meio ambiente e toda sorte de relações sociais tóxicas e geradoras de sofrimento não fazem parte de impulsos biológicos humanos, mas são fruto da frustração da capacidade natural para o amor – a expressão fundamental da sexualidade e da vida emocional saudáveis.

A partir daí ele se torna um ferrenho crítico do que chamará de “moralidade compulsiva”, baseada na punição, no julgamento, no condicionamento e na repressão, e também um grande defensor da transformação das condições sociais no sentido de prevenir, nas crianças, o desenvolvimento de neuroses – essas distorções do funcionamento biológico espontâneo.

Edição: Katia Marko