Rio Grande do Sul

Investigação

Entidades pedem ao MP apuração de possíveis crimes contra trabalhadores

O grupo de representantes solicitou a abertura de investigações nas indústrias frigoríficas instaladas no Estado

Sul 21 | Porto Alegre |
Frigoríficos se tornaram um foco de contágio de covid-19 no RS. - Ministério Público do Trabalho/RS

Um grupo de entidades da sociedade civil, sindicatos de trabalhadores, coletivos e movimentos populares encaminhou uma representação ao Procurador-Geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Fabiano Dallazen, solicitando a abertura de investigações para apurar a possível ocorrência de uma série de crimes contra trabalhadores de indústrias frigoríficas instaladas no Estado, em especial das empresas JBS, Minuano e BRF. Na representação, as entidades pedem apuração sobre a ocorrência dos seguintes crimes: infração de medida sanitária preventiva; perigo para a vida ou saúde de outros; desobediência a ordem legal de servidor público; crimes contra a fiscalização do Poder Público em questões que dizem respeito ao Meio Ambiente de Trabalho; lesão corporal e homicídio, decorrentes da exposição de trabalhadores e trabalhadoras da indústria frigorífica ao contágio da covid-19 nos municípios de Passo Fundo, Marau e Lajeado.

A representação cita os debates e decisões decorrentes dos crimes ambientais de 2015 (Samarco) e 2019 (Brumadinho), em Minas Gerais, relativas à responsabilização de empresas, seus técnicos e executivos pela morte de trabalhadores. O caso de Brumadinho, citam as entidades, resultou na “denúncia de 16 pessoas, entre elas o então presidente da Vale, Fábio Schvartasman, além de diretores, gerentes, geólogos, engenheiros e consultores da mineradora e das empresas Vale S.A., Tüv Süd Bureau de Projetos e Consultorias Ltda., por 270 homicídios qualificados (de funcionários, empresas terceirizadas, moradores dos municípios e turistas), além de crimes contra a fauna e a flora, crime de poluição e crimes ambientais”. Ainda no caso de Brumadinho, a denúncia sustenta que “os crimes de homicídio foram praticados mediante recurso que impossibilitou ou dificultou a defesa das vítimas e também foram praticados através de meio que resultou em perigo comum, uma vez que um número indeterminado de pessoas foi exposto ao risco”.

Segundo Rafaela Cacenote, integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap) e da Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo, o objetivo das entidades é provocar a atuação do Ministério Público Estadual, para que adote as medidas necessárias à investigação da possível ocorrência de crimes e a responsabilização criminal das empresas e de seus representantes, em decorrência do descumprimento das disposições sanitárias determinadas pelo Poder Público e a exposição de trabalhadores da indústria frigorífica ao risco de contágio da Covid-19 nos municípios de Passo Fundo, Marau e Lajeado.

“É necessário investigar a quem competia dirigir, monitorar e controlar a efetividade das medidas que vinham sendo adotadas pelas empresas, que possivelmente resultaram na exposição ao risco e contaminação de funcionários e de seus familiares, quando podiam e deviam adotar medidas preventivas efetivas de maneira célere”, afirma a advogada.

Hoje no Estado, destaca ainda Rafaela Cacenote, “o setor emprega mais de 50 mil pessoas, de modo que as decisões tomadas pelos dirigentes das empresas, que não levem em conta a realidade epidemiológica da cidade e região de atuação desses frigoríficos, e que não priorizem a saúde do trabalhador das plantas frigoríficas, criando as condições necessárias ao surgimento de focos de contágio da Covid-19, certamente geram um impacto bastante grave para a saúde pública”. Além disso, acrescenta, também colocam em risco a cadeia de produção e o abastecimento de alimentos, gerando prejuízos à população, em decorrência da interdição e fechamento de indústrias.

