Rio Grande do Sul

SOLIDARIEDADE

Coletivo É as guria! cria rede de apoio a mães solo em Alvorada em meio à pandemia

Com apoio do IFRS, iniciativa doa cestas básicas e presta auxílio jurídico, psicológico e de assistência social

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Projeto 'É as guria! contra fome em tempos de pandemia' auxilia diretamente pelo menos 50 famílias chefiadas por mulheres em quatro regiões vulneráveis de Alvorada - Divulgação

Em tempos de pandemia, além dos cuidados para evitar a propagação do novo coronavírus, a fome e a vulnerabilidade social em vilas e comunidades são fatores preocupantes. Ainda mais quando se tratam de mães que criam seus filhos sozinhas. Pensando nas mães solo do município de Alvorada, na região Metropolitana de Porto Alegre, o coletivo de mulheres 'É as guria!', que faz parte da Ong Onédes da Silva, lançou o projeto 'É as guria! contra fome em tempos de pandemia', numa parceria com o campus Alvorada do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS).

O projeto 'É as guria! contra fome em tempos de pandemia' auxilia diretamente pelo menos 50 famílias chefiadas por mulheres em quatro regiões vulneráveis de Alvorada. Oferece assistência alimentar através da entrega de cestas básicas, o que já é importante, mas vai muito além do assistencialismo. Também presta auxílio jurídico e psicológico e na reorganização social do núcleo familiar, sob orientação de profissionais voluntárias do coletivo, auxilia as mulheres a realizar o cadastro da renda básica emergencial e organiza doações de gás, remédios, fraldas, roupas e material de higiene para famílias de mães solo.

“Além da possibilidade da entrega de alimentos para amenizar as questões relacionadas a segurança alimentar de famílias chefiadas por mulheres, o projeto dá orientações quanto aos cuidados necessários para evitar a propagação do vírus e busca fortalecer a rede de proteção das mulheres e crianças em situação de vulnerabilidade social”, afirma Josiani Arruda, integrante do coletivo 'É as guria!'. Ela explica que tais ações já vinham sendo desenvolvidas, mas “neste momento, em que o mundo enfrenta uma crise sem precedentes, a demanda de atendimento se multiplicou”.


Coletivo é É as guria! formou uma rede de proteção para mulheres / Arquivo pessoal

Alvorada é um dos municípios mais pobres do Rio Grande do Sul, com um rendimento anual médio por habitante de pouco mais de R$ 12 mil, enquanto no estado o rendimento médio é de R$ 37 mil, conforme dados do IBGE de 2017. No Altas da Violência 2019, feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cidade aparece como a sexta mais violenta do Brasil em 2017. Nesse mesmo ano, a taxa de homicídio de mulheres cresceu acima da média nacional. Em 28,5% dos homicídios de mulheres, as mortes foram dentro de casa, o que o Ipea relaciona a casos de feminicídio e violência doméstica.

“Hoje temos 427 famílias cadastradas, a maioria dos cadastros são de mulheres diaristas, empregadas domésticas, ambulantes, vendedoras de catálogos, manicures e panfleteiras. Todas as mulheres fazem parte do coletivo porque uma ajuda a outra, elas fazem trocas entre si, vendem seus produtos, se ajudam como podem. É uma rede solidária”, destaca Josiani.

Tais ações já eram desenvolvidas por parte do grupo antes da pandemia, mas com o surgimento da covid-19, “a demanda de atendimento se multiplicou”. A nova situação também fez com que a rede de solidariedade se multiplicasse, com o apoio e aporte de recursos do campus Alvorada do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS). “O projeto já vem desenvolvendo as ações de atendimento emergencial a mulheres alvoradenses, muitas com relação direta a projetos de extensão que ocorrem no campus Alvorada. O apoio financeiro por parte do IFRS, de R$ 4.800,00, possibilitará manutenção e maior alcance a este projeto, para que possa dar continuidade e amplitude ao trabalho, aumentando nossa articulação com a comunidade”, afirma.

Aporte do IFRS


Campus Alvorada iniciou atividades em 2013 e teve sua sede inaugurada em 2016 / Reprodução prefeutura de Alvorada

Coordenadora de extensão e técnica administrativa do campus Alvorada do IFRS, Adriana Martins, explica que o edital foi lançado no início de abril visando apoiar projetos de extensão voltados ao enfrentamento da covid-19. “Foi uma das primeiras ações após a parada das atividades presenciais do IFRS, é uma iniciativa que vem no sentido de olhar para o nosso território para ver de quais formas pode ajudar a nossa instituição pública, com sua missão de compromisso com as comunidades”, aponta.

“Esse edital abriu para nós em Alvorada a possibilidade de atender essa comunidade que não tem ligação direta com o IFRS. O projeto foi contemplado por não se tratar só de uma ação assistencial, mas por trazer um conjunto de valores e ações que ultrapassam isso e constroem cidadania. E constroem a capacidade das mulheres de se juntarem e se unirem sendo parceiras. Temos que vencer a concorrência, não basta hoje a visão do eu por mim, pelo contrário, temos que fazer cada vez um pouco mais”, conta, destacando a realidade social precária do entorno do campus Alvorada.

