Rio Grande do Sul

CULTURA NA PANDEMIA

Critério de seguidores nas redes sociais em edital do Banrisul desagrada músicos

Colegiado Setorial da Música do RS enviou carta ao banco solicitando mudanças no edital

Sul 21 |
Critério do edital deve deixar de fora músicos e gêneros musicais que não têm tanta popularidade nas redes sociais - Joana Berwanger/Sul21

Um edital do Banrisul para patrocinar até 200 lives de músicos gaúchos, pagando R$ 3.500 por cada projeto, num investimento total de R$ 700 mil, tem sido motivo de polêmica desde que foi lançado, na última segunda-feira (22). A razão da discórdia é o critério de seleção: serão escolhidos músicos e grupos que tenham o maior número de seguidores nas redes sociais Instagram e Facebook e de inscritos no Youtube.

O critério da popularidade nas redes sociais desagradou muitos músicos, ao não levar em conta a qualidade da obra, em detrimento do número de fãs. No edital, o Banrisul assegura a contratação mínima de 10 projetos em cada uma das regiões do Estado: Alto Uruguai, Centro, Fronteira, Leste, Noroeste, Serra, Sul e Porto Alegre.

A crise causada pelo novo coronavírus acabou por popularizar o formato de lives como entretenimento, seja por músicos solo, duos ou até pequenas bandas. Do artista iniciante até nomes consagrados, as lives musicais têm feito sucesso durante o isolamento social. E não demorou para o novo formato se tornar também uma fonte de renda, afinal, entre os trabalhadores afetados, a classe artística ocupa uma posição particularmente delicada, pois foi a primeira a parar e, tudo indica, será a última a voltar. A situação delicada dos profissionais potencializou a discordância com o critério de seleção.

“É um formato que vai ficar restrito. O Rio Grande do Sul é um estado muito musical, com uma identidade variada, cheia de influências, e o edital não está alcançando essa diversidade”, diz Luciano Balen, baterista e coordenador do Colegiado Setorial da Música do Estado do Rio Grande do Sul, ligado à Secretaria Estadual da Cultura. Para ele, o Banrisul, até por ser um banco público, deveria ter a imagem de uma instituição que respeita a diversidade do Estado.

Reunido na última terça-feira (23), o Colegiado debateu o assunto e decidiu enviar uma carta ao banco. No documento, o órgão solicita que o edital contemple os diversos ritmos musicais existentes no RS, como o rock, o jazz, a música gaúcha, o RAP, o canto coral, entre outros.

“Acreditamos que o item ‘7.1.1’ do edital, como critério de seleção e da forma que está hoje pode prejudicar a ampla participação da maioria dos artistas gaúchos ao estabelecer como condicionante número de seguidores em suas redes sociais. Entendemos que esta alteração (como sorteio, por exemplo) traria imensa repercussão positiva e entraria em harmonia com o posicionamento do banco”, diz o trecho da carta que pede mudanças no critério de seleção.

O Colegiado Setorial da Música também sugere a inclusão de aulas, workshops e seminários no edital, além dos shows. “A apresentação musical é nosso fim principal, porém, para a construção de um setor vigoroso, é necessário também formação, que sugerimos seja incluída no edital também na forma de ‘lives’ com uma hora ou mais de duração”, justifica o colegiado.

A carta foi entregue ao departamento de marketing do Banrisul e ainda não há resposta para as sugestões. O prazo para inscrição de projetos vai até o dia 1 de julho, e as lives devem ser realizadas entre 14 de agosto e 31 de outubro.


“Tem muita gente que tem valor, que merece esse recurso, mas não vai ganhar. E quem tá começando também não”, avalia o guitarrista e produtor cultural Chico Bretanha / Divulgação

Contramão

O edital “Patrocínios para Lives 2020” deixa claro, logo em sua abertura, o objetivo do banco em divulgar sua marca. O item 1.1 da apresentação diz: “O presente edital tem por objetivo difundir a marca Banrisul em produtos culturais do segmento musical, apresentados por músicos gaúchos, a partir das crescentes práticas artísticas compartilhadas pelas redes sociais neste período de crise, em que surgiu uma nova forma de conexão entre as pessoas”.

Para Chico Bretanha, guitarrista e produtor cultural, ao ter como principal objetivo divulgar a marca, o edital do Banrisul se torna “controverso”, especialmente por ser uma empresa pública. “Vai na contramão do que todos os outros editais fazem”, diz Bretanha. “O edital diz que quem tiver mais seguidores, vai ganhar, então não é pra ajudar os artistas. O único critério é esse, então é estranho. Um banco do estado fazer isso…é pura publicidade.”

Como exemplo de edital com outro viés, ele cita o promovido recentemente pelo Itaú Cultural, que contemplou desde artistas desconhecidos até nomes consagrados – e também causou polêmica justamente por contemplar artistas famosos no atual momento de dificuldade causado pela pandemia.

Bretanha pondera que projetos de artistas e grupos nativistas, com muitos seguidores nas redes sociais, têm potencial para dominar o edital do Banrisul. O guitarrista destaca que alguns músicos de renome, mesmo com a possibilidade de serem contemplados, talvez não se inscrevam, seja pelo valor relativamente baixo ou como forma de dar oportunidade para outros nomes. Ainda assim, avalia, são decisões difíceis de julgar e que envolvem a necessidade de cada um neste momento de pandemia e shows paralisados.

Para o produtor cultural, há muitos músicos no Rio Grande do Sul que mereceriam ter apoio nesse momento de dificuldade, pela obra e carreira construída, mas que, no entanto, são “fracos” em redes sociais. “Tem muita gente que tem valor, que merece esse recurso, mas não vão ganhar. E quem tá começando também não.”

Em nota, o Sindicato dos Bancário de Porto Alegre e Região (SindBancários) lembra que o Banrisul tem histórico em promover a cultura gaúcha por meio de editais, estimulando a produção local. Porém, no caso do edital para as lives, chama a atenção o critério de seleção não cultural. “Em vez de observar a importância daquele artista para sua cidade, região ou comunidade, o banco elege critérios que estão mais relacionados ao ‘marketing digital’, pois beneficia quem trabalha melhor suas redes e alcança mais pessoas”, diz trecho da nota.

“Como banco público, o Banrisul tem o dever de fomentar a cultura gaúcha, um papel que tem desenvolvido com louvor há décadas e temos certeza que continuará desenvolvendo. Não temos como não elogiar o projeto neste sentido. Mas é preciso pensar efetivamente na cultura, em estimular a produção de artistas locais, e não priorizar apenas o alcance da marca”, afirma Luciano Fetzner, funcionário do Banrisul e presidente do SindBancários.

Outro lado

Questionado nas redes sociais, o Banrisul usou o Twitter para explicar que o propósito do critério é “oferecer entretenimento para o maior número de pessoas possível, neste momento de adversidade em que este segmento cultural tem utilizado cada vez mais as redes sociais, trazendo uma nova forma de conexão entre os indivíduos”.

Segundo o banco, o número de seguidores de cada músico nas mídias sociais é um critério objetivo, transparente e imparcial. A agilidade permitida pelo critério, em meio à urgência da pandemia, é outro fator também destacado pelo Banrisul.

A responsável pelo marketing do Banrisul, Lisane Fernandes, acrescenta que o valor relativamente baixo a ser pago por cada projeto, de R$ 3.500, não deverá atrair músicos renomados.

Edição: Sul 21