A representação assinala que até o início de maio, os frigoríficos do Rio Grande do Sul já tinham registrado pelo menos 124 casos confirmados de covid-19 e mais de 16 mil trabalhadores teriam sido expostos à doença dentro de unidades frigoríficas. O documento cita nove frigoríficos com casos confirmados em sete municípios do Estado: Passo Fundo, Marau, Garibaldi, Lajeado, Carlos Barbosa, Encantado e Tapejara.

Os signatários da representação encaminhada ao MP assinalam ainda que, em que pese a indústria frigorífica ser reconhecida como essencial, por ser vinculada a produção de alimentos, parte importante de sua produção é destinada à exportação. ˜Há uma decisão das empresas de seguir com a produção e o trabalho em toda a cadeia produtiva do setor (agricultores, aviários, transporte, insumos, abatedouros) voltada à exportação, num período em que a Organização Mundial da Saúde recomenda a restrição da parte não essencial da produção e a diminuição do contato interpessoal, para evitar a propagação do vírus e assim salvar vidas”, criticam as entidades.

Assinam a representação encaminhada ao Ministério Público Estadual as seguintes organizações:

Acesso – Cidadania e Direitos Humanos, RENAP-RS Rede Nacional de Advogados Populares – Rio Grande do Sul, AJURD – Associação de Juristas pela Democracia – Núcleo Planalto Médio, Conselho Municipal de Saúde de Passo Fundo, Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF), Central Sindical e Popular Conlutas (CSP Conlutas) – Regional Passo Fundo, Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), Centro de Educação e Assessoramento Popular (CEAP), Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde – ANEPS, Movimento Mulheres em Luta (MML) – Regional Passo Fundo, Associação Cultural de Mulheres Negras (ACMUN), Movimento de Mulheres Camponesas/RS, Federação dos Trabalhadores da Saúde (FEESSERS), Sindicato dos Trabalhadores da Saúde (Sindisaúde), Sindicato dos Metalúrgicos de Passo Fundo, Sindicato dos Comerciários de Passo Fundo, Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Passo Fundo e Região e 7° Núcleo CPERS Passo Fundo.


Lajeado era o terceiro município do Estado com mais casos confirmados (149) e 6 óbitos até o dia 5 de maio. / Giovani Marasca

Termos de Ajuste de Conduta

O Ministério Público do Trabalho (MPT) vem firmando uma série de Termos de Ajuste de Conduta (TAC) com frigoríficos para tentar conter os focos de contágio nessas empresas. No dia 15 de abril, o MPT e o Ministério Público Estadual firmaram um TAC com a Companhia Minuano de Alimentos, de Lajeado, que tinha, na época, 16 trabalhadores testados positivo para covid-19 e 750 trabalhadores afastados do trabalho, de um total de 2051. Até o dia 1o. de maio, outros 19 trabalhadores também tiveram confirmada a contaminação.

No dia 23 de abril, o MPT firmou um TAC de abrangência nacional com a BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, para a implementação de medidas de proteção em todas as unidades de abate e processamento de aves. No dia 30 de abril, outro TAC foi firmado, desta vez com a Cooperativa Central Aurora Alimentos, com o objetivo de garantir a saúde e a segurança dos trabalhadores do frigorífico nas unidades de Erechim e Sarandi, norte do Estado.

Os TACs firmados pelo MPT com as empresas envolvem medidas como a reorganização do fluxo de trabalhadores nas unidades para evitar aglomerações, com sistemas de rodízios ou revezamentos, implantação de distanciamento mínimo entre funcionários nas entradas e saídas das unidades, fornecimentos de protetores faciais de acetato (face shield), de máscaras de proteção, disponibilização de testes para diagnósticos da covid-19, bem como vacinação, para todos os trabalhadores, de forma gratuita, contra os vírus Influenza A (H1N1), A (H3N2) e B, com o objetivo de garantir uma melhor identificação dos casos sintomáticos da covid-19.

O Ministério Público Estadual pediu, segunda-feira (4), à Justiça a interdição temporária dos frigoríficos da BRF e da Minuano localizados em Lajeado. O MP pediu que as duas unidades fiquem fechadas por 15 dias. Na avaliação do promotor Sérgio Diefenbach, as unidades constituem “foco de disseminação e propagação do coronavírus”.


