"Rolo compressor"

"Megaboiada": em Conama aparelhado, Salles revoga normas ambientais para agronegócio

Salles pautou reunião urgente para extinguir medidas e criou nova norma que permite queima de embalagens de agrotóxicos

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |

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Ricardo Salles tomou posse como ministro do Meio Ambiente em janeiro de 2019 e desde então coleciona controvérsias por conta de pautas antiambientais - Lula Marques

O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) revogou, nesta segunda-feira (28), três normas que protegem o meio ambiente no Brasil. A iniciativa se deu a mando do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que pautou uma reunião em caráter de urgência para extinguir as Resoluções 284, 302 e 303.

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A primeira estava em vigor desde agosto de 2001 e estabelecia normas para licenciamento de empreendimentos de irrigação. A invalidação da medida teria sido um pedido da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), uma das representações institucionais do ruralismo brasileiro.

Já as Resoluções 302 e 303 tratavam de parâmetros, definições e limites para áreas de preservação permanente (APPs) de reservatórios artificiais e o regime de uso do seu entorno.

Especialistas e entidade de servidores públicos reagiram às decisões do Conama, que estariam ligadas a interesses do agronegócio.  

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“Passaram o rolo compressor. Com essa composição do Conama, fica impossível. Eles vão ganhar todas, porque o governo consegue controlar", critica a ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e especialista em políticas públicas do Observatório do Clima Suely Vaz.

Ela ressalta que o histórico do conselho de votar pela rigidez das normas ambientais foi alterado na gestão de Ricardo Salles à frente do Meio Ambiente. "Isso não ocorre mais neste governo, que vota tudo no sentido de atenuar o rigor da legislação ambiental”, pontua. 

A pauta da reunião desta segunda do conselho foi questionada por parlamentares, ambientalistas e pela Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), que chegaram a solicitar a retirada desses pontos da agenda.

A oposição também agiu por meio de uma ação popular na Justiça Federal, em Brasília (DF), que pedia a suspensão da reunião. O documento foi produzido pelas assessorias jurídicas do PT e do Psol, mas não houve resposta a tempo.  

Aparelhamento político

No ano passado, o governo Bolsonaro reduziu de 96 para 23 o número de membros do Conama. Com isso, sufocou a participação da sociedade civil nessa instância de decisões, asfixiando vozes contrárias à gestão e fortalecendo a pauta do agronegócio, um dos principais braços políticos e econômicos do governo.

“O Conama, infelizmente, depois de 40 anos, virou uma instância pra se ‘passar a boiada’. É muito triste acompanhar tudo isso”, lamenta Vaz, citando uma das mais controversas manifestações de Salles, proferida durante uma reunião ministerial em abril deste ano.

Na ocasião, o titular da pasta defendeu que o governo utilizasse o momento da pandemia para focar na flexibilização de normas ambientais e “passar a boiada”.  

Pelo Twitter, o biólogo André Aroeira, por exemplo, também lembrou o enfraquecimento do conselho. “Tudo começou há mais de um ano, quando o sujeito recém-condenado por improbidade administrativa fez um bingo pra refundar o Conama e ninguém se importou. Preparou o esquema, negociou com os interessados, anunciou a boiada... e fez. Simples assim”, disse o especialista em políticas públicas para a conservação da biodiversidade. 

Degradação Ambiental

A diretoria da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema), entidade que reúne funcionários de carreira do MMA, afirma que os servidores da pasta foram surpreendidos com o anúncio da reunião de ultima hora. A organização chegou a pedir o adiamento do encontro. 

Em nota pública divulgada logo após a fim da agenda, a entidade disse que “o governo coloca em risco a saúde da população e o desenvolvimento do país” e “abre a porteira para a degradação ambiental”. 

“Esse tipo de alteração na legislação é o que tem levado a humanidade a vivenciar os desequilíbrios atuais, como a extinção em massa de espécies e a elevação dos riscos à nossa saúde, seja pela poluição do ar, das águas e dos mares, seja pelas pandemias como a que estamos atravessando", diz a nota da organização.

Por fim, a Ascema pede o julgamento imediato da situação do Conama pelo Supremo Tribunal Federal (STF), onde tramita uma ação da oposição que questiona as mudanças promovidas por Bolsonaro no colegiado.

A entidade também apela para que a Câmara dos Deputados aprove um projeto de decreto legislativo (PDL) protocolado nesta segunda pelo líder do PSB, Alessandro Molon (RJ), que pede a revogação do ato do Conama que formalizou a extinção das normas em questão.

Queima de embalagens e restos de agrotóxicos

Além da revogação das normas, o Conama criou, nesta segunda, uma nova regra que permite que materiais de embalagens e restos de agrotóxicos sejam queimados em fornos industriais para serem convertidos em cimento. A novidade se impõe sobre a normativa em vigor até então, que determinava um descarte responsável do material.  

“É uma pressão muito grande do setor agropecuário, porque querem simplesmente facilitar e fazer a queima de qualquer forma e, portanto, isso pode trazer muitos malefícios para a saúde na medida em que vai expelir para o ar resíduos dos agrotóxicos potencializados como subproduto da própria queima desses resíduos”, disse ao Brasil de Fato o deputado Nilto Tatto (PT-SP), coordenador da Frente Parlamentar Mista pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e um dos signatários da ação popular protocolada na Justiça Federal.   

“Nós pedimos também que nenhuma decisão do Conama seja considerada até que o Supremo decida sobre uma outra ação que ajuizamos lá atrás em que questionamos as mudanças feitas pelo governo no conselho”, acrescentou Tatto.  

Edição: Leandro Melito