Minas Gerais

DEMOCRACIA

Artigo | Sempre que a verdade é alterada a Democracia é duramente atacada

"Mas se tem algo com o qual a imprensa não pode falhar é com o fato de dizer a verdade e não deturpá-la"

Betim | Brasil de Fato MG |
micronofe
"A imprensa também não pode ser neutra. De modo algum!" - Midia Ninja

Desde que a imprensa foi criada por Gutenberg, no sec. XV, ocorreu verdadeira evolução na comunicação mundial. A imprensa, em quaisquer dos formatos que se apresente, quer seja impressa, meio telemático ou virtual representa grande avanço para qualquer sociedade e é base de sustentação da democracia, desde que, além de tratarem dos fatos como verdadeiramente são, assegurem o amplo e irrestrito direito ao contraditório.

Por óbvio, se alguém ou algum veículo de comunicação se dispõe a noticiar determinado fato tem por obrigação buscar ouvir e apontar, as versões e posições para aquela notícia.

Não creio em neutralidade, a minha formação acadêmica e as diversas leituras de mundo que meus 41 anos me possibilitaram, bem como minha formação política, deram-me condições de suspeitar de posições neutras. Digo mais, deram solidez ao pensamento que hoje tenho para que possa dizer que a neutralidade é a escolha do lado mais forte ou opressor. E mesmo que este lado esteja redondamente enganado, a neutralidade o escolheu.

A imprensa também não pode ser neutra. De modo algum! E no campo da política, deve ser menos neutra ainda. Mas se tem algo com o qual a imprensa não pode falhar é com o fato de dizer a verdade e não deturpá-la, fazendo de um fato outro fato bem diferente, a ponto de manipular a opinião de seus leitores para o que foi noticiado. Tal atitude é demasiadamente desonesta. É pretender abusar de nossa capacidade de pensar e refletir!!! É atacar a democracia.

A entrega das cestas tende a causar aglomeração e não é função da educação, sim da assistência social

Isto posto, infelizmente o que tenho a narrar para os leitores aqui é o severo ataque que o jornal O Tempo Betim tentou desferir ao Sind-UTE Subsede Betim (Sindicato dos trabalhadores em Educação), no dia 30 de julho, com a veiculação de reportagem cuja manchete tendenciosa foi estampada na capa da versão impressa.

É sabido que a escolha das palavras, a sua organização no texto, bem como o local em que “geograficamente” estão destacadas ou não, definem muitas coisas e tem a capacidade de chamar a atenção do leitor para o que se quer destacar.

A manchete veiculada foi a seguinte: “Sindicato tenta impedir entrega do Kit Alimentação”. O texto foi acompanhado, como de costume por um subtítulo (lead): “SindUTE tentou a suspensão do benefício por duas vezes”. Isto posto, vamos aos fatos.

A rede municipal de educação de Betim, assim como as demais redes de ensino, está com atividades suspensas desde o dia 18 de março. Não é novidade para ninguém que o mundo atravessa por grave pandemia, que, no Brasil, diga-se de passagem, é agravada pelo discurso negacionista do presidente. Desde essa data, os estudantes da rede municipal não têm acesso a alimentação escolar - uma das políticas importantes de suporte ao ensino.

O governo municipal, assegurou, por uma única vez, no mês de abril, o vale merenda que consistiu na disponibilização de pequeno valor em crédito para que as famílias dos estudantes pudessem adquirir alguns produtos da cesta básica. Destaco aqui que, diferente de outros municípios, o valor disponibilizado naquele momento não assegurou sequer uma cesta básica completa.

Após essa primeira ação de suporte aos estudantes e famílias, a Administração Municipal não ofertou mais nada até o mês de julho (dia 23), quando anunciou novo programa que consistiu na entrega de kits alimentação (de aproximadamente 13 quilos), a serem entregues por diretores, técnicos de secretaria, agentes de serviços escolares e atendentes de apoio pedagógico convocados.

Prefeito deixou os estudantes por longo período sem acesso a nenhum programa de alimentação

Aqui é preciso destacar alguns detalhes importantes desse enredo. O primeiro deles resume-se no fato de o município ter deixado os estudantes por longo período sem o acesso a nenhum programa de alimentação. Nesse aspecto, o município foi omisso. E cabe perguntar: por que somente agora os alunos foram lembrados?

