Rio Grande do Sul

INUSITADO

Mourão, Onyx Lorenzoni e Abraham Weintraub são intimados pela Câmara de São Leopoldo

Vereador do DEM arrolou autoridades nacionais como testemunhas em Comissão Processante da cassação de seu mandato

São Leopoldo | BdF RS |
Hamilton Mourão (PRTB), Onyx Lorenzoni (DEM) e o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, que atualmente é um dos diretores-executivos do Banco Mundial, em Washington (EUA) - Montagem com fotos da Agência Brasil

O vice-presidente da República Hamilton Mourão (PRTB), o ministro da Cidadania Onyx Lorenzoni (DEM) e o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, que atualmente é um dos diretores-executivos do Banco Mundial, em Washington (EUA), foram intimados a depor, como testemunhas, em processo que tramita na Câmara de Vereadores de São Leopoldo, na Região Metropolitana de Porto Alegre.

A situação inusitada se deu a partir do Requerimento 127/2020 proposto pelos vereadores Perci Pereira e David dos Santos (ambos do PP), para a cassação do mandato do colega Marcelo Buz (DEM). Buz é acusado de utilizar-se de uma “licença de interesse particular”, expedida pela Câmara Municipal em janeiro de 2019, para ocupar a presidência do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) – uma autarquia federal ligada à Casa Civil da Presidência da República, em Brasília (DF). Com a exoneração de Buz do ITI, em junho, ele retornou às sessões virtuais da Câmara de São Leopoldo. Com isso, o vereador Perci Pereira (PP), que era suplente e tinha assumido a vaga em 2019, perdeu a cadeira na Câmara.

Uma das acusações é de que o vereador Marcelo Buz (DEM) teria desrespeitado a Lei Orgânica do Município de São Leopoldo que define que vereadores só podem licenciar-se para ocupar outros cargos políticos em âmbito municipal. O requerimento está em tramitação desde o dia 15 de junho de 2020. A Câmara de Vereadores definiu, por sorteio, a instalação de uma Comissão Processante que é presidida pela vereadora Iara Cardoso (PDT) e composta pelos vereadores Armando Motta (PRB) e Nestor Schwertner (PT) – que é o relator do processo.


Marcelo Buz (DEM) ex-presidente do ITI, que reassumiu o cargo de vereador / Site da Câmara Municipal de São Leopoldo

Tudo isso acontece no município de São Leopoldo, cidade da Região Metropolitana de Porto Alegre que tinha, de acordo com o IBGE, 236 mil habitantes em 2019. E 164 mil eleitores, segundo os dados mais atualizados do TRE-RS. A Câmara Municipal de São Leopoldo tem 13 vagas de vereador(a).

Com os Correios em greve, intimações foram via Cartório de Notas do DF

De acordo com a presidente da Comissão Processante, Iara Cardoso (PDT), a intimação do vice-presidente e do ministro da Cidadania se deu via Cartório de Notas de jurisdição do Palácio do Planalto. O amparo legal, segundo Iara, é a utilização do Código de Processo Penal (CPP) de forma subsidiária ao Decreto n. 201/67. “Entretanto, mesmo com o trâmite mais burocrático e lento das intimações pelo rito do CPP, o prazo mais importante da comissão é o prazo final do término dos trabalhos, que não pode ultrapassar o dia de 11 de outubro”, explica a vereadora.

A intimação de Weintraub, por sua vez, se deu de forma eletrônica, pelo e-mail de cada testemunha fornecido pela defesa do vereador Marcelo Buz (DEM), já que ele hoje é um dos diretores-executivos do Banco Mundial e reside em Washington, capital dos EUA.


Vereadora Iara Cardoso (PDT) é a presidente da Comissão Processante / Site da Câmara Municipal de São Leopoldo

A Comissão Processante ampliou o prazo para oitivas das testemunhas até 17 de setembro. A vereadora Iara Cardoso reforça: “Todas as testemunhas arroladas são da defesa, assim, já foi informado para a defesa, em mais de uma oportunidade, que esse é o prazo derradeiro para a oitiva das testemunhas. Assim, deve haver contrapartida da defesa em conduzir as testemunhas até a sala virtual em que ocorrem as reuniões, ou seja, se as testemunhas arroladas não têm caráter apenas protelatório, a defesa trabalhará no sentido de ouvi-las, como já mostrou interesse. Como as reuniões são virtuais, as testemunhas podem participar de qualquer lugar do Brasil ou do mundo, desde que tenham acesso à internet”.

