Rio Grande do Sul

Auxílio Emergencial

Com novo calendário, milhões de famílias terão que esperar até setembro para receber

Enquanto isso, muitas pessoas ainda aguardam a primeira e a segunda parcelas do auxílio

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Em um país extremamente desigual e com um número crescente de desempregados, a fome e a garantia de moradia não têm data marcada no calendário - Thiago Lemos /Fotoarena/Folhapress

O governo anunciou na manhã de hoje (26) o calendário das parcelas do auxílio emergencial. Nele, constam as datas de recebimento de acordo com o mês de nascimento. Com isso, algumas pessoas vão receber a terceira parcela apenas em agosto ou em setembro. Enquanto outros ainda aguardam a primeira e a segunda parcelas do auxílio.

O que o novo calendário leva em consideração, afinal? Em um país extremamente desigual e com um número crescente de desempregados, a fome e a garantia de moradia não têm data marcada no calendário, tampouco podem estar condicionadas a um planejamento que definitivamente não compreende o que é ser pobre no Brasil.

Larissa Azevedo tem 22 anos, é escritora e estudante de História. Antes do cenário da pandemia, trabalhava em lanchonetes, cafés e vendia seus livros na rua. Por ser do grupo de risco, Larissa cumpre com a quarentena desde o início e, por conta disso, tem o auxílio emergencial como renda única. Mas, mesmo antes da pandemia, já esbarrava nos entraves desse novo mundo do trabalho em que a precarização aprofundada dá poucas oportunidades para um emprego que, ao menos, supra suas necessidades básicas de sobrevivência. Segundo ela, os empregadores “pegam a minha idade, minha formação e querem estágio, me mantém 3 meses e nunca efetivam, daí eu recebo o mesmo que um estagiário e trabalho como alguém que ganha todos os direitos. Já trabalhei no shopping dias inteiros até o início da noite recebendo R$ 300,00, eles sabem que a gente que faz universidade, precisa mesmo do dinheiro e costuma não reclamar”. Larissa é uma das pessoas que ainda não recebeu a segunda parcela e aguarda, sem muita esperança, que ela não atrase mais do que já está, pois sem esse valor, ela não consegue dar conta sozinha.

Já Taynnã Ribeiro, 29 anos, é atendente e finalista em uma gráfica. Segundo ela, o seu salário passou de um valor base do comércio e, com o início do isolamento, converteu-se em um salário mínimo. Para ela, “os principais problemas são os atrasos nos pagamentos e não conseguir pagar contas no app. Mês passado, por exemplo, fui conseguir fazer a transferência apenas no início de junho”. E, mais uma vez, terá as contas atrasadas devido ao novo calendário. “Sim, vai me prejudicar, pois o auxílio completa meu salário. Ficarei com algumas contas atrasadas”, finaliza a atendente.

Esses são apenas dois exemplos de tantos outros que, em muitos casos, dependem da ajuda de terceiros. As campanhas de solidariedade têm ajudado muito neste sentido. Ainda que seja uma atitude nobre e sem elas talvez a condição de fome de milhares de pessoas estaria ainda pior, é dever do Estado garantir, neste contexto completamente atípico, uma renda básica para as vidas e para a economia.

Teto de Gastos na crise é loucura

Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, “numa situação de ruptura das cadeias de trabalho, produtivas, você tem que fazer o que é necessário. É emissão monetária e uma compra de títulos só pra segurar… a compra de títulos públicos pelo Banco Central, que é uma questão simplesmente patrimonial, e estender esse auxílio emergencial por mais tempo porque senão a economia vai ter dificuldade para sair [da crise]”. Questionado sobre a importância da revogação da Emenda Constitucional (EC) n° 95/16, também conhecida como EC do Teto dos Gastos Públicos, Belluzzo afirma que essa emenda “desrespeita uma característica fundamental para uma economia de mercado capitalista, que é a flutuação. Na flutuação do PIB ou da renda agregada, você tem diversos resultados relativos às receitas fiscais. Numa pandemia como essa em que, na verdade, você rompeu os déficits monetários e a geração de renda, é claro que a receita fiscal vai cair muito e você manter o teto de gastos numa situação como essa só no hospício mesmo”.

