Paraná

Educação

Artigo | Formação humana e a campanha de solidariedade do MST

O processo de doação de alimentos é a demonstração de que formar sujeitos capazes de mudar a realidade social é possível

Curitiba (PR) |
Escola Itinerante Herdeiros do Saber, no Acampamento Herdeiros da Terra de 1º de Maio, em Rio Bonito do Iguaçu - Jaine Amorin

A importância da produção e doação de alimentos realizada pela solidariedade exercitada pelas famílias inseridas nas áreas de Reforma Agrária da região centro do Paraná inicia-se com o processo histórico da consolidação das experiências teóricas-práticas da educação do campo, e, sobretudo, das Escolas do Movimento. Para que o processo de construção do conhecimento aconteça nas escolas situadas em áreas de Reforma Agrária é vivenciado o exercício contínuo de envolvimento e participação dos professores, estudantes e comunidade nas instâncias organizativas da escola, que se inicia em sala de aula e integra-se à dimensão do trabalho útil, vivo e necessário à vida em comunidade.

Nessas condições, o MST percebe que a educação é uma tarefa complexa que tem como base a relação entre teoria e a prática, sendo estas condicionadas mútua e intrinsecamente. Nesta perspectiva, é tarefa primordial da educação e da formação no MST pensar e organizar uma concepção crítica de educação vinculada com a realidade de vida dos seus sujeitos do campo. Uma educação emancipadora que permita a criança, adolescente e jovem se desenvolver humanamente, socialmente, cientificamente e culturalmente, ou seja, um sujeito que possa intervir e modificar a realidade de vida.

Entendemos como ponto de partida para o desenvolvimento de uma educação emancipadora e crítica a construção de um novo modelo de produção (agroecologia) e de tecnologia (sustentável), imprescindível no estudo e no trabalho da cooperação e da agroecologia e da articulação necessária desta com os processos de educação, seja eles escolares ou não-escolares.

É evidente que o processo de doação de alimentos que ocorre hoje, perante a pandemia do coronavírus, é a demonstração de que formar sujeitos capazes de mudar sua realidade social é possível, quando a educação e o ensino nas áreas de Reforma Agrária são intencionalizados, desde o cuidado com a terra, a produção de alimentos saudáveis e consolidação de espaços de destinação ao saber, seja ele nas escolas municipais, estaduais e no próprio âmbito da universidade, situada em um assentamento do MST.

Hoje, a Reforma Agrária influencia direta e indiretamente a vida de mais de cinco mil famílias na região centro do Paraná. Pessoas, trabalhadores, camponeses sem terra que acreditam na construção de uma sociedade justa e humana, na qual não exista fome, desigualdade, injustiça social. É um modelo de sociedade, de educação e de produção proposto por essas famílias que contribuem, para que esse movimento não seja só o maior movimento de luta pela terra no Brasil, mas também seja reconhecido pela sua solidariedade na doação de alimentos, que são produzidos de forma saudável e que preserva o meio-ambiente. Com isso, a educação do campo articulada com a Educação do Movimento, agrega conhecimento crítico, científico e concreto que impacta a vida e visão de milhares de jovens camponeses. São, ao todo, mais de vinte escolas localizadas na região, sendo 12 escolas no município de Rio Bonito do Iguaçu, sendo seis municipais, quatro estaduais e duas Itinerantes; no município de Quedas do Iguaçu, há nove escolas, sendo três municipais, quatro estaduais e duas Itinerantes, e mais um colégio estadual no município de Cantagalo.

Em 1996, surge o Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em Agroecologia (Ceagro), que já formou seis turmas em Técnico em Agroecologia, através de uma parceria com Instituto Federal do Paraná, entre 2002 e 2012; uma turma de Técnico em Saúde e Meio Ambiente, em parceria  com a Fundação Oswaldo Cruz (Friocruz), entre 2011 e 2013; um curso de Especialização em Produção de Leite Agroecológico, em parceria com a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), entre 2013 e 2014; e mais de 320 cursos de curta duração em produção  agroecológica  e  orgânica,  cooperação,  associativismo,  cooperativismo  e  gestão de  empreendimentos, gênero, dentre outros diversos temas. Atualmente, o Ceagro cumpre a tarefa de prestar assistência técnica em agroecologia e Gestão, para além da capacitação.

Em 15 de setembro de 2009, criada pela Lei Nº 12.029, a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) surge através de uma demanda da região da Fronteira Sul e de seu entorno, região que até então era desassistida pelo ensino superior público e gratuito. Porém, a sua concretização só se deu por meio de muita luta dos movimentos sociais ligados a Via Campesina - dentre eles está o MST como um dos protagonistas -, sindicatos e partidos políticos ligados ao campo da esquerda. Hoje, conta com seis campi: Chapecó (SC) – sede da Instituição -, Realeza (PR), Laranjeiras do Sul (PR) -Localizado dentro de um assentamento de Reforma Agrária, Assentamento 8 de Junho -, Cerro Largo (RS ), Erechim (RS) e Passo Fundo (RS).

Todos os espaços de formação, sejam eles escolas ou centro de formação, dialogam com as reais condições de se fazer educação do e no campo, com seus desafios, suas contradições e suas reais possibilidades. Uma educação vinculada à realidade do camponês trabalhador, que acredita que a educação é mais que escola, pois ela acontece no trabalho familiar, no cultivo da terra, na colheita dos alimentos e, consequentemente, na sua destinação àqueles que mais precisam. Mais do que nunca, a Reforma Agrária é necessária para o desenvolvimento do homem no campo e para a sobrevivência do nosso país, através da produção de alimentos saudáveis.

 

Edição: Lia Bianchini