Rio Grande do Sul

Economia

Economia gaúcha despenca e dados são precários

Apesar da multiplicação das projeções, de indicativos muito ruins, ainda não é possível quantificar o tamanho das perdas

Extra Classe | Porto Alegre |
Economistas, analistas, cientistas, todos concordam que a debacle econômica e o aumento das diferenças entre os que estão na base e no topo da sociedade tendem a ser mais perversos. - Igor Sperotto

Passados pouco mais de dois meses do registro do primeiro caso de coronavírus no Brasil, e com o indicativo de que o RS ainda tem dias difíceis a enfrentar, maximizados pela chegada do inverno, há uma certeza em relação aos efeitos da pandemia para além das vidas perdidas e da ameaça de colapso no sistema de saúde: o de que ela já derrubou a economia.

Apesar da multiplicação das projeções, e de indicativos muito ruins, ainda não é possível quantificar o tamanho das perdas no setor produtivo, onde é um erro apontá-las como generalizadas. Não se trata da falsa oposição entre saúde e economia. Nem da crença, equivocada, de que reaberturas prematuras poderiam minimizar o conjunto complexo de adversidades cujos reflexos recém começaram. Na vida real, para empresas e empreendedores, elas se mostraram quase que imediatamente no setor de Comércio e nos Serviços, mesmo que com algumas poucas exceções. E constituem tendência implacável entre trabalhadores atingidos pela redução de jornadas e salários ou suspensões de contratos permitidos pela Medida Provisória (MP) 936/2020.

Em pouco mais de 20 dias em vigor (entre 1º e 22 de abril), a  MP  936, nacionalmente, já havia atingido 3,5 milhões de trabalhadores, conforme dados do próprio Ministério da Economia, sendo pouco mais de 2 milhões deles com suspensões de contratos e 1,3 milhão com reduções de jornadas e salários entre 25% e 70%. Além deles, 167 mil trabalhadores intermitentes. O Dieese, por sua vez, divulgou, em 30 de abril, estimativa de que 4,4 milhões de trabalhadores já tinham sido afetados pelas negociações.

Na verdade, via de regra, não há negociação e os empregados são comunicados de quais serão as novas condições. O Ministério da Economia prometeu a atualização diária das flexibilizações em um site, o servicos.mte.gov.br/bem. Nele não constam os detalhamentos sobre reduções e suspensões. Mas, no canto superior direito, há um dado atualizado, classificado, na página, como ‘empregos preservados’. No primeiro domingo de maio, o marcador estava em 5.394.047. O Ministério, que projeta que as suspensões ou reduções deverão chegar para 24,5 milhões de trabalhadores formais (nada menos do que 74% do total), cunhou o termo ‘empregos preservados’ para fazer referência ao número de contratos de trabalho atingidos pelas alterações permitidas pela MP.

Apagão estatístico pode distorcer informações

Economistas, analistas, cientistas, todos concordam que a debacle econômica e o aumento das diferenças entre os que estão na base e no topo da sociedade tendem a ser mais perversos em um país conhecido por seu alto grau de desigualdade e onde as mudanças promovidas nos últimos anos aumentaram o número de trabalhadores na informalidade e no trabalho precário. Estes, sem direitos ou garantias da legislação trabalhista, foram atingidos primeiro pelos reflexos do distanciamento social, engrossando as filas dos que buscam o auxílio de R$ 600,00 pagos como forma de auxílio emergencial pelo governo federal, em um sofrível sistema de distribuição. Mas os especialistas receiam também que o chamado ‘apagão estatístico’ piore em tempos de pandemia, prejudicando ainda mais tanto o diagnóstico quanto as políticas para planejar o futuro.

Primeiro, porque os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) de 2020 ainda não apareceram. No final de março, o governo suspendeu por tempo indeterminado a divulgação dos saldos de janeiro e fevereiro, sob a alegação de mudanças no sistema de envio das informações sobre admissões e demissões. Na sequência, também não houve publicidade dos dados de março: a chegada da Covid-19 e as medidas de distanciamento serviram então para justificar a ausência dos números.

Segundo, porque o IBGE deixou de fazer a coleta presencial de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e há dúvidas sobre a divulgação do mês de abril. Os dados da última Pnad Contínua, divulgados em 30 de abril pelo IBGE e referentes ao trimestre janeiro/março, mostram aumento na população desocupada, na subutilizada e naquela fora da força de trabalho (recorde desde o início da série, em 2012). Caíram tanto o número de trabalhadores com carteira assinada como os sem carteira na iniciativa privada, assim como a massa de rendimento real. Tudo ainda sem o impacto do coronavírus. Em seu último boletim, o Dieese aponta que, a ser seguida a linha atual, não haverá dados confiáveis “para estimar o impacto da crise na ocupação e na renda”.

