Rio Grande do Sul

POVOS ORIGINÁRIOS

Liminar suspende audiência de concessão das Florestas Nacionais da Serra Gaúcha

Dificuldade de participação do povo Kaingang, que reivindica o território, foi determinante na decisão

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Barracos de lona marcam a terceira tentativa de retomada Kaingang de terra tradicional, no início de 2020 - Captura de tela de vídeo do Coletivo Catarse / Reprodução CIMI

Desconsiderando a reivindicação de mais de 10 anos do povo indígena Kaingang sobre a Floresta Nacional de Canela, o governo federal segue trabalhando para “passar a boiada”, usando o termo do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. O balcão de negócios para a concessão à iniciativa privada da gestão turística por 30 anos dos parques florestais da Serra gaúcha abarca ainda a Floresta Nacional de São Francisco de Paula.

Nesta quarta-feira (24), em pleno Dia Nacional da Araucária, árvore símbolo das regiões serranas do Sul do Brasil que corre risco de extinção, o Ministério do Meio Ambiente lançou um vídeo convidando investidores para uma audiência pública virtual para concessão da Floresta Nacional de São Francisco de Paula, que seria realizada hoje (25), destacando o “grande potencial turístico” da mata. Já nesta sexta-feira (26) aconteceria a audiência de concessão da Floresta Nacional de Canela.


Ministério lançou um vídeo chamando para a audiência / Reprodução MMA

Os planos foram interrompidos por uma liminar deferida nesta quarta (24) pela desembargadora Vânia Hack de Almeida, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que suspendeu as audiências públicas. A juíza usou como argumentos a fraca divulgação de local e hora e a dificuldade de participação online da comunidade Kaingang interessada no feito administrativo da concessão. Segundo ela, um assunto tão relevante à sociedade em geral necessita a garantia de um debate mais amplo, o que não ocorreria como estava planejado.

Minutos antes do horário previsto para o início da audiência nesta quinta (25), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) confirmou que “as audiências públicas, visando a concessão para visitação nas Florestas Nacionais de Canela e São Francisco de Paula, foram suspensas e serão realizadas em nova data a ser definida”.

Povo Kaingang reivindica território

Em matéria publicada pelo Brasil de Fato RS, a advogada, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Caxias do Sul, Geovana Bacim, explica que as terras da Floresta Nacional de Canela vêm sendo reivindicadas pelos indígenas Kaingang há mais de 10 anos e aguardam o cumprimento de acordos, em especial, promessas de relatório da Funai (Fundação Nacional do Índio), responsável por um estudo prévio acerca da reivindicação da possibilidade de permanência justa, dentro do que já prevê o Plano de Manejo de 2017, disponível no site do ICMBio.

“Queremos nossos direitos aos territórios garantidos e respeitados. Querem uma história? Nós os povos indígenas somos a verdadeira história. Querem prova? Nós estamos aqui e queremos ser ouvidos”, afirma o cacique do povo Kaingang na retomada em Canela, Maurício Salvador. No dia 27 de maio, foi realizada reunião virtual que contou com a participação de ministros, secretários e parlamentares da bancada do Rio Grande do Sul. Os povos originários que habitam a região não foram convidados.

Entidades ligadas à defesa da causa indígena e demais movimentos sociais e institucionais encaminharam uma nota técnica ao Ministério Público Federal, que solicita a suspensão dos processos de concessão das Unidades de Conservação de Canela e São Francisco de Paula, até que os povos originários sejam devidamente consultados e que tal processo só retorne após o término das recomendações de isolamento social, desencadeado pela pandemia de coronavírus no país.

Edição: Marcelo Ferreira