Rio Grande do Sul

Privatização

Prefeitura recebe envelopes com propostas pelo Mercado Público

Tribunal de Contas do Estado suspendeu a licitação e está aguardando a decisão de uma ação civil pública

Brasil de Fato | Porto Alegre |
O Mercado Público é um patrimônio arquitetônico e imaterial da cidade de Porto Alegre - Divulgação/Ascomepc

A Prefeitura Municipal de Porto Alegre recebeu nesta sexta-feira (31) os envelopes com as duas propostas dos interessados na concessão do Mercado Público. Eles foram entregues mesmo após o Tribunal de Contas do Estado (TCE) ter suspendido a licitação no último domingo (24) e estar aguardando a decisão de uma ação civil pública, pedindo a anulação do processo de concorrência ajuizada pelo Ministério Público Estadual.

Os envelopes foram entregues por representantes do Consórcio Novo Mercado de Porto Alegre e da DLS Paseo Administradora Ltda. As propostas permanecerão secretas, pois os envelopes não serão abertos antes da decisão judicial sobre o assunto.

O edital, contestado pelo TCE e que tem a anulação pedida pelo MPE, determina o prazo de 25 anos para a concessão e a Secretaria Municipal de Parcerias Estratégicas entende que tem prazo até segunda-feira (3) para dar as respostas. O secretário Thiago Ribeiro explicou ao Correio do Povo que a Procuradoria-Geral do Município (PGM) tem “entendimento firme” de que não há necessidade de uma lei específica para dar continuidade ao processo. "Recebemos os envelopes, mas não podemos proceder abertura para avaliar os candidatos. Vamos aguardar decisão da Justiça, mas estamos bem tranquilos em relação a isso", destaca. Conforme Ribeiro, a PGM avalia que as alegações do MPE são “frágeis” e podem ser rebatidas.  Para ele o processo deverá ser destravado na próxima semana.

Para MPE concorrência é ilegal

As alegações do MPE têm o seguinte embasamento: a) Desvio da finalidade do emprego de concessão de uso de bem público. O MP entende que o contrato administrativo de concessão de uso não é o instrumento jurídico adequado para o tipo de negócio jurídico pretendido pela prefeitura. b) Inexistência de lei que regule o negócio pretendido pelo município. Para os promotores, o Executivo municipal se baseou apenas em regras da lei orgânica, que carecem de “regras claras definindo o conceito, o conteúdo normativo, a finalidade, os limites e o procedimento da concessão de uso de bem público”. c) Falta de autorização da Câmara Municipal. O MP destaca que a Lei Orgânica do Município prevê que esse tipo de negócio precisa ser aprovado pela Câmara. Este, aliás, também foi o mesmo argumento do TCE para suspender a licitação. d) Violação ao princípio da soberania popular e ao princípio da gestão democrática da cidade pela ausência de efetiva participação da população no processo de decisão. e) A realização da concorrência em meio à pandemia e à crise econômica instalada viola o princípio do interesse público, o princípio da isonomia entre as empresas interessadas em participar do processo licitatório e o princípio da seleção da proposta mais vantajosa para o Poder Público. A medida do MPE tomou como base um inquérito instaurado em novembro de 2019 para “investigar a legalidade, legitimidade e economicidade de promover a concessão da administração do Mercado Público por parte do Poder Executivo Municipal”.

Os promotores que assinam a ação, Cláudio Ari Mello, da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, Débora Regina Menegat e Heriberto Ross Maciel, da Promotoria de Habitação e Defesa da Ordem Urbanística, também alegam o risco para permissionários do negócio pretendido pela prefeitura. “O início da vigência da concessão está associado à revogação de todas as permissões de uso das bancas, boxes e demais espaços comerciais do Mercado Público pelos atuais permissionários, com a transferência da posição contratual de comando à empresa concessionária, fato que gerará enorme insegurança jurídica e econômica para os permissionários.”

Os promotores registraram ainda que mesmo havendo a decisão por parte do TCE, suspendendo o procedimento, está mantida a necessidade de concessão da liminar pela Justiça pelo fato de que a medida do TCE pode ser revertida. A suspensão decorreu de uma decisão monocrática do conselheiro Cezar Miola, que pode ser revertida pelo colegiado do tribunal.

A sociedade contesta a privatização

A deputada estadual Sofia Cavedon (PT), da Frente Parlamentar em Defesa do Mercado Público, elogiou a ação do MPE e a decisão do TCE. Ela lembrou que desde que assumiu o prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB) afirma que privatizaria o Mercado Público da capital gaúcha. Também afirmou que além das razões alegadas pelo MPE nas diversas audiências públicas realizadas sobre o tema, ficou claro que o Mercado é um patrimônio arquitetônico e imaterial da cidade de Porto Alegre. “Além de ter o ponto do Bará, bem no centro, onde se realizam manifestações religiosas de matriz africana, existe toda uma cultura e um relacionamento pessoal e afetivo forte entre os permissionários e os clientes do mercado.”


A presidenta da Associação dos Permissionários do Mercado Público, Adriana Kauer, ficou espantada com a visita realizada por empresários interessados na licitação / Divulgação/Ascomepc

A presidenta da Associação dos Permissionários do Mercado Público, Adriana Kauer, ressaltou que a realização dessa licitação em plena pandemia com as bancas fechadas e trabalhando em sistema de tele entrega traz um enorme prejuízo emocional para os “mercadeiros”. Essa é a forma como se autodenominam os comerciantes que atuam no mercado que funciona há 150 anos e foi construído no primeiro aterro da Capital.

Adriana diz que ficou espantada com a visita realizada por empresários interessados na licitação há duas semanas que já estavam tratando do assunto como se estivesse resolvido. “Inclusive um deles lembrou a possibilidade de transformar o segundo andar, onde era a praça de alimentação, num grande supermercado e citou uma rede da capital gaúcha interessada.” Segundo ela existe o interesse de transformar aquela atividade tradicional num grande shopping center, e com um aumento considerável dos aluguéis.  Adriana disse ainda que o valor cobrado no edital caiu à metade do valor real da concessão. Segundo Thiago Ribeiro o valor das obras deverá chegar aos R$ 40 milhões.

O ex-governador Olívio Dutra que quando era prefeito realizou a maior reforma no prédio é frontalmente contra a privatização. Ele defende que a Associação dos permissionários assuma a administração do mercado diretamente como fazia durante as administrações do Partido dos Trabalhadores.

Edição: Katia Marko