Outro dado importante consiste na condução da política de forma que apenas uma rede de supermercados pudesse fazer a entrega do kit, ao custo de mais de R$ 7 milhões, sem que as famílias pudessem escolher os produtos nas prateleiras do mercado de seu interesse. Quanto a isso, há quem diga que se o crédito fosse disponibilizado em forma de vale poderia permitir o acesso a outros produtos que não os da cesta básica. Refuto! Bastaria para tanto, a definição prévia e o controle dos itens que poderiam ser adquiridos.

E há ainda dois pontos positivos na disponibilização do crédito: um deles é a circulação do dinheiro nas mãos do pequeno e do médio comerciante, dos bairros, em vez de concentrá-lo apenas numa grande rede de supermercados. Outro ponto é o fato de as famílias poderem escolher o que comprar. Quem gosta de feijão preto compraria feijão preto, quem não gosta de canjiquinha, não compraria. Podemos pensar que “a cavalo dado não se olha os dentes”. Mas, não pode ser assim com o poder público.

Há um último dado na política da entrega dos Kits Alimentação que é nefasto: a possibilidade do contágio pelo coronavírus. A entrega das cestas em cada unidade escolar tende a causar aglomeração, propicia a circulação do vírus, causando contágio. Estamos falando de mais de 50 mil famílias que compareceram nas várias unidades da rede de ensino para pegar o kit. Além disso, entendemos que essa política é função específica da assistência social e não da educação, portanto, também não é atribuição dos educadores a sua entrega.

E foi isso que tentamos reverter judicialmente, depois de tentar, pela via da negociação junto à Secretaria de Educação, a suspensão das convocações. Infelizmente, é preciso dizer, a decisão do juiz, manteve a convocação dos/as servidores/as. Uma coisa é fazer a merenda na escola outra coisa muito diferente é entregar kit. O processo judicial ainda continua, mas, não contra a política de assistência que é necessária.

Assim também continua a nossa defesa em favor dos estudantes da rede municipal e estadual que somente agora foram lembrados, justamente quando as eleições municipais se aproximam. Essas nuances, esses fatos, não foram apresentados pelo jornal O Tempo Betim, que aliás apresentou mais de uma versão para o mesmo fato. A manchete do jornal impresso é uma e a manchete da versão virtual é outra.

Ainda é preciso dizer, que o referido jornal se omitiu em relação a todas as pautas, lutas e problemas da educação. Até o dia 31 de dezembro de 2016, o sindicato era assediado semanalmente pelos jornalistas para se manifestar sobre os problemas da rede. Cada detalhe ou problema, por menor que fosse era noticiado, seja na gestão Carlaile Pedrosa, seja na gestão Maria do Carmo Lara. Entretanto, do dia 1° de janeiro de 2017 até o presente momento, as lutas foram silenciadas, as várias greves deflagradas, as denúncias realizadas, as inúmeras vezes que o sindicato acionou o Ministério Púbico.

Nada! Nenhuma linha foi publicada.

Para quem nos acompanha de perto, fica nítida a mudança na postura do jornal, especialmente agora, no início do processo eleitoral municipal.  Para quem não nos acompanha muito, pode ter ficado a lembrança ou o questionamento daquele sindicato que tanto era notícia. Portanto, é preciso dizer: Quanto a nossa postura de sindicato combativo, nada mudou. Continuamos mais aguerridos que nunca e continuamos lutando por educação e serviços públicos de qualidade.

O que mudou do dia 01 de janeiro de 2017 a 30 de julho de 2020 não foi o sindicato. Foi a pessoa que se assenta na cadeira de prefeito. De resto, continuamos ainda com problemas históricos na cidade. Só não somos mais noticiados. Arremato a presente narrativa com um texto do grande escritor brasileiro Luis Fernando Veríssimo que certa feita disse: “Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data”.

Luiz Fernando de Souza Oliveira, professor das redes de educação de Betim e Contagem. Atualmente coordena o Sind-UTE Subsede Betim e faz parte da direção estadual do SindUTE/MG. Também é estudante de direito.

Edição: Elis Almeida