Rio Grande do Sul

Eleições 2020

A Cidade que Queremos conversa com Júlio Domingues e Daniela Brizolara  

Pela primeira vez em sua história, Pelotas terá dois candidatos negros concorrendo na mesma chapa 

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Confira os principais temas debatidos e assista à entrevista completa - Reprodução

Pelotas ganhou destaque nesse contexto da pandemia por ser de lá, mais especificamente da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que saiu a maior pesquisa sobre a covid-19 no mundo. Entretanto, como diversas grandes cidades, padece de problemas relacionados à sua infraestrutura, sobretudo nas suas periferias.  

Tida como uma das capitais regionais do Brasil, ela é a quarta cidade mais populosa do Rio Grande do Sul, com uma população estimada, em 2020, de 343.132 pessoas. Como acontece em todo o estado, o município é majoritariamente de pessoas autodeclaradas brancas. Cerca de 10% se autodeclaram negras ou pardas, de acordo com o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010.

É nesse contexto que surge, nas eleições desse ano, as candidaturas de Júlio Domingues para prefeito da cidade, e de sua vice, Daniela Brizolara, ambos do PSOL. Assim como acontece em diversos municípios, como por exemplo na capital gaúcha, a eleição na cidade será bastante concorrida, com 11 candidaturas à prefeitura (veja a relação no final da matéria). Por ter cerca de 238 mil eleitores, caso o pleito não se resolva no primeiro turno, a cidade se encaminhará para um segundo turno. 

O Brasil de Fato RS e a Rede Soberania têm se empenhado em dialogar com as candidaturas do campo democrático e popular no estado, para trazer à tona os debates pertinentes do momento e abrir espaço para as candidatas e candidatos expressarem suas intenções e ideias. Os convidados da terça-feira (13) foram Júlio Domingues e Daniela Brizolara.

Júlio Domingues

Candidato à prefeito pelo PSOL. Professor de Sociologia, formado pela UFPel. Coordenador da setorial de negras e negros do PSOL Pelotas, membro do diretório estadual do PSOL RS. Ativista das questões étnicos raciais. Há mais de 10 anos no PSOL. Entusiasta das questões da educação e da cultura. 

Daniela Brizolara

Candidata à vice-prefeita pelo PSOL. Professora da Educação Especial, musicista, coordenadora da setorial de negras e negros do PSOL Pelotas, membra do diretório estadual do PSOL. Técnica em agropecuária, graduada em artes pela UFPel, com habilitação em música. Foi vice-presidenta da Academia do Samba, escola mais antiga do interior em atividade, e também foi conselheira municipal de cultura por duas gestões.

Confira os principais pontos da entrevista e assista à live completa:

Educação 

Daniela Brizolara - Não poderíamos olhar indiferente para essa questão, por sermos professores, conhecermos a realidade que é a situação da nossa educação no país como um todo, mas trazemos para Pelotas. Hoje, mais do que nunca, em função desse momento de pandemia, nós enxergamos vários setores em que já existia uma fragilidade e que hoje salta aos olhos, mesmo que algumas pessoas insistam que está tudo bem. 

Como proposta para esse pleito, nós sabemos que precisamos de mudanças, de infraestrutura das escolas, sabemos de várias situações. Não se pode falar em mudanças se nós não falarmos em valorização também do funcionário. É importante colocarmos isso, que as mudanças são necessárias e urgentes, mas precisamos buscar uma valorização do professor, de todos os funcionários da escola. Hoje, para o funcionalismo receber o seu salário, cerca de 70% dos funcionários precisam de complemento até chegar ao salário integral. 

Júlio Domingues - Todas as candidaturas se dizem preocupadas com a educação. Ao mesmo tempo, quando a gente encontra determinados debates, sempre tem argumento chavão dizendo que tal coisa é muito complexa e a resolução desse problema é a educação. 

Mas, ao mesmo tempo, a política e seus gestores não dão a condição adequada para que educação consiga cumprir essa série de papéis que a gente, enquanto sociedade, destina para a educação. É extremamente contraditório, e ai eu digo que é impossível a gente resolver qualquer questão, mesmo as educacionais, com uma lógica histórica de sucateamento, de menos investimento, de ataque aos professores e aos funcionários públicos como um todo. Um profissional que devia ser extremamente valorizado é condenado pela política. Isso vem de um processo de desvalorização dos profissionais, de desvalorização da educação e isso se manifesta nas gestões do município. Temos a realidade de uma remuneração muito aquém, o município aqui não paga o piso nacional dos educadores.  

Não há um plano de valorização, não há uma lógica de diálogo com esse profissional, e é isso que estamos propondo no nosso programa de governo, construir em conjunto com a categoria um plano de carreira que viabilize o pagamento do piso, manter diálogo constante com a categoria. 

Outro ponto fundamental é a questão de melhoria das escolas que fazem parte das vilas e bairros da cidade de Pelotas, porque temos uma distinção. Enquanto algumas escolas do centro recebem um pouco mais de qualidade estrutural, as dos bairros mais distantes não têm, elas têm deficiências bem básicas como a falta d’água. Não que as do centro sejam espaços de excelência estrutural, também têm carências. A culpa não é dos professores, a culpa é daquilo que a política tem destinado para a educação, tanto de verba quanto estrutura, de valorização como um todo. 