Após essa data limite de 17 de setembro, abre-se o prazo de cinco dias para o denunciado apresentar suas razões escritas. “Após o recebimento das razões do denunciado a comissão emite parecer final pela procedência ou improcedência da denúncia, solicitando ao presidente da Câmara que marque a Sessão de Julgamento”, detalha a vereadora que preside a Comissão Processante.

O que a diz a bancada do PP, autora do requerimento de cassação

Segundo o suplente de vereador Perci Pereira que, com o atual vereador David Santos, formou a bancada do Partido Progressista (PP) na Câmara Municipal de São Leopoldo até junho, a expectativa é a de que a Comissão Processante atue “para restaurar a legalidade”. Afastado do cargo com o retorno de Marcelo Buz (DEM) a São Leopoldo, Perci Pereira é incisivo: “O ex-presidente do ITI sabe que incorreu em conduta expressamente vedada pela Lei Orgânica e legislação correlata”. De acordo com Perci, “a tentativa dos defensores de Buz é criar ocasião para que a comissão incorra em nulidade, utilizar-se do Judiciário e forçar a perda do objeto. Em síntese, o Marcelo Buz conta com a impunidade, sua única aliada”, diz Perci Pereira.


Ex-vereador e suplente Perci Pereira, do PP, que requereu a cassação de Buz / Site da Câmara Municipal de São Leopoldo

Sobre o fato de o vereador Marcelo Buz ter arrolado testemunhas que são figuras proeminentes da República, Perci Pereira afirma que “não lhe cabe fazer juízo de valor a respeito”. “Apenas vejo que, na ausência de argumento real capaz de enfrentar no âmbito da legalidade a questão, se busca desvirtuar o tema. A lei impõe noventa dias e nada mais para a resolução da controvérsia pela Comissão Processante. Está absolutamente claro que o mandato pertence legalmente a nós. Aguardamos celeridade e justiça na decisão da Câmara de Vereadores”, conclui.

Defesa de Buz afirma que processo é repleto de nulidades

A reportagem entrou em contato com o vereador Marcelo Buz (DEM) que, por sua vez, encaminhou o Whatsapp de seu advogado Marcelo de La Torres Dias. Em breve nota, Torres Dias registrou: “Processo de cassação eivado de vícios e nulidades. Deverá ser arquivado já na via administrativa, visto não possuir sequer objeto. Caso optem por tentarem cassar o mandato de forma política e sem materialidade jurídica, iremos ao Judiciário para assegurar o direito do vereador Marcelo Buz em exercer seu mandato”. O vereador e a defesa preferiram não comentar sobre o arrolamento do vice-presidente Hamilton Mourão, do ministro da Cidadania Onyx Lorenzoni e do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub como suas testemunhas no processo.

Cientista político avalia convocação de autoridades federais

O professor da UFRGS e cientista político Benedito Tadeu César entende que pela ótica da Ciência Política não há impedimento ou contradição na convocação de autoridades federais para depor em processos de âmbito municipal, uma vez que a Constituição Federal vigente coloca em pé de igualdade os três entes federativos, a União, os Estados Subnacionais e os Municípios.

“No entanto, sem entrar no mérito do processo de cassação do mandato do vereador, mas considerando que o motivo do referido processo é a acusação de que a Lei Orgânica do Município de São Leopoldo veda o afastamento de vereadores para ocupar cargo público fora do âmbito do município, parece-me que a convocação de autoridades federais, feita pela defesa, reforça a evidência de que o vereador afastou-se para ocupar cargo no âmbito federal, fora, portanto, do município de São Leopoldo”, analisa.

Benedito conclui que restará à Comissão Processante deliberar se o estabelecido pela LO do Município de São Leopoldo aplica-se ou não ao caso presente. “Cabe afirmar, por fim, que decisões sobre cassações de mandato são decisões quase sempre políticas e não meramente jurídicas”, afirma.

Conheça a íntegra do requerimento e do processo do vereador Marcelo Buz (DEM), de São Leopoldo, neste link

* Jornalista profissional de São Leopoldo, autor do Blog Tempus Fugit

Edição: Katia Marko