Rio Grande do Sul

Coluna

Os isentões que se cuidem

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"Vai mal um país onde o presidente, ao mesmo tempo em que ignora as implicações do inferno sobre o planeta inteiro, anuncia redução de R$ 600 para R$ 300 no auxílio emergencial" - Alisson Affonso
O que pode manter um grupo que a um só tempo segue alheio às mortes pela covid, incêndios e à fome?

No momento ecológico da semana não dá pra fugir de relação entre os incêndios na Amazônia e no Pantanal, e os ciclones bomba, com as inundações no Sul do país. E disso, com a irresponsabilidade de muitos, senão de todos. Mais de alguns é claro, do que de outros. Mas ninguém pode se pretender alheio às razões que trazem chuvas negras, descendo contaminadas do céu, ao longo dos milhares de quilômetros por onde serpenteiam as calhas dos rios aéreos que vêm da Amazônia. Este nosso presidente que alimenta os incêndios e não encontra maiores resistências sequer entre seus apoiadores, do agronegócio golpista que perderão mercados por conta disso, é um problema de todos.

No Pantanal os incêndios já avançaram sobre três milhões de hectares. Cerca de 30 mil quilômetros quadrados. Pense nisso: a área urbana de Porto Alegre é de aproximadamente 160 km2. Nossa região Metropolitana, com seus 34 municípios ocupa 10 mil km2. Aquele inferno no Pantanal tem o triplo deste tamanho. Bilhões de almas queimando em vida. Jacarés, tamanduás, onças, antas, macacos, e toda uma fauna menor, que não deixa mais que cinzas, gritando de horror e medo. Insetos que explodem, árvores que choram, indígenas, quilombolas, povos de todo o tipo, vivenciando a realidade daquela menina de nove anos que espantou o mundo enquanto corria, com as costas queimando por napalm, no Vietnã. Na mesma semana, alheio aos horrores que campeiam no Brasil, o presidente Bolsonaro faz piadas sexistas com menina de 10 anos, debochando de sua inocência e serenidade.

Já o Lula, em entrevista ao DCM, nesta mesma semana, alerta que os crimes de poucos se escudam na apatia de muitos, e que alguma responsabilidade, e dever, em relação a isso, todos temos. Ele lembrou que a dimensão dos ecocídios e genocídios se associam à incompetência de alguns e à irresponsabilidade de muitos. Que as queimadas podem ser fruto de intenções de alguns que vão ocupar aquelas terras com suas lavouras e pastos, beneficiando-se do ardiloso desmonte dos sistemas de controle, das políticas públicas preventivas, das redes de confiança e das organizações comprometidas com aqueles territórios e ecossistemas, pelo governo atual.

Desmonte do INPE, do IBAMA, do ICMBio. Substituição de funcionários públicos com serviços históricos, por incompetentes, sem qualquer respeito pelos povos, pelos biomas, por si mesmos. Pensando nisso, talvez este governo também demita os três diretores da ANVISA que esta semana votaram em defesa da saúde dos brasileiros, reafirmando necessidade de proibir o paraquate, no Brasil, como já ocorre em outros 50 países.

Lula alertou, mais uma vez, que em um país dominado por uma elite que pensa no povo como um número alterado, onde pobre, índio, desempregado, morador de rua, não contam, a destruição de valores humanos, éticos e morais, tende a prosperar. Se os humanos não contam, que pensar de todos aqueles outros seres que ardem em vida, no holocausto do Pantanal?

Vai mal um país onde o presidente, em semana como esta, ao mesmo tempo em que ignora as implicações daquele inferno sobre o planeta inteiro, anuncia redução de R$ 600 para R$ 300 no auxílio emergencial que está sendo esperado por 60 milhões de pessoas, para comprar comida. E ainda anuncia o congelamento das aposentadorias, e sua desvinculação de correções pelo Salário Mínimo, como quem coloca um bode podre na sala de todos. A seu estilo, volta atrás quando percebe que dos 30 milhões de aposentados, cerca de 70% vive e sustenta familiares com um salário mínimo, ao passo que cinco milionários concentram renda maior que metade da população brasileira

Enfim, Lula no DCM reafirmou sua disposição e convocação de todos para união nacional, em defesa da soberania do Brasil, em todas suas dimensões. Mostrando sua condição de estadista, Lula também pediu respeito e Prêmio Nobel da Paz para Julio Assange, a quem já havia referido como herói internacional disposto a sacrifícios pessoais em defesa da verdade. Naquele julgamento, a condenação sem provas ameaça e intimida todos os povos, repetindo na Inglaterra o que vem acontecendo no Brasil golpeado, servil, entregue a interesses externos.

Estas ideias se associam em minha cabeça porque permitem ver com clareza algo que sabemos desde a infância: Respeito é algo que não se negocia, não se vende nem se compra. Respeito é algo que se dá. E se dá apenas para quem já tem. Não é possível amar a quem não merece respeito. E um presidente precisa se dar ao respeito, respeitar o cargo que ocupa; o país em que vive; a história e o futuro de seus territórios e povos. Ou não será respeitado, muito menos amado.

Lula tem o amor do povo. E Bolsonaro? Ele aposta no ódio, como perversão relacional. Ele e sua turma parecem gostar de avançar encolhidos, pelos cantos, destruindo a história, o presente e o futuro do país. Ameaçando, envergonhando, desferindo e acobertando os golpes de todo o tipo, destrutivos às normas, à ética, às instituições e aos ecossistemas. Como consegue? Que mecanismo estaria mantendo as alianças que o colocaram onde está? Com certeza não se trata de algo que tenha a ver, ainda que remotamente, à noção de respeito.

O que pode manter um grupo que a um só tempo segue alheio às mortes pela covid, aos incêndios, à fome e à destruição de instituições, no atacado, enquanto no varejo vai descartando até aqueles que lhes juram amor? Ex-parceiros como Bebiano, Mandetta, Moro, Adriano e outros tantos que se acumularão nas valas porque não justificam tratamento como o reservado à Queiroz. Queiroz, sim, ele é amado com a intensidade dos segredos guardados em cofres, coisas tão densas que nem a morte resolve e os outros devem sonhar com isso. Mas até quando, se manterão as outras alianças? Até que se torne impossível manter a população alheia e os asseclas acomodados, diante do incêndio que destrói o país?

Casas compradas com dinheiro vivo, arrecadado na venda de chocolates. Doações de motoristas, cooptação de tantos, perseguições de pretos, pobres, índios ao sabor de parcerias com o dito “centrão”, e juras de amor à Trump... O que mais precisa acontecer para que os “isentões” acordem e encarem a realidade: a vez deles também está por chegar.

Não esqueçam isentões: a omissão alimenta os monstros e este que vocês colocaram aí já avisou: ele não respeita animal algum, criança alguma, e ainda usa o poder que vem do povo pra comer gente.

Para uma alegria e reflexões, sugiro isso!

 

Edição: Katia Marko