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“Pandemia ensina que é preciso trabalhar para superação das diferenças de classes"

Responsável pelo trabalho social da Arquidiocese de BH, padre Júlio César comenta impacto do coronavírus

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |

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Padre Júlio é coordenador do Vicariato para Ação Social, Política e Ambiental da Arquidiocese de Belo Horizonte - Reprodução

Diante do contexto de crise sanitária e econômica, a igreja católica tem sido um dos órgãos mais procurados para o auxílio aos desfavorecidos. Mas além de garantir a assistência, a entidade também tem tido papel importante no debate político sobre a realidade mundial atual. Para debater os rumos da sociedade brasileira frente à pandemia do novo coronavírus nós conversamos com Padre Júlio César Gonçalves Amaral que é coordenador do Vicariato para Ação Social, Política e Ambiental da Arquidiocese de Belo Horizonte.

O papa Francisco tem se manifestado frente a pandemia, pedindo mudança na economia e na relação com a natureza. Como essa mensagem reflete na prática concreta da igreja?

O papa Francisco tem sido uma das maiores lideranças do nosso tempo e é também um grande exemplo porque ele é muito coerente em suas atitudes. Ele coloca em prática na sua vida o que ele fala. Há muito tempo ele levantou a voz com uma crítica ao sistema adotado hoje no nosso mundo, que coloca o capital, o dinheiro, o lucro acima da vida das pessoas. E isso tem sido um elemento inspirador para várias igrejas em todas as partes do mundo. A fala dele incentiva a, enquanto igreja, nos colocarmos em primeiro lugar à serviço da vida. Não só dando assistência material, mas também na busca da justiça, dos direitos, de políticas públicas, de modo que realmente a vida seja colocada em primeiro lugar.

A pandemia tem sido sentida também pelas igrejas em geral, já que atividades presenciais estão suspensas. Como isso impacta na Arquidiocese de BH e como ela tem se organizado?

Assim como as pessoas estão tão tendo de se reencontrar, se reinventar nessa nova realidade, assim também é a igreja. Ela tem continuado a sua missão e redescobrindo algumas coisas, como por exemplo, que o mais importante não são os templos, o mais importante são as pessoas. As pessoas são a igreja e por isso podem ser reunir em casa, rezar com a orientação, o apoio da igreja. Essa situação também nos faz repensar sobre a importância da ação. A igreja não existe só para rezar. Mas a oração deve nos levar a uma ação, um engajamento social. E nesse contexto, nós da Arquidiocese de Belo Horizonte, sob a orientação do arcebispo metropolitano Dom Walmor, ficamos muito preocupados com a situação das pessoas neste contexto de pandemia, de modo especial dos mais pobres e mais necessitados. Então, diante disso, resolvemos organizar uma campanha chamada Solidariedade em Rede. Cada paróquia, cada comunidade e instituição da Arquidiocese foi convidada a se tornar um ponto de solidariedade. Nesse ponto elas recebem doações de alimentos, produtos de limpeza, de higiene pessoal, que são repassadas para os necessitados. Também estamos promovendo o apoio jurídico e psicológico para essas pessoas. Hoje essa campanha está presente em 15 dos 28 municípios que formam a Arquidiocese de Belo Horizonte, com 87 pontos de solidariedade.

Qual a orientação para quem está passando por alguma dificuldade e precisa receber essa ajuda?

Para acessar esses pontos, as pessoas podem procurar a igreja mais próximas de onde moram, lá elas vão ser informadas de qual o ponto de solidariedade mais próximo da sua casa.

A CNBB tem se pronunciado com frequência sobre questões nacionais, por exemplo, contra a retirada de direitos, as reformas neoliberais, preocupada com a população encarcerada nesse contexto de pandemia e até contra a frequente troca de ministros. E em Minas como a igreja avalia o governo estadual?

Por um lado, temos visto boas iniciativas de prefeitos e de cidades, mas penso que no todo a gente precisa de uma melhor organização, posições mais claras do governo, para que nós possamos reforçar as medidas que estão sendo tomadas e poder avançar com os ganhos. Como por exemplo, com relação ao isolamento social que tem evitado o aumento de mortes e o acúmulo de atendimento nos equipamentos de saúde.

O senhor é vigário para ação social da Arquidiocese de BH. Temos assistido o uso da fé para fins políticos nas disputas nacionais, com pastores fazendo a defesa do governo federal. Como a Igreja Católica vê essa relação entre fé e política?

Penso que a fé e a política estão ligadas, na medida em que a fé tem a missão de compromisso com a vida e a política faz a vida acontecer. Porém há um grande risco da fé ser instrumentalizada, manipulada por questões ideológicas e partidárias. Então é preciso muita seriedade no que se refere à essa relação. A fé deve contribuir para que aconteça a verdadeira política, com P maiúsculo, e não uma fé alienada que se mistura com poderes e líderes políticos que se dizem cristãos, mas que não tem verdadeiramente princípios cristãos e não agem como cristãos.

O que o senhor acha que esse momento de pandemia tem a ensinar aos cristãos e a sociedade?

Primeira coisa é que nós somos um todo, a sociedade está toda interligada e a pandemia nos ensina a importância da união. Não podemos nos fechar no nosso próprio mundo, precisamos abrir a nossa mente e o nosso coração para perceber que estamos todos interligados e precisamos agir juntos. Entender que aquilo que afeta aos mais pobres afeta a todos nós. Então eu acho que a grande lição que a pandemia nos traz é que nós precisamos trabalhar para a superação de muitas injustiças e diferenças gritantes de classes sociais que existem no Brasil. No nosso país muitas pessoas estão na linha ou abaixo da linha da pobreza. Então nós precisamos não só de desenvolvimento econômico, mas também de desenvolvimento social. Precisamos nos unir para elevar o patamar do nível de vida e da justiça social para todas as pessoas, sem distinção.

Edição: Elis Almeida