Mesmo com o anúncio do retorno das atividades presenciais no ensino superior no estado de forma gradual a partir de 15 de junho, anunciada pelo governador Eduardo Leite (PSDB) na última semana de maio, universidades públicas e privadas mantém cautela. Está previsto o retorno das atividades no Ensino Superior, Pós-Graduação e Ensino Técnico Subsequente, restritas ao estágio curricular obrigatório e às atividades práticas de ensino essenciais à conclusão de cursos, de pesquisa e em laboratórios.
Nesta quinta-feira (4), o governo publicou no Diário Oficial do Estado os protocolos para o retorno, apontando que as instituições devem cumprir diversos critérios de distanciamento social e cuidado pessoal para alunos e trabalhadores. Entre eles, promover, orientar e fiscalizar o uso obrigatório de máscara de proteção facial. As instituições devem ainda estabelecer um Plano de Contingência para Prevenção, Monitoramento e Controle da epidemia do novo Coronavírus (covid-19); observar medidas sanitárias permanentes de que trata o Decreto nº 55.240, de 10 de maio de 2020, as medidas segmentadas estabelecidas conforme a Região em que estejam situados, bem como as medidas municipais específicas; não estarem situados em Regiões classificadas como Bandeira Final Vermelha ou Preta.
Também nesta quinta, a prefeitura de Porto Alegre publicou, em edição extra do Diário Oficial de Porto Alegre (DOPA), um decreto que libera atividades presenciais de pesquisa de graduação e pós-graduação que não possam ser realizadas de forma remota. Seguindo as orientações do decreto estadual, as aulas podem ser realizadas desde que observadas as regras de distanciamento e uso de máscara de proteção facial por alunos, professores e funcionários. O distanciamento mínimo entre as mesas deve ser de dois metros e ocupação máxima de um aluno para cada 16 metros quadrados. Os dois metros de distanciamento entre as pessoas também devem ser respeitados nas áreas de ensino e circulação, assim como a lotação não pode exceder 50% da capacidade máxima de ocupação prevista no alvará de funcionamento ou de prevenção contra incêndio.
Preocupado com a saúde dos trabalhadores da educação, de suas famílias e da comunidade escolar, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) reuniu, ainda em maio, subsídios para a elaboração de protocolos mínimos. “O segmento da educação no estado do Rio Grande do Sul mobiliza aproximadamente 30% da população gaúcha. Envolve uma quantidade expressiva de pessoas, altera as condições de trânsito e transporte público, modifica o cotidiano dos territórios, o que demanda que qualquer retomada seja feita em condições de segurança”, afirma o estudo. Além de recomendar diversas medidas de higiene e distanciamento, aponta que um dos maiores indicadores de que o retorno às aulas é precoce no Brasil e no estado é a não testagem em massa.
Com o retorno das atividades previsto para o período em que os casos de covid-19 seguem ritmo crescente, o Brasil de Fato RS conversou com sindicatos e associações de algumas instituições de ensino superior, a fim de saber como se posicionam os trabalhadores frente a proposta do governador. Confira como está o plano de retorno e a posição das entidades:
UFRGS e UFCSPA
A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) confirmou prorrogação da suspensão das atividades presenciais até o dia 30 de junho. Quando for definida uma data, a universidade informa que a comunicação do retorno será feita com pelo menos 15 dias de antecedência.
A Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) decidiu manter as atividades suspensas por tempo indeterminado. "Desde o início da situação de excepcionalidade, já começaram a ser levantados os critérios para o retorno das atividades", afirmou em nota. Quando for deliberada a volta gradual, o retorno será amplamente divulgado também 15 dias de antecedência.
Segundo o coordenador do Sindicato dos Técnico-Administrativos da UFRGS, UFCSPA e IFRS (ASSUFRGS) Charles Florczak Almeida, os funcionários das instituições posicionam-se pela manutenção do isolamento sem aulas e atividades administrativas presenciais, pelo menos até que a curva de contágios esteja decrescente. Sobre as aulas remotas, o sindicato acompanha a deliberação do DCE da UFRGS, que aponta para a impossibilidade de aulas à distância pela ausência de condições de estudo e equidade entre os estudantes.
“Acreditamos que o plano de retorno deva ser construído democraticamente levando em consideração aspectos técnicos, científicos, mas também a segurança emocional dos trabalhadores e estudantes. Não queremos ser utilizados para nenhum experimento social, porque são as vidas que estão em risco”, critica, destacando que essa construção deve envolver as categorias e seus sindicatos e diretórios.
Segundo Charles, em um eventual retorno, “acreditamos que alguns serviços podem ser mantidos no home office e devem ser garantidas as condições de distanciamento e EPIs para os trabalhadores (o que nem sempre é uma realidade nas universidades)”. Ele recorda que os trabalhadores não estão parados: “seguimos trabalhando em home office, atendendo várias demandas acadêmicas e administrativas, além de manter os serviços essenciais que dizem respeito à vida e ao patrimônio e em atividades voltadas ao combate à covid-19”.
O presidente do Sindicato Intermunicipal dos Professores de Instituições Federais de Ensino Superior do Rio Grande Do Sul (ADUFRGS Sindical), Lúcio Vieira, afirma que saúde, segurança e vida são o que mais importam nesse momento e que as considerações sobre o retorno presencial não se mostram prudentes em maio à curva ascendente de casos da doença no estado. Apesar disso, ele destaca ser um debate importante porque as universidades federais têm uma responsabilidade muito grande, inclusive com setores sociais mais vulneráveis, que estão com o acesso ao conhecimento vetado no momento.
“Agora deve ser pautado como podemos retomar de forma remota e emergencial para garantir o ensino ao setor social mais carente. Mas temos que levar em consideração o acesso à internet e os recursos tecnológicos, que muitos não têm”, destaca Lúcio. Para ele, é momento de ser criativo, “não dá para pensar que vamos ter a situação anterior à pandemia tão cedo, temos que equacionar neste momento e propor à sociedade um caminho alternativo”.
A ADUFRGS-Sindical promove, na próxima quarta-feira (10), a aula pública “Educação em tempos de pandemia: os desafios do retorno”, em seu canal do YouTube, a partir das 10 horas. Conforme Lúcio, a ideia é ouvir os principais responsáveis pela condução do enfrentamento da pandemia no âmbito institucional a respeito de como será o retorno às aulas. Participam da live os reitores das quatro instituições da base sindical da ADUFRGS: Rui Vicente Oppermann (UFRGS), Lucia Campos Pellanda (UFCSPA), Júlio Xandro Heck (IFRS) e Flávio Nunes (IFSUL).
Uma projeção de “retorno” artificial e improvisado
O ANDES/UFRGS também manifestou preocupação com a proposta de adoção do Ensino Remoto Emergencial (ERE), que circula em âmbito nacional e internacional para a reorganização do calendário escolar. Em Nota emitida no dia 25 de maio, aponta que essa pode ser “uma EAD precarizada”, que funciona em paralelo às normas estabelecidas.
“Dois meses após a suspensão de aulas, as e os docentes seguem sem informações sobre o planejamento para os próximos meses. Nesta pandemia, mais de uma vez fomos informados de importantes decisões da UFRGS pela mídia, sem uma comunicação interna tempestiva. Enquanto o Fórum das Comissões de Graduação (Comgrads) debate o tema, docentes são interpelados a aderirem à pretensa “novidade”, sob a alegação de que a retomada das atividades presenciais, quando ocorrer, será marcada por várias restrições”, lamentam os diretores do ANDES/UFRGS.
A nota lembra que é preciso respeitar as normas internas da UFRGS e a legislação que versa sobre a oferta de atividades de ensino à distância. No plano nacional, o ERE apoia-se no Parecer nº 5/2020 emitido pelo Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação (CP/CNE) sobre a reorganização do calendário escolar durante a pandemia. Contudo, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação esclarece que esse parecer desrespeita a Lei de Diretrizes e Bases (LDB- Lei nº 9.394/96) e o Decreto nº 9.057 do próprio MEC.
UFPel
A Universidade Federal de Pelotas (UFPel) suspendeu o calendário do primeiro semestre e publicou um calendário alternativo. Trata-se de uma programação suplementar que não substitui o calendário, com atividades remotas que vão de 22 de junho até 12 de setembro. Durante esse período, disciplinas optativas poderão ser livremente oferecidas, enquanto que as obrigatórias deverão passar por avaliação dos Colegiados de Curso e serem, preferencialmente, ofertadas para concluintes. Trabalhos de Conclusão de Curso serão também feitos com orientação remota, quando possível. Cerimônias de Colação de Grau ocorrerão online.
Conforme o coordenador de divulgação e imprensa do Sindicato dos Servidores da Universidade Federal de Pelotas (ASUFPel), Gabriel Martins, a posição da entidade é contrária à celeridade no retorno das aulas apresentada pelo governo gaúcho. “Podemos dizer que seguimos as recomendações da ciência e por hora o distanciamento social é o caminho mais prudente para a preservação de vidas. O retorno às aulas colocaria em risco os números baixos de contaminação no Rio Grande do Sul”, afirma.
“Inclusive o reitor mesmo disse que nesse momento é absurdo voltar as aulas, justamente no momento em que a curva de contaminados está crescendo”, ressalta Gabriel, lembrando ainda que as pesquisas mostram que há uma significativa subnotificação de casos de covid-19.
UFSM
A Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) suspendeu as aulas presenciais até 15 de junho. Ainda sem divulgar o calendário de retomada gradual, a universidade já adiantou que prorrogará esse prazo até 13 de julho.
Para a diretora da Seção Sindical dos Docentes da UFSM (Sedufsm) Maristela Souza, a proposta de flexibilizar o distanciamento social enquanto aumenta a curva de mortes e contaminados pela covid-19 “expressa irresponsabilidade valorativa, política e econômica com a vida das pessoas”. Na sua opinião, o governo volta a atender os desejos da economia, colocando mais uma vez a responsabilidade no indivíduo, neste caso, de correr o risco e não se contaminar. “A precarização da educação, da escola pública, do professor e da formação do aluno fazem parte deste projeto. Ele nunca escondeu isso, quando sucateia escolas, não paga o salário em dia de professores e funcionários e retira seus direitos, empobrecendo cada vez mais a categoria e a escola pública. Isso tudo, com a justificativa de que tem que colocar as contas do Estado em dia”.
Maristela aponta que a atual proposta de retorno expressa esse descompromisso. “Os trabalhadores em geral não estão tendo a liberdade de dizer ‘eu não vou me expor (ao vírus)’, e sim estão se expondo porque a sua condição social leva a uma imposição”. Neste cenário, ela afirma que a universidade “deverá mostrar aquilo que a define por essência e ser coerente ao que ela expressa dentro da sociedade, que é a produção do conhecimento científico, não cedendo às pressões do governo que colocam a economia em primeiro lugar e não a vida ou a saúde da nossa sociedade. E neste sentido, as universidades públicas estão muito bem, porque a maioria das pesquisas, a maioria das medidas mais concretas que nós estamos tendo nesse momento da pandemia são vindas das universidades públicas”.
Unisinos, PUCRS, Ulbra, UniRitter
A Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) segue com atividades presenciais suspensas até 30 de junho, mantendo atividades a distância desde o início do isolamento social. "Para evitar aglomerações e o contágio pelo coronavírus, as atividades de sala de aula se manterão no ambiente virtual até o final do primeiro semestre", reforçou em nota. A universidade trabalha com um plano de contingência para traçar a retomada progressiva e gradual de atividades práticas presenciais essenciais, como experimentos em laboratórios e retirada de livros, mas não divulgou datas.
A Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS) também optou por manter as aulas e a maior parte das atividades na modalidade online até o final de semestre. Sem divulgar datas, em nota, afirma que “pretende retomar de maneira gradual, controlada e progressiva apenas estágios e atividades práticas essenciais de ensino e pesquisa que não podem ser substituídos por atividades remotas".
A UniRitter também segue com atividades online e não informou ainda uma data para o retorno das atividades presenciais. Desde o dia 24 de março, são ministradas aulas ao vivo. Em nota, destaca que "com base na divulgação do plano gradual de retomada, a instituição vem trabalhando nas adaptações do seu calendário para, em breve, comunicar à comunidade acadêmica".
A Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) segue com as aulas teóricas de forma remota e as práticas serão recuperadas com a retomada escalonada das atividades presenciais. Também não informa uma data para retorno de atividades presenciais.
Em relação às universidades privadas e comunitárias, o Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS) afirmou em nota que “nenhuma medida para o reinício das atividades presenciais pode ser tomada de forma apressada. As aulas não foram suspensas e qualquer conteúdo pode ser recuperado, mas as vidas perdidas por decisões precipitadas não”. O Sinpro/RS, junto com o Sindicato dos Trabalhadores em Administração Escolar do RS (Sintae/RS), tem se reunido com o Sindicato do Ensino Privado (Sinepe/RS) a fim de tratar dos protocolos de retorno às aulas presenciais. As principais reivindicações são pela segurança da categoria. O sindicato patronal afirma que é indiscutível que as instituições terão que cumprir os protocolos determinados pelo governo estadual.
Edição: Katia Marko