Nosso projeto passa pela valorização do profissional da educação, passa pela melhoria estrutural das escolas e passa por manter um diálogo com os educadores. Também é necessário que tenha um incentivo da participação da comunidade. Um dos ataques mais covardes que os profissionais da educação receberam nos últimos anos, além de baixa remuneração e parcelamento de salário, é a questão do Escola Sem Partido, de tentar silenciar os professores, de transformar certos temas de não debatidos. Isso foi e tem sido um absurdo que temos que lidar. 

Saúde 

Daniela - Como em todos os outros setores, não podemos esquecer da valorização desse profissional, dos agentes de saúde. Pensamos em fazer melhorias no atendimento primário para não sufocar o atendimento de média e alta complexidade. 

Júlio - A pandemia escancarou a necessidade que a gente tem de fazer uma defesa coletiva do Sistema Único de Saúde (SUS). Se não tivéssemos o SUS imagina o quão terrível seria nossa situação? Devido a forma que o governo federal lidou e está lidando com essa tragédia que estamos vivendo, passando pelo princípio básico, que é uma política que deveria ter sido adotada no início, como a testagem em massa, e não foi adotada. Isso sumiu do debate. Não existe uma gestão de crise do governo federal em relação à pandemia, existe uma gambiarra, em que a gente viu a todo momento um bate cabeça entre governo federal, estadual e município, uma política de desinformação. Mas ainda sim a gente teve os profissionais de saúde sendo aguerridos e sendo os mais infectados para dar conta e segurar essa realidade. A gente defende a valorização do SUS.

Pelotas é um município de gestão plena da saúde, isso significa que tem recursos e pode definir por completo a destinação desses recursos. Há uma má gestão histórica, fato que se reflete na condição do Pronto Socorro municipal estar muitas vezes lotado. Então defendemos uma melhoria na gestão, melhor incentivo na atenção primária. Isso significa melhoria das Unidades Básicas, uma padronização estrutural e padronização do atendimento das pessoas, valorização dos agentes comunitários de saúde, expansão do programa de estratégia da família. Para além de melhor gerir os recursos que o município já tem. 

Geração de emprego e renda 

Daniela - Não basta apenas dizer que vai resolver o problema porque a gente sabe que mesmo passando a pandemia nós teremos, como já temos, situações que são graves, como pessoas que perderam seus empregos. 

Nós temos uma área que foi uma das primeiras a parar de trabalhar e provavelmente vão retornar mais precisamente ano que vem na sua totalidade, que é a área cultural. Esses profissionais hoje não estão trabalhando. Sabemos que tem todo um trâmite da Lei Aldir Blanc, mas as pessoas ainda não receberam esse recurso. 

Muitas pessoas, dentre elas músicos, por necessidade, tornaram-se empreendedores, e no empreendedorismo foram tentar sanar os seus problemas visto que, em contrapartida, não tiveram o apoio. E nós, enquanto programa de governo, propomos a valorização desses microempreendedores, dentre outras frentes de trabalho. Sabemos que vai ter que ser tudo muito pensado, com muita responsabilidade. 

Júlio - Vivemos uma crise de emprego que já existiria se não estivéssemos vivendo uma pandemia. Com a pandemia essa questão se agrava e pós-pandemia certamente será de muita dificuldade. 

Ao mesmo tempo é importante notar que aqui, na nossa realidade de quem mora nas vilas e bairros, as pessoas estão tentando encontrar algumas alternativas para poder dar conta dessa realidade, lançando mão de algumas iniciativas para poder enfrentar essa crise. Esse é um elemento que faz parte do nosso programa, construir alternativas para ajudar as pessoas a desenvolver seus pequenos negócios. Já existe a movimentação de uma economia popular, o povo já está na sua organização e isso poderia muito bem ser apoiado pelo poder público, ter um projeto de economia popular e solidária. 

O poder público também pode ajudar com as questões tributárias, com formação. Temos aqui um parque tecnológico que tem algumas empresas, e que poderia ter outros cursos sendo ofertados. Assim como o poder público poderia ofertar espaços para essa formação. A gente vive aqui uma lógica que é vigente em todos os lugares, de acreditar que a vinda, que a salvação para geração de emprego e renda são a partir das empresas privadas. Temos um déficit gigantesco na cidade de Pelotas, é improvável, para não dizer impossível, que um único ramo consiga dar conta de tudo o que a gente precisa para empregar as pessoas. 

Para nós a solução passa muito mais por incentivar e fomentar as iniciativas dos pequenos comércios do que propriamente dar esperança de uma vinda de uma grande empresa. Não tem relação com ser contra empresários, é uma questão lógica, é impossível que um único ramo, uma única empresa solucione o déficit que a gente tem. 

A nossa proposta para geração de emprego e renda é a diversificação. Somos hoje uma cidade cuja economia depende exclusivamente do comércio das lojas do centro da cidade. É necessário que tenha outras alternativas, e fundamentalmente incentivar as iniciativas populares que já existem e que precisam, muitas vezes, de uma melhor organização, de uