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E daí, Bolsonaro?

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Com seu “histórico de atleta” -- como se gabou -- sobrou-lhe coragem para se expor. A mesma coragem que lhe faltou para enfrentar os debates do segundo turno das eleições de 2018 - Marcos Corrêa / Fotos Públicas
No meio de palavras e tiradas de raiva, menosprezo ou estupidez, Bolsonaro promoveu o vírus

“E daí?” Todo mundo lembra desse “e daí?” insolente de Jair Bolsonaro. Foi sua resposta ao ser confrontado com o fato de que, naquele dia, 29 de abril, com mais 474 mortes, o Brasil ultrapassara a China no total de óbitos do coronavírus. Em janeiro, sua reação pública inicial à ameaça, foi dizer que a situação “não é alarmante”.

Desde sua primeira manifestação sobre a covid-19, até a mais recente, em 7 deste mês, quando admitiu estar infectado, foram 45 declarações das quais 41 de desdém sobre os riscos. Em outros termos, foram 41 notas de repúdio ao isolamento e ao distanciamento social. E 41 manifestos em favor da morte.

Percorrer suas falas é constatar a construção monstruosa de um erro, erguido com uma argamassa que mistura ignorância, insensibilidade e mesquinhez.

Foi assim em 26 de março. Indagado se o Brasil -- então com 77 mortes -- chegaria aos patamares dos Estados Unidos, o inquilino do Alvorada negou. E explicou: “O brasileiro não pega nada. Você vê o cara pulando em esgoto ali, saí, mergulha, tá certo? E não acontece nada com ele”.

Naquele exato dia, os EUA contavam 1.628 óbitos. Hoje, os números brasileiros alcançam mais de 66 mil vidas perdidas. Ou 40 vezes mais perdas que os norte-americanos tinham naquele final de março.

No meio de palavras e tiradas de raiva, menosprezo ou estupidez, Bolsonaro promoveu o vírus incansavelmente. Tirou selfies, comeu pastéis, apertou mãos, dispensou a máscara, apoiou atos pela intervenção militar, agrediu as instituições, passeou de jet ski, promoveu churrascada, virou garoto-propaganda da cloroquina, andou a cavalo e causou aglomerações a cada fim de semana. No Brasil, atuou como uma espécie de embaixador da pandemia.

Com seu “histórico de atleta” -- como se gabou -- sobrou-lhe coragem para se expor. A mesma coragem que lhe faltou para enfrentar os debates do segundo turno das eleições de 2018, quando se refugiou na TV Record, ocultando sua covardia sob o xale do bispo Macedo.

Imbuído de tão destacada missão, pisou território estrangeiro – a embaixada de Washington. Lá, no domingo, soprou nuvens virais no ambiente, ao mesmo tempo em que exibia seu sólido complexo de vira-lata celebrando a independência norte-americana.

Na comilança em que o corona foi o convidado invisível à mesa, além da vassalagem de Bolsonaro e seu séquito, o entretenimento ficou a cargo do embaixador gringo, figura histriônica que passou o 4 de Julho fantasiado de caubói.

Desde a eclosão da pandemia, houve muita conversa, avanços e recuos, três ministros da saúde e pouca efetividade. O governo federal não se mexeu a tempo para adquirir máscaras hospitalares, testes e respiradores. Não treinou equipes hospitalares para lidarem com pacientes de covid-19. Somente em 11 de março, o Diário Oficial publicou a primeira medida de combate. Ou seja, dois meses e 11 dias após a China ter comunicado à OMS a presença da nova ameaça. Envolto em negacionismo, perdeu tempo precioso.

Fracasso mundial perante o coronavírus, Bolsonaro vai tentar socializar o prejuízo com governadores e prefeitos. Muitos deles também erraram ao ceder à força do dinheiro e afrouxar o isolamento antes da doença arrefecer. Ao menos, não se transformaram em propagadores de falsas curas.

Ele tentará mas será difícil desgrudar a desgraça do seu lombo. Cada morte cairá na conta da sua inépcia, crueldade e soberba. Em 20 de abril, ao ser questionado sobre o crescimento no número de óbitos no país, respondeu “Ô, cara. Eu não sou coveiro, tá?”

É mais um engano. É o coveiro do próprio governo.

Edição: Rodrigo Durão Coelho