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"Eles não. Tem que ser a gente mesmo": candidaturas coletivas se espalham pelo país

Vindas principalmente das periferias, candidaturas coletivas crescem e demandam política voltar para a diversidade

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Composto por moradores de periferia de São Paulo, a Bancada de Quebrada é uma das chapas coletivas que irão disputar as eleições em São Paulo - Vanessa Nicolav

Em um período de acirrada disputa política no país, uma nova forma de representação tem sido cada vez mais comuns nas eleições: as candidaturas coletivas. Elas surgem principalmente das periferias das grandes cidades brasileiras e querem transformar a política a partir de onde seus pés pisam, pensando na coletividade. Sua missão é ocupar o lugar atualmente reservado ao homem branco e proprietário. 

Um exemplo é a Bancada da Quebrada, chapa formada por representantes de diferentes periferias de São Paulo (SP), que tem como proposta colocar a periferia no centro da discussão e levar a potência da coletividade para os espaços tradicionais de poder.

“Precisamos de pessoas para legislar coletivamente, que rompam com a lógica do poder individualista, a lógica do cada um por si”, argumenta Anderson Severino, idealizador da chapa coletiva e morador do bairro Capão Redondo, zona sul da capital paulista. 

Existe muita intelectualidade na periferia, projetos, pessoas capacitadas.

Severino já participou, sozinho, de duas outras eleições, mas desta vez, decidiu unir forças à outros candidatos que têm em comum, além da vivência periférica, o foco em algumas pautas específicas: a educação popular e o antirracismo. Para eles, a combinação dos dois temas é central para que a democratização do acesso aos espaços de poder.

“Existe muita intelectualidade na periferia, projetos, pessoas capacitadas, o que não existe é o conhecimento do povo sobre os trâmites burocráticos das emendas desse dinheiro para auxiliar sua própria realidade. E o que a gente quer é desburocratizar e dar acesso ao povo a esse dinheiro que é seu”, afirma Lucas Arcanjo, professor de história da rede pública e integrante da chapa.

O formato de candidatura coletiva ainda não é prevista pelas regras do Supremo Tribunal Eleitoral (STE), portanto, apenas uma pessoa pode ter o nome registrado e ter poder de fala e voto na tribuna. Mas essa limitação não tem impedido que a estratégia venha se popularizando ao longo dos anos.

A periferia pode mostrar um novo tipo de sociabilidade e política, baseada no afeto, no respeito e no perdão.

Segundo estudo da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, entre 2012 e 2014, foram 7 candidaturas coletivas foram apresentadas no país. Já entre 2016 e 2018 o número subiu para 98.

Uma das experiências mais conhecidas é o da chamada Bancada Ativista, que conseguiu reunir 149.844 votos, tornando-se a maior votação de candidatura coletiva ou compartilhada já teve no Brasil, além da 10ª candidatura com mais votos do estado de São Paulo no ano de 2018.

Sementes de Marielle

Outro exemplo de chapa que aposta na coletividade é a Nossa Cara, chapa composta por três mulheres negras da periferia de Fortaleza (CE). Seguindo o legado de Marielle Franco, elas pautam a conscientização política a partir de um viés afetivo e cotidiano, focado nas relações comunitárias. 

“Nós somos três militantes, reconhecidas pelo nosso trabalho, que é fincado na periferia. Fazemos a construção dessa política do dia a dia, assim como Marielle Franco. Então, acreditamos que é possível falar que mesmo com problemas, a periferia pode mostrar um novo tipo de sociabilidade e política, baseada no afeto, no respeito e no perdão” afirma Adriana Gerônimo, um dos nomes da chapa.

Nosso dever é continuar abrindo caminhos como as nossas ancestrais.

Em um contexto de crescente militarização do estado do Ceará, e da repressão policial nas periferias, os riscos de mulheres periféricas se colocarem na disputa do poder, torna-se mais evidente. Ainda assim, as candidatas acreditam na importância de sua candidatura para a atualidade e para a história.

“A mulher entrando nesse espaço político ela quebra com uma lógica que é quebrar a estrutura política, que é uma estrutura de manter as mesmas pessoas com os mesmos privilégios. Nós sabemos que enquanto mulheres negras, estar candidata, ter a cara no santinho, nos deixa ainda mais vulneráveis, porque já não temos segurança para viver essa cidade. Mas acreditamos que o nosso dever é continuar abrindo caminhos como as nossas ancestrais”, relata Gerônimo.

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Reação ao cristo-fascismo

No centro das periferias também se encontra a discussão sobre a fé e política. Buscando dar alternativa a narrativa bolsonarista, que ganhou 46% do voto dos cristãos periféricos, um grupo de Porto Alegre (RS), também decidiu disputar coletivamente as eleições.

Composto por quatro integrantes cristãos, eles afirmam que a decisão veio da necessidade de combater o cristo-fascismo crescente no país.

“O Brasil sempre foi esse país onde política e religião e não se discute. E qual foi o resultado disso? Foi o Bolsonaro... porque muita gente acreditou que ele estava dialogando com as pessoas de fé. Então, a gente entende que é uma necessidade disputar esses espaços públicos para não permitir que sejam ocupados por grupos fundamentalistas.

Edição: Rodrigo Chagas