900 milhões a menos na arrecadação do RS

No RS, conforme o professor Maurício Weiss, da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal  do Rio Grande do Sul (Ufrgs), o mais seguro é observar o impacto a partir dos dados de arrecadação da Secretaria da Fazenda estadual. “Por meio da arrecadação, fica evidente a diminuição no volume do comércio. Nele, o mais afetado é o segmento do vestuário. Os dados via nota fiscal eletrônica, por exemplo, nos permitem ter uma noção do impacto na economia de forma mais rápida. A queda na arrecadação do ICMS em abril, conforme já projetado pelo governo, será na ordem de R$ 850 milhões”, elenca. O número representa uma retração de 18,8% na arrecadação. Em maio, conforme as projeções da Fazenda, as perdas com o ICMS podem alcançar os R$ 900 milhões. Entre 16 de março e 24 de abril, a Receita Estadual apurou que deixaram de ser movimentados, em operações registradas por notas eletrônicas, R$ 270 milhões ao dia, na comparação com o mesmo período de 2019.

Mas também no fim de abril, a Receita gaúcha apontou estabilidade crisenos níveis de perdas decorrentes da pandemia. Em relação aos setores de atividades, o varejo seguiu sendo o mais afetado, com redução de 19% nas vendas desde o início da crise. A indústria teve queda de 16%. E o atacado caiu 2% no acumulado do período. Por setores, as áreas da alimentação (arroz, aves e ovos, bovinos, leite, suínos e trigo) tiveram variações positivas. E os resultados negativos mais expressivos seguiram nas indústrias de veículos e coureiro-calçadista. Entre setores com perdas relativas, como os de insumos, de bens de capital e os de bens de consumo duráveis e semiduráveis, a média das reduções se estabilizou.

“Os clientes mudaram, estão mudando e ainda vão mudar. Em termos de consumo, a tendência é de que haja uma quebra no comportamento que vinha ocorrendo até então. É muito importante que as empresas foquem no propósito, no que oferecem”, adverte a professora Daniela Brauner, da Escola de Administração da Ufrgs, e coordenadora do SOS-PME/Rede de Assessoria Empresarial, um projeto criado na Universidade para auxiliar micro, pequenos e médios empresários a desenvolverem estratégias de enfrentamento à pandemia e o consequente bloqueio parcial ou total das atividades em seus negócios. Há quase cem empresas cadastradas.

Estiagem agravará a crise

Entre entidades empresariais, apesar das referências constantes às perdas, de modo geral faltam dados consolidados, principalmente naquelas representativas do comércio. Quem  tem levantamentos melhor estruturados é a Federação das Indústrias do RS (Fiergs). Na Sondagem Industrial Especial, realizada entre os dias 1º e 14 de abril, a Federação constatou que dois terços das empresas consultadas relataram aumento na dificuldade de acesso à capital de giro. E que seis de cada dez encontram dificuldades financeiras para realizar pagamentos rotineiros. Os principais impactos causados pela pandemia foram a redução do faturamento (72,3%), o cancelamento de pedidos e encomendas (56,6%) e a inadimplência de clientes (55,4%).

“Vai ser um ano muito ruim em termos de resultado. Isto já está contratado. No RS é um ano muito atípico porque, além do coronavírus, tem a questão da estiagem. É uma situação que se coloca como difícil de fazer projeções, e que necessitará ser monitorada semana a semana”, considera o economista chefe da Fiergs, André Nunes de Nunes. “A única coisa da qual temos certeza é de que haverá uma retração grande e que a agricultura vai salvar um pouco os números” completa o engenheiro agrônomo Adrik Richter, do Departamento de Política Agrícola da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no RS (Fetag), que representa cerca de 720 mil agricultores familiares no estado. Até o final de abril, a agricultura familiar estava mais impactada pela estiagem do que pelo coronavírus no RS.

Neste mês de maio, o esforço ainda é em tentar encontrar um caminho. “Não precisaríamos estar enfrentando os conflitos entre as necessárias medidas de distanciamento e as questões econômicas. A pressão pelo afrouxamento na verdade aumenta porque o governo federal não canaliza os recursos necessários nem para as pessoas e nem para as empresas, parece estar em conflito constante: é como se entendesse o que deve ser feito e, ao mesmo tempo, travasse os processos”, explica o professor Weiss. Segundo ele, sem aumentar o endividamento, o país não sairá do lugar. Mas os sinais emitidos são preocupantes. “Ao mesmo tempo em que há propostas importantes, como a que dá maior possibilidade de atuação do Banco Central para comprar dívida pública, há outras totalmente descabidas. A de usar reservas internacionais para abater a dívida depois, por exemplo. O país se desfazer de dólares para pagar dívida em reais seria surreal”, assinala. “O fato é que em breve teremos uma divergência muito grande: a discussão sobre quem vai financiar o crescimento da dívida pública. Vamos ter a coragem de mudar o sistema tributário? E o ônus? Será ou não colocado sobre os mais afetados pela crise?”, questiona o supervisor técnico do Dieese no RS, Ricardo Franzoi.

 

Edição: Extra Classe