Passo Fundo é uma das maiores cidade do norte do Rio Grande do Sul. / Alex Borgmann/Prefeitura de Passo Fundo

O caso da JBS em Passo Fundo

Ainda no dia 4 de maio, o juiz titular da 2ª Vara do Trabalho de Passo Fundo, Luciano Ricardo Cembranel, confirmou o afastamento de todos empregados da JBS no Município por um período de 14 dias, contando a partir do dia 24 de abril. Assim, a empresa está autorizada a voltar a funcionar no dia 9 de maio. Por decisão judicial, a JBS está obrigada a comunicar e verificar algum tipo de sintoma de covid-19 antes do embarque do trabalhador no transporte para o trabalho, quando fornecido pelo empregador, devendo ser impedido de ingressar na condução aquele que apresentar tais sintomas. A decisão atendeu, em parte, a ação civil pública ajuizada pela procuradora Flávia Bornéo Funck, do Ministério Público do Trabalho e negou, também em parte, a anulação da interdição pleiteada pelo frigorífico.

A JBS foi interditada em função do diagnóstico da fiscalização que apontou que a empresa estaria expondo seus trabalhadores ao risco de contágio da covid-19. Durante a fiscalização, foram constatados 19 casos de trabalhadores confirmados com contaminação de Covid-19 e  duas mortes de parentes dos empregados. Nesta terça-feira (5), segundo o MP do Trabalho, a empresa possuía 66 empregados confirmados com covid-19 e quatro mortes de contatos próximos a trabalhadores confirmados. Até o dia 5 de maio, Passo Fundo contabilizava 17 mortes causadas pelo novo coronavírus.

A procuradora Priscila Dibi Schvarcz, gerente nacional adjunta do Projeto de Adequação das Condições de Trabalho nos Frigoríficos, do MPT (lotada em Passo Fundo), considerou a decisão do juiz da Vara do Trabalho de Passo Fundo de liberar o funcionamento do frigorífico como “bem aquém do que o MPT espera e reputa necessário para garantia de um ambiente minimamente seguro aos trabalhadores”.  O MPT, disse a procuradora, “espera que a empresa, independentemente de ordem judicial, submeta todos os trabalhadores a testes e a consultas médicas específicas antes de retornar às atividades, a fim de evitar nova onda de contaminações no ambiente de trabalho”.

O que dizem as empresas

Em nota , a JBS garante que “vem adotando medidas para garantir a segurança, saúde r prevenção para todos os seus colaboradores”. A nota afirma: “Desde o início da pandemia da Covid-19, a empresa vem adotando medidas para garantir a segurança, saúde e prevenção para todos os seus colaboradores. As ações adotadas pela JBS seguem as normas e recomendações técnicas dos órgãos de saúde do Brasil e do mundo, além de estarem em total conformidade com as orientações da consultoria clínica do Hospital Albert Einstein e de médicos especializados em Infectologia, que foram contratados especialmente para apoiar na construção de um protocolo robusto da empresa contra a Covid-19 para todas as suas unidades”.

A BRF afirmou, a propósito do pedido do MP para o fechamento de sua unidade em Lajeado, que “a produção de alimentos é um setor essencial e, por esse motivo, continua operando e mantendo seu compromisso com a saúde e segurança dos colaboradores, da cadeia produtiva e com o abastecimento à população”. A empresa garantiu que bem tomando uma série de medidas para conter o coronavírus e proteger os funcionários. A empresa também destacoy que firmou um TAC com o Ministério Público do Trabalho e que as medidas de proteção ao trabalhadores já estão sendo tomadas.

A Companhia Minuano de Alimentos afirmou, por sua vez, que vem tomando todas as medidas para proteger seus funcionários e evitar a propagação do vírus, visando garantir a segurança de todos que circulam nas dependências da empresa.

Edição: Sul 21