A EC 95 congela por vinte anos os investimentos em políticas públicas promotoras de direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. Dessa maneira, as políticas de combate às desigualdades e erradicação da pobreza, para citar apenas um exemplo, ficam sem qualquer investimento e não podem ser levadas adiante. O que ocorre, na prática, é uma transferência de investimento público para utilização desses recursos para pagamento da dívida pública. Ou, em outras palavras, retirar dos mais pobres para distribuir aos mais ricos.

Durante os meses que se seguiram desde o anúncio da Renda Básica Emergencial, milhões de brasileiros e brasileiras viveram a incerteza da aprovação e do recebimento do valor de R$ 600,00. O governo desde então vem anunciando tardiamente os calendários e com novas regras a cada mês. E o povo que lute! Que se habitue ao descaso. Muitas pessoas falam que por estarem conseguindo comer e morar, são privilegiadas. Acreditar que o fato de não viver em uma condição subumana, ainda que precária, é um tipo de privilégio, é um convite para a naturalização da pobreza. O que se tem é muito pouco, sobretudo da maneira como tem sido gerida essa crise.

Campanha defende renda básica até dezembro

Nesse sentido, foi criada a campanha ‘Renda Básica Que Queremos’, que diz respeito ao valor do auxílio emergencial para os meses seguintes. A campanha propõe que se mantenha o valor de R$ 600,00 até dezembro de 2020, que ao término do auxílio emergencial o beneficiário retorne automaticamente ao Bolsa Família e que novos requerentes possam fazer solicitação em julho, entre outros.

A assessora Parlamentar, doutoranda em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, Juliane Furno, afirma que a economia brasileira tem muito a se beneficiar com o prolongamento do auxílio emergencial. “Se estender o auxílio emergencial até dezembro o Brasil ganharia muito em termos de arrecadação tributária, porque todo esse dinheiro vai para consumo, as famílias consomem e grande parte da tributação brasileira é no imposto indireto, imposto de bens e serviços, que volta para o Estado na medida em que essas pessoas fazem demanda pela atividade econômica.” Sobretudo, porque “fazem demanda por um setor do mercado que é o setor do mercado interno que é o mais afetado pela crise”. Além disso, o auxílio contribuiu para quem não o recebe diretamente, como é o caso da classe média que possui imóveis para alugar, por exemplo. Então, “na medida em que existe essa renda emergencial e as pessoas acessam esse recurso, elas podem, por exemplo, pagar o aluguel. Isso gera renda diretamente para um setor que não recebe diretamente o auxílio”, finaliza.

Há uma dualidade presente no que se refere ao auxílio emergencial: ele é importante para o capital porque mantém uma economia baseada no consumo e atua como garantia de renda básica, como o próprio nome diz, para milhões de famílias que estão desempregadas ou tiveram seus salários cortados. Contudo, nem mesmo os liberais do governo de Bolsonaro (sic) defendem a manutenção do auxílio com o mesmo valor até dezembro.

Sobre isso, duas conclusões: 1) os representantes desse governo têm pouco entendimento sobre economia e pouco se importam com vidas, 2) o que explica por que a direita que faz parte da escola de FHC tem se mobilizado contrariamente a esse governo. Contudo, defender o auxílio não implica em defender uma economia de modo capitalista e essa linha tênue tem dado vazão a construção de frentes amplas compostas por representantes de diferentes ideias políticas.

E enquanto essas disputas inevitáveis acontecem, o que realmente importa para significativa parcela da população é a garantia do pão de todo dia à mesa. E reivindicam, como Thiago de Mello, que o pão seja “mais do que flor, seja fruto que maduro se oferece, sempre ao alcance da mão. Da minha e da tua mão”.

Edição: Katia Marko