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É melhor ser alegre que ser triste

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Como fez Papa Francisco em sua Fratelli Tutti, que prestemos atenção à beleza e à mensagem de Vinicius de Moraes e Baden Powell, no Samba da Bênção - Sasin Tipchai por Pixabay
Podemos mudar mobilizando muitos a “fazer face aos efeitos destrutivos do império do dinheiro”

Em 29 de setembro, Noam Chomsky, talvez um dos mais influentes intelectuais vivos, anunciou sua convicção de que a humanidade avança de forma acelerada rumo à própria extinção. Ele cobrou empenho de todos para construção de “uma democracia vibrante na qual cidadãos interessados e informados estejam totalmente envolvidos na deliberação, formulação de políticas e ação direta”.

Em 3 de outubro, o Papa Francisco nos ofereceu sua Encíclica Fratelli Tutti. Lembrando que a desigualdade já afeta países inteiros e que “o mercado não pode cumprir plenamente a própria função econômica, sem formas internas de solidariedade e de confiança mútua”, Francisco esclarece que “se alguém não tem o necessário para viver com dignidade, é porque outrem se está a apropriar”. Didático, o Papa atualiza a parábola do Bom Samaritano, explicando que “existem simplesmente dois tipos de pessoas: aquelas que cuidam do sofrimento e aquelas que passam ao largo; aquelas que se debruçam sobre o caído e o reconhecem necessitado de ajuda e aquelas que olham distraídas e aceleram o passo”.

Para Chomsky, no texto citado, a omissão enfraquece, leva ao fim da sociabilidade e do Estado Protetor resultando na demolição da democracia. Com isso, controles empresariais rapinam o planeta, alguns malucos assumem presidências de países que deixam de existir como tal, avançam o agronegócio predador, a mineração, a queima de combustíveis fósseis, a degradação, a miséria e a morte, por todos os caminhos. Neste quadro, o momento seria de “entrar em pânico já!”, e reagir de acordo com o desafio que se impõe. A reação exigirá construção coletiva internacional, em defesa da vida. Esta opção estaria em andamento, por exemplo, através da Internacional Progressista. Naturalmente isto também seria objeto de várias formas de articulação internacionalista, a exemplo da Via Campesina e da Marcha Mundial das Mulheres, entre outras.

Em oposição a este caminho protetivo estaria sendo construída, “sob a liderança da Casa Branca de Trump, uma Internacional Reacionária que compreende os Estados mais reacionários do mundo”, incluindo “o Brasil de Bolsonaro”, “as ditaduras familiares do Golfo”; “a ditadura egípcia de al-Sisi”, “e Israel, que há muito descartou suas origens social-democratas e se deslocou para a direita”; a “democracia iliberal de Orban na Hungria” e elementos semelhantes de outros lugares, com forte apoio das instituições econômicas globais dominantes (citações do discurso de Chomsy, acima referido).

Neste sentido, o futuro da humanidade estaria em jogo, e avançaria no rumo do internacionalismo ou da extinção, resultados possíveis da verdadeira e atual “luta de classes em escala global”.

Como curiosidade, para estimular a leitura do discurso de Chomsky, observo aqui que analisando os Estados Unidos, ele relata o que vemos no Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai e Argentina. Em suas palavras: “A globalização neoliberal desindustrializou o país por meio de acordos de investimento e comércio chamados erroneamente de ‘acordos de livre comércio’”; “Ao adotar a doutrina neoliberal de ‘imposto é roubo’, Reagan abriu as portas para paraísos fiscais e empresas de fachada, antes proibidos de funcionar graças a leis de fiscalização eficazes.”; “criou uma enorme indústria de evasão fiscal que facilitou o roubo em massa pelos mais ricos e pelo setor corporativo da população em geral.”; “uma guerra contra os trabalhadores, os desempregados, os pobres, as minorias, os muito jovens e os muito velhos, e até mesmo muitos na classe média de nossa sociedade.”; “quebrado e descartado o pacto frágil e não escrito que existia anteriormente, durante um período de crescimento e progresso - no período de colaboração de classes sob o capitalismo organizado.”; “trabalhando incansavelmente para construir uma versão mais dura do sistema global neoliberal do qual se beneficiariam enormemente, com vigilância e controle mais intensos”. 

Já na Encíclica Papal lê-se que interesses econômicos gigantescos que operam no mundo digital, estariam criando “mecanismos de manipulação das consciências e do processo democrático”, tentando manter um estilo de vida consumista a que poucos têm acesso e que “só poderá provocar violência e destruição recíproca”. Como resultado, “os direitos humanos não são iguais para todos” e o princípio do «salve-se quem puder» gerará um «todos contra todos».

Nesta linha de raciocínio conclui-se que o destino do experimento humano depende do resultado de uma disputa entre as responsabilidades e as omissões da sociedade, em relação aos direitos e deveres humanos, o que amplia a relevância objetiva de orientações contidas na Fratelli Tutti, gigante em sua dimensão ética e espiritual. De fato, estamos em plena decadência dos valores morais, vivendo uma espécie de era dos bajuladores, das afrontas à ciência e das propagandas mentirosas como aquela da FPA, sobre o paraquat.       

Aliás, aquele caso ilustra bem o que se passa em países subalternos, com instituições públicas tuteladas pelo mercado. Após proibir o uso de lixo tóxico vetado em 50 países, a ANVISA voltou atrás e acabou autorizando sua desova nos campos do Brasil. Atendia assim, às custas de sua já frágil credibilidade, demandas das empresas de veneno veiculadas em propaganda assinada por Frente Parlamentar que deveria defender os interesses de nosso povo. Naquela peça, a FPA afirmava que, com a supressão do paraquat, o custo de produção e o preço dos alimentos seria triplicado, levando à carestia alimentar e ao crescimento, em milhões, da legião de desempregados que vaga neste país. “A pior das pragas é a desinformação”, intitulava aquele rol de afirmações enganosas.

Em verdade, desde o golpe apoiado por aquele grupo, o Brasil se perde nas queimadas, no envenenamento das águas, na morte de indígenas, nas fake news, na destruição de bens públicos, do sistema de saúde, na descredibilização das instituições públicas e do Estado, com relação aos direitos e necessidades humanas. Já ultrapassamos as 43 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar. E o auxílio emergencial, que minora a desesperança em 43% dos domicílios do país, proporção que supera os 45% entre os lares dos Estados do Norte e Nordeste, será reduzido de R$ 600 para R$ 300, em dezembro. E cresce o desemprego, enquanto os agrotóxicos se beneficiam de isenções de impostos.

A Encíclica destaca o fundamental: “na obsessão por reduzir os custos laborais sem se dar conta das graves consequências que provoca”... “o racismo que se dissimula”... “uma concessão da pessoa humana que admite a possibilidade de a tratar como um objeto”... “reduzida a propriedade de alguém; é tratada como meio, e não como fim”.

Não podemos aceitar, e podemos mudar isso mobilizando muitos a “fazer face aos efeitos destrutivos do império do dinheiro”, como pede Francisco. Apoiando as organizações sociais, elegendo vereadores e prefeitos ambientalistas, antifascistas, recriando a fraternidade responsável, ou, mais simplesmente, assumindo que de fato temos que reagir, conscientes de que “A solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo, é uma forma de fazer história e é isto que os movimentos populares fazem”. (Francisco, Fratelli Tutti)

Como curiosidade, hoje, dia 9 de outubro, o Prêmio Nobel da Paz foi concedido ao Programa Mundial de Alimentos (PMA), uma agência da ONU que adotou iniciativas aqui encaminhadas pelo governo Lula e posteriormente abortadas pelo golpe, de forma coerente com eventos examinados por Chomsky e Francisco. E ele continua ameaçado de prisão, sem provas, enquanto ex-ministros somem de cena, fugindo ou não para o exterior.

Para finalizar, recomendo, como fez Francisco em sua Fratelli Tutti, que prestemos atenção à beleza e à mensagem de Vinicius de Moraes e Baden Powell, no Samba da Bênção. Que os santos, orixás, encantados e espíritos ligados à vida, orientem os esforços de todos, nesta campanha eleitoral.

Edição: Katia Marko