Rio Grande do Sul

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CENTO E ONZE MIL E CEM

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São mais que necessárias as manifestações, que estão se espalhando, como a que aconteceu dia 19 de agosto na frente do Palácio Piratini, Porto Alegre - Divulgação CPERS
São, definitivamente, ‘tempos de cólera’: pelas mortes, sim, em primeiro lugar, mas também pelo ódio

Cinco meses, quase seis. 111.100 vidas se foram, números de quarta-feira, 19.08.2020, mais de mil mortes cada dia nas últimas semanas, vítimas do coronavírus. São um total de 3.456.652 de casos confirmados no Brasil, 49.298 novos casos no dia 19 de agosto de 2020. E nada e ninguém diz ou garante que nos próximos dias e meses não continuem morrendo mais de mil brasileiras e brasileiros a cada dia. São centenas de milhares de pessoas e famílias de luto. A morte rondando a todas e todos. Uma tragédia. Onde vamos parar? Onde o Brasil vai parar?

Estamos todas e todos quase sem palavras. Em pleno século XXI, sem guerra, vidas se perdem, vidas estão a perigo, milhares, milhões de vidas que não voltam mais. E neste contexto de morte uma menina de 10 anos é sacrificada no altar sem escrúpulos e irracional do fundamentalismo e do dogmatismo, como se ela fosse mais culpada que seu algoz estuprador.

A tragédia brasileira é maior que na maior parte do resto do mundo. Nas palavras de Fernando Haddad, “estamos sem ministro da Saúde, sem equipe econômica, sem rumo”. (Brasil 247, 12.08.2020). Enquanto isso, o presidente da República diz: “Ninguém lidou melhor com a economia na pandemia do que o Brasil” (Carta Maior, 20.08.2020). Onde ‘lidou bem’? O ministro da Saúde é interino, vidas estão se perdendo, não há coordenação do governo federal com os demais governos e a sociedade, nem se constroem políticas eficazes para enfrentar a pandemia. E, mais uma vez, a economia sendo colocada antes e acima da vida!

Ao mesmo tempo, aproveitando-se da tragédia, “42 bilionários brasileiros, super-ricos, embolsam US$ 34 bilhões na pandemia, isto é, R$ 177 bilhões, mais que o orçamento anual do SUS, de 125,6 bilhões, entre março e julho de 2020. Mas o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, descarta imposto sobre 60 mil milionários brasileiros. O lucro dos super-ricos também é equivalente a 6 vezes o orçamento anual do Bolsa Família” (Viomundo, 12.08.2020). A sociedade está exigindo o Imposto sobre grandes Fortunas, que continua fora do radar das elites brasileiras, num país que tem uma das maiores desigualdades econômicas e sociais do mundo.

Mais. “Bolsonaro mostra quem é ao tirar dinheiro da Educação para a Defesa. Já se teve notícia de que o orçamento da Defesa terá mais verbas que o da Educação. Hoje, os jornais noticiam que os R$ 2 bilhões do censo do IBGE de 2021 podem ser destinados aos militares para completar o orçamento de pessoal das FFAA. E o censo? Fica para 2022. Uma clara prioridade bolsonariana” (Helena Chagas, Brasil de Fato, 19.08.2020). “Bolsonaro vai cortar R$ 47 bilhões da Saúde em 2021. Defesa investiu mais do que Educação em 2019; corte de 13% na Educação em 2021. Doria vai cortar R$ 1 bilhão de Universidades” (Carta Maior, 19.08.2020).

É o significado do ‘lidar bem com a economia’, enquanto a fome, a miséria e o desemprego crescem diariamente: tirar dinheiro da Saúde e da Educação, diminuir os recursos públicos do orçamento para Saúde e Educação, enquanto morreram 111.100 brasileiras e brasileiros da pandemia, mais de mil por dia!

São, definitivamente, ‘tempos de cólera’: pelas mortes, sim, em primeiro lugar, mas também pelo ódio e intolerância reinantes. Os tempos devem, ou deveriam, ser de compaixão. Com-paixão, estar junto, sentir a dor, buscar saídas e alternativas coletivas, pensar solidariamente. VIDA EM PRIMEIRO LUGAR, como anuncia o Grito das Excluídas e dos Excluídos/2020.

CENTO E ONZE MIL E CEM, em cinco meses. E gente sem compaixão querendo a volta das aulas presenciais, os jovens alunos nas salas de aula. Diz a notícia: “Covid 19. Estudo de Harvard aponta que crianças têm alta carga viral e podem ser mais contagiosas do que adultos. Pesquisadores alertam para risco significativo da reabertura de escolas, contrariando tese de que os menores são menos suscetíveis à doença” (O Globo, 20.08.2020).

São mais que necessárias as manifestações, que estão se espalhando, como a que aconteceu dia 19 de agosto na frente do Palácio Piratini, Porto Alegre. Faixa do CPERS (Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul): “Escolas fechadas, vidas preservadas”. Faixa do SINPRO (Sindicato dos Professores): “A pandemia não está sob controle. Retornar para sala de aula é arriscar vidas. Aulas presenciais, agora, não!” Faixa do MST: “Volta às aulas é crime!”

Resistência profética. Vida, vida em primeiro lugar!

Edição: Katia Marko