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Opinião

Artigo | Decrescimento: utopia ou sobrevivência?

"Decrescimento – vocabulário para um novo mundo” é um mapa de alternativas para descolonização pós-crescimento

Sul 21 | Porto Alegre |
Um crescimento suficiente para todos será uma utopia ou uma questão de sobrevivência do planeta?  Quem terá grandeza para fazer este pacto? - Luiza Castro/Sul21

A pandemia da Covid-19 obrigou boa parte da humanidade a questionar-se sobre padrões de vida, de consumo, rumos e significados da palavra crescimento ou mesmo desenvolvimento. Países, como a Holanda, já propõem uma saída pós-pandemia baseada no decrescimento, conceito e modelo teorizado há décadas e bastante debatido nos Fóruns Sociais Mundiais desde 2001.

Há um guia que detalha esse caminho e foi lançado no Brasil, em 2017. “Decrescimento – vocabulário para um novo mundo” é um mapa de alternativas e faz um chamado à descolonização do debate público em relação ao idioma do economicismo e à abolição do crescimento econômico como objetivo social.

As ideias desse movimento mundial foram sistematizadas nesse livro, escrito por mais de 50 autores, de forma profunda e ao mesmo tempo compreensível, e discorre sobre 52 verbetes para esta necessária nova narrativa de sobrevivência do planeta. Organizada por três pesquisadores ligados à Universidade Aberta de Barcelona e a várias outras organizações (Giacomo D´Alisa, Federico Demaria e Giorgos Kallis), o livro tem apresentação do arquiteto e ativista brasileiro Francisco Withaker, e resgata as origens desse movimento mundial surgido na década de 1970. Expressa o profundo alerta de que, seguindo o padrão de consumismo e produtivismo, não há sequer chance de manutenção do próprio capitalismo.

A base desta coletânea é complexa, mas orientada por um princípio simples: não há riqueza maior do que a vida, e para preservar a vida do planeta e garantir o futuro de todos é necessário sair do sistema atual de produção. O crescimento não só está tornando difícil o futuro das economias avançadas, como não é sustentável. Decrescimento é, em resumo, a humanização do desenvolvimento.

Esse conceito exige alterar padrões de medição econômicos, nos quais a vida e a felicidade não estão incluídas, como é o caso do Produto Interno Bruto. O PIB é só uma conta de somar que chega a um número das riquezas de um país, mas não responde a pergunta fundamental: riqueza de quem e quem se beneficia com ela, especialmente frente à volatilidade dos capitais especuladores transnacionais?

O economista inglês Dan O’Neill aponta que populações inteiras são forçadas a sofrer indefinidamente para que as economias de seus países subam alguns décimos na escala do PIB, o que serve para sustentar benefícios a 1% da população.

Há um reconhecimento cada vez maior em todo o mundo que o PIB é uma medida ruim para o progresso. Cresce no mundo o desejo de alterar essa fórmula, instituída em 1937 – que mede o valor de todos os bens e serviços de um país em um ano –, mas que surgiu num período em que a sociedade enfrentava desafios em tempos de guerra, como maximizar a economia.

Ganhadores do Prêmio Nobel apontaram que a crise de 2008 pegou as pessoas de surpresa porque estavam focados em indicadores errados, ano em que também foi realizada a primeira conferência internacional sobre decrescimento, em Paris, na França.

Há uma série de grandezas humanas que se colocam na contramão do Produto Interno Bruto, como um indicador para medir o real desenvolvimento de um país. Esta série se chama saúde, felicidade, equidade, democracia participativa, jornadas de trabalho mais humanas, sustentabilidade, viver mais, melhor e com mais qualidade de vida. Para tudo isso, será preciso entender que os números do PIB são a ilusão aritmética que pode esconder a desigualdade. Será preciso entender que a hora é outra. É a hora do decrescimento.

E decrescimento não é a negação do crescimento. Mas a mudança do PIB é apenas um aspecto de balizamento desse modelo. Mais do que mudanças imediatas e radicais, a meta é descolonizar o imaginário. Combater o sedutor discurso da opulência infinita e seus fetiches. Descolonizar o imaginário.

O decrescimento propõe outra narrativa. Um novo vocabulário para fortalecer um imaginário onde estejam considerados: o cuidado, recursos comuns, simplicidade, convivencialidade, corporificação de novas formas de produzir, como ecocomunidades e cooperativas, compartilhamento de trabalho ou renda básica e renda máxima. Propõe uma variedade de iniciativas, como bancos de tempo, moedas sociais, hortas urbanas, economias solidárias, para uma reconstrução social mais cooperada.

Uma redução equitativa da produção e do consumo, que vai reduzir o fluxo de energia e matérias primas das sociedades. Decrescimento inspirado por princípios de associação voluntária e auto-organização descentralizada e horizontal.

O próprio Vaticano se incorporou a esta necessidade de mudança de padrões, e o papa Francisco lançou a encíclica do meio ambiente (Laudato Si) com um alerta contundente sobre a necessidade de mudanças de hábitos para a preservação do planeta.

A recente crise do capitalismo demonstra que a expansão do crescimento como conhecemos chega ao fim. Há consenso que a expansão capitalista é contraditória: o impulso para reduzir cada vez mais a natureza e os seres humanos a mercadorias com objetivo de sustentar a acumulação debilita as próprias condições para a reprodução do sistema. Um sistema autofágico que mostra seus estertores com o crescimento da pobreza e desigualdade.

Essa escola de pensamento, esse movimento mundial, que se expressa nos Fóruns Sociais pelo ‘Decrescimento’, alerta e propõe outros parâmetros para orientar o desenvolvimento que signifique viver melhor com menos.

Se houver a decisão de deixar o crescimento econômico para o decrescimento sustentável, o PIB terá de ser substituído por informações mais relevantes. Para o pai da economia ecológica, Herman Daly, que atuou no Banco Mundial, o crescimento tornou-se antieconômico e a melhor coisa a fazer com o PIB é esquecê-lo. Já em 1934, Simon Kuznets, criador do Produto Nacional Bruto (índice precursor do PIB), advertiu: o bem–estar de uma nação dificilmente pode ser inferido a partir de uma medida de renda nacional.

Em 1968, Robert Kennedy, então candidato a presidente da maior nação capitalista, afirmou que o PIB ‘não mede nossa sagacidade, nem nossa coragem, nem nossa sabedoria, nem nosso aprendizado, nem nossa compaixão, nem nossa devoção ao país’. “Ele mede tudo, menos aquilo que faz nossa vida valer a pena”, disse Bobby, que assim como o irmão de John Kennedy, acabou sendo assassinado.

Questionar o PIB é questionar a economia de mercado em si. O consumismo e o produtivismo já levaram ao fracasso tanto experiências de esquerda como de direita. E os autores desse mapa deixam claro que substituí-lo é um projeto fundamentalmente político, e não técnico.

Esta coletânea “Decrescimento – vocabulário para um novo mundo” é uma fonte de conhecimento e inspiração para interessados em pensar e agir de forma alternativa sobre o meio ambiente e o desenvolvimento, apontando caminhos para compartilhar o mundo finito de forma justa. Para isso, quem dá as cartas na economia mundial teria de ganhar menos e compartilhar mais. Um crescimento suficiente para todos será uma utopia ou uma questão de sobrevivência do planeta?  Quem terá grandeza para fazer este pacto?

(*) Marcelo Sgarbossa é vereador do PT Porto Alegre. Stela Pastore é jornalista.

Edição: Sul 21