Rio Grande do Sul

Coluna

O Fascismo como solução neurótica (parte final)

Imagem de perfil do Colunistaesd
Obra Mussolini y el Papa New Workers School, 1933 - Reprodução de mural de Diego Rivera
Fascismo é um movimento político-social que está de acordo com milênios de repressão da sexualidade

O fascismo, enquanto movimento de massas, é o resultado da desorganização do funcionamento vital natural da população. É a culminância do medo das pessoas quanto a sua responsabilidade social, medo este fruto do processo de encouraçamento e desorganização das funções bioemocionais e sexuais.

Assim sendo, neste artigo seguirei apresentando algumas formas de manejo da excitação corporal que caracterizam o fascismo tanto enquanto manifestação de comportamentos individuais quanto na forma de movimentos sociais e políticos. É interessante perceber que grande parte do funcionamento fascista (em nível social e individual) é marcado por comportamentos (defesas) característicos dos bloqueios pré-genitais.

As defesas, como vimos, são formas de manejo energético utilizadas para evitar que determinados conteúdos, emoções, sensações sejam vividos diretamente e/ou se tornem conscientes. A fase pré-genital, por sua vez, é aquela em que a energia corporal irriga mais intensamente os olhos e a boca, promovendo a maturação dessas regiões do corpo, de suas funções biológicas, psíquicas e emocionais. Estas seriam as duas primeiras zonas do organismo a amadurecerem no contexto do processo de desenvolvimento, o que ocorre na fase intrauterina (gestação) e durante a amamentação. Isso quer dizer que o fascismo se apoia literalmente na dificuldade de amadurecimento imposta aos indivíduos por meio da repressão e do treino de obediência.

Assim, a idealização do líder, negação da realidade concreta – de fatos científicos básicos, por exemplo –, acreditar em mentiras descaradas (que beiram a inverossimilhança, como as fake news da atualidade) e o aspecto paranoico de “perceber-se” ameaçado por um mal que é preciso combater para evitar a própria destruição (os “comunistas”, os “gayzistas”, os “judeus”, os destruidores da família e da pátria – que no fim das contas são conceitos vagos e mistificados que não se relacionam com as experiências concretas e históricas dos grupos humanos que já se intitularam comunistas, por exemplo) são exemplos do que chamamos, em terapia reichiana, defesas oculares, isto é, distorções, portanto bloqueios, das funções naturais de olhar e ver.

Nesse caso a excitação fica literalmente presa na cabeça: localizada na função de imaginação, na imagem idealizada do líder, e na crença de que há um inimigo que é preciso combater, porque a excitação não pode descer aos genitais, inundar as pernas, virar caminhada e movimento, estrutura e responsabilização.

Ao mesmo tempo, a sensação de desproteção, a necessidade de ter alguém que cuide, aponte o caminho e resolva o problema, a desresponsabilização em nível social, a culpabilização de um “inimigo” externo pela frustração na própria vida: todos esses são bloqueios orais, isto é, atitudes que compensam a desorganização da função de nutrir-se a si mesmo e a falta de satisfação dos impulsos que acometem uma criança na fase oral de desenvolvimento – ou seja, no período de amamentação.

O fascismo pode ser considerado, então, como o pacote perfeito para a desresponsabilização social e política das massas.

A angústia orgástica faz com que as pessoas tenham muito medo da genitalização. Isto é, elas temem que grande parte das dimensões de seu funcionamento individual – a sexualidade, o trabalho, as relações, os pensamentos, hábitos, etc. – sejam regidas pela mistura de prazer e responsabilidade, pela possibilidade de descarga e relaxamento, de autonomia e autorregulação.

Funções genitais em sentido lato (responsabilidade, estrutura, autonomia, criatividade, seriedade e comprometimento conectados ao prazer e à expressividade) são evitadas pelas pessoas porque elas necessitam, para acontecer, da organização da função genital e sexual. A sexualidade em constante repressão sustenta a angústia orgástica de um indivíduo. Quanto mais orgasticamente impotente, mais tensão sexual e menos possibilidade de descarga uma pessoa tem, o que a torna ainda mais suscetível de manifestar tendências, comportamentos, vinculações a grupos fascistas.

Um líder fascista gera identificação e apresenta uma oportunidade de grande excitação e descarga não sexual da mesma. Ele canaliza o ódio, a necessidade de adorar e a ânsia de proteção. A excitação que não pode se concentrar nos genitais passa a sustentar as ações, pensamentos, discursos, desejos, fantasias, ancorados em bloqueios pré-genitais, ou seja, de olho e boca.

Assim, é a necessidade de reprimir os impulsos biológicos que torna as pessoas suscetíveis a aderir aos discursos e aos comportamentos fascistas. O fascismo é um movimento político e social que está de acordo com milênios de repressão da sexualidade. Ele consegue sintetizar diversos mecanismos de repressão dos impulsos vitais. As pessoas recorrem às suas práticas e ideologia em conformidade com seu principal dilema orgânico: a repressão dos impulsos, das emoções e das possibilidades de descarga natural da excitação corporal e psíquica, principalmente a sexual. Assim, as práticas fascistas sustentam coletivamente a manobra orgânica individual de repressão sexual e emocional.

Descrição da imagem: trata-se de uma pintura do muralista mexicano Diego Rivera. Nela podemos ver, ao centro e acima, o perfil de Benito Mussolini, sendo abençoado pelo Papa. Uma multidão é retratada abaixo dessas duas figuras centrais: vários rostos masculinos. Entre eles se destacam a imagem de uma figura usando um capuz da Ku Klux Klan e uma bandeira dos EUA. Há também pessoas segurando punhais. Em volta de Mussolini temos uma série de mãos tentando tocá-lo. Ao fundo, uma bandeira da Itália e cenas de violência, em um cenário de guerra.

Edição: Katia Marko