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Artigo | A revolução que o Rio Grande esqueceu

Noventa anos se passaram e, hoje, o caminho é inverso. A começar pelo que acontece com a Petrobras

Brasil de Fato | Porto Alegre |
No dia 3 de outubro de 1953, aniversário da revolução de 1930 e o terceiro de sua eleição para Presidência da República, Getúlio Vargas inaugura a Petrobras - Divulgação

Num 3 de outubro como este o Brasil tremeu. Desde a Proclamação da República em 1889, haviam se sucedido golpes, conspiratas e revoltas, mas naquele dia distante, 90 anos atrás, um país diferente começava a nascer. Às cinco e meia da tarde daquela sexta-feira, o quartel-general da 3ª Região Militar, em Porto Alegre, foi atacado. Mais duas posições militares – o depósito de armas e munições no Menino Deus e o quartel do 7º Batalhão de Caçadores – foram assaltadas. Começava aquilo que se chamaria Revolução de 30. 

“A hora se aproxima. Examino-me e sinto-me com o espírito tranquilo de quem joga um lance decisivo porque não encontrou outra saída”, escreveu Getúlio Vargas em seu diário meia hora antes do ataque. O presidente da província do Rio Grande do Sul jogava um pôquer temerário. “E se perdermos?” indagou-se. “Sinto que só o sacrifício da vida poderá resgatar o erro de um fracasso”, respondeu a sua própria inquietação. Um mês mais tarde, em 3 de novembro, ele venceria o jogo, assumindo a chefia do governo.

Alguém já reparou, como um elemento pitoresco da relação dos gaúchos com sua história, que o Rio Grande festeja, a cada 20 de Setembro, uma revolução em que foi derrotado e ignora, a cada 3 de Outubro, uma revolução em que saiu triunfante? A data da derrota é motivo de tropelias, desfiles e cantorias. A data da vitória é soterrada pelo esquecimento.

No levante farrapo, o centro do poder imperial se impôs ao Rio Grande. Seus chefes recolheram-se as suas estâncias. No 3 de Outubro, o Rio Grande dobrou o poder central. Seus chefes tornaram-se figuras nacionais: Getúlio, Oswaldo Aranha, Flores da Cunha, Goés Monteiro, Lindolfo Collor, Assis Brasil...

A República sonhada de 1835/1845 dissolveu-se sem grandes consequências. Para os escravos que lutaram ao lado dos rebeldes, foi ainda pior. Em vez da alforria, receberam a traição seguida da aniquilação no Massacre de Porongos. Ao contrário, os eventos de 1930 transformaram profundamente o Brasil. 

Também já se disse que, a grosso modo, o Brasil pré-1930 não era uma nação, mas uma imensa fazenda. A ascensão das classes médias, o aumento do operariado, a disseminação das fábricas, o crescimento das cidades vão conformar outro país. É um período de lenta travessia da economia basicamente agropecuária para outra de perfil mais urbano e industrial. E de transformações sociais.

Resultado da longa luta das sufragistas, o voto feminino é reconhecido em 1932. Ao longo dos 15 anos de governo getulista criou-se o salário-mínimo, a carteira de trabalho, a jornada de oito horas, o direito às férias anuais remuneradas, o descanso semanal, a previdência social, a regulamentação do trabalho do menor e da mulher e a Justiça do Trabalho. O Brasil começa a transformar seu ferro em aço na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e decide explorar, ele próprio, as suas jazidas de petróleo. E nasce a Petrobras. Não por acaso também num dia 3 de outubro. 

Getúlio, líder desse processo de modernização conservadora, talvez seja a personalidade mais complexa da história brasileira. Em quase duas décadas de poder, governou como revolucionário, depois com o punho fechado de ditador e, no terceiro e último ato de sua vida física e política, na condição de democrata eleito pelo voto popular.

Noventa anos se passaram e, hoje, o caminho é inverso. A começar pelo que acontece com a Petrobras que, neste sábado, completa 67 anos sob a maior ameaça de toda a sua existência. Desde o golpe de 2016, a maior empresa brasileira vem sendo carneada pelos seus inimigos. 

O país que não queria mais depender da exportação de café e se lançava no desenvolvimento industrial não existe mais. Apequenou-se. Encolheu-se. Retrocedeu. Hoje, louva o agro que, supostamente, é pop. 

Se os generais do passado que, mesmo com a brutalidade da ditadura, tinham um projeto de governo, são hoje representados por simulacros, destroços, antigualhas da Guerra Fria. Nacionalistas de araque, veem compassivos a devastação do futuro nacional. Agacham-se perante uma figura nefasta e ridícula que bate continência para a bandeira alheia.  

Uma das canções de propaganda mais batidas do regime militar de 1964 dizia “este é um país que vai pra frente”. O governo do tenente que planejava explodir bombas em quartéis desmente até o ufanismo fabricado da ditadura. Seu caminho é irremediavelmente para trás.

Edição: Katia Marko