O IFRS está localizado na divisa dos bairros Campos Verdes, 11 de Abril e Tijuca, e próximo ao Umbu, de característica de ocupação. O bairro 11 de Abril é considerado a maior ocupação da América Latina em áreas construídas, nasceu no boom das ocupações na região Metropolitana de Porto Alegre, nos anos 1980. “A comunidade nasceu da luta por moradia. Quando o campus foi construído nessa área verde, fomos chamados pela empresa porque estavam ocupando em volta. Realmente tinha uma rua e o número de casas aumentava diariamente. Então virou uma comunidade no entorno, pessoas que chegaram e começaram a viver ali, sem água, sem luz, na base do ‘gato’, com um grau de abandono por parte do poder público muito grande”, relata Adriana.

O trabalho do IFRS busca trazer a comunidade do entorno para dentro de instituição, os portões não são fechados e os moradores da região frequentam o campus. “Tentamos nos aproximar, temos horta comunitária e ações junto com eles. Esse é um território deles, não está desenhado para nos fecharmos com portaria e vigilância. O tempo todo eles circulam lá, usam computadores, têm acesso a internet. O IFRS não tem criança, só ensino médio, mas tem criança correndo, alunos, mulheres chefes de família que não têm onde deixar o filho e vão com as crianças de dia.

Uma rede de proteção para mulheres

Josiani destaca que o coletivo 'É as guria!' é parceiro do IFRS desde a sua implantação em Alvorada. “Realizamos várias atividades em parceria e já desenvolvemos alguns projetos dentro do campus. Como o Projeto Figueira Negra, financiado pela Fundação Baobá, que destinou R$ 35 mil para financiar um curso de educação antirracista, que culminou na produção de um vídeo documentário sobre a história do povo negro de Alvorada”.

O coletivo nasceu da ideia de três amigas alvoradenses, Isabel Borba, Rachel Oliveira e Josiani Arruda, que convidaram a Mariana Ribeiro. As quatro começaram a pensar alguns projetos que resolveram partilhar com mais mulheres. Juntas, transformaram o coletivo em uma grande rede de proteção social, psicológica e jurídica para as mulheres.

O 'É as guria!' tem hoje uma parceria com outros coletivos que atuam na cidade e já conseguiu realizar várias ações, como doações de 800 kg de alimentos e 90 pacotes de fraldas, bem como material de higiene e álcool gel para famílias de mães solo; distribuição de 25 botijões de gás através do projeto Mães da Favela, da Central Única das Favelas (CUFA) e de 50 unidades de álcool gel em parceria com o Boticário; distribuição de aproximadamente 4 mil peças de roupas. Além disso, ajuda às mulheres empreendedoras a divulgarem seus produtos na sua página no Facebook.


Violência doméstica em tempos de pandemia é um assunto trabalhado pelo coletivo / Divulgação

Você também pode ajudar

Quem quiser fazer parte dessa rede de solidariedade, pode doar alimentos não perecíveis, leite, fraldas e material de higiene. Para isso basta entrar em contato pelo e-mail [email protected] ou pelo WhatsApp: (51) 98518-2092 ou (51) 98942-1431. Para quem não pode sair de casa, mas ainda assim quer ajudar, pode depositar qualquer valor na Caixa Econômica Federal - Agencia 1588 - Op. 013 - Conta 8340-5.


Card divulgado nas redes do coletivo pede doações ao projeto / Divulgação

Outras ações do IFRS Alvorada

No campus Alvorada, o IFRS tem hoje em torno de 500 alunos. Conforme Adriana, a maioria deles está no grupo vulnerabilidade que recebe auxilio estudantil vinculado à presença do aluno em sala de aula. “Uma das primeiras ações do IFRS foi não deixar de pagar o auxílio estudantil, independente de estarem em sala, todos continuam recebendo. Também revertemos de forma organizada, com apoio jurídico, recursos da merenda em kits de alimentação para entregar para esse mesmo grupo de estudantes que não estavam na sala por conta da codiv-19”.


Recurso da merenda escolar foi revertido para cestas para alunos / Divulgação

Os kits são compostos de alimentos adquiridos junto à agricultura familiar e contém itens como arroz, feijão, batata e aipim. “Optamos pela agricultura familiar por achar importante cuidar com alimentação, ainda mais nesse período que nos aponta a necessidade nutricional maior para ter força e não ter risco com relação à doença. Temos feito entre 100 e 120 kits para esses estudantes. Em cima do levantamento feito por nossa assistência social após o início da pandemia, percebemos que quem não estava no grupo de vulnerabilidade hoje está. Mapeamos a situação junto ao grêmio estudantil, professores, entre outros, e na medida do possível estamos levando auxilio direto a essas pessoas”, afirma.

Adriana destaca ainda que o IFRS está em diálogo com entidades do território para começar ações como confecção de máscaras, já pensando num retorno às aulas, em que os alunos vão precisar da proteção. “Estamos fazendo a aquisição de máquinas de costura, o que não é do nosso campo tecnológico, mas optamos por isso para que mulheres da comunidade produzam máscaras, que serão úteis para elas e suas famílias por algum tempo”. Além disso, estão sendo construídas parcerias com o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e com o centro da juventude, espaço do território. “Pretendemos fazer outras ações para além daquilo que costumamos fazer. Passamos a nos reinventar e olhar as potencialidades, articular em redes com escolas parceiras”, conclui.

 

Edição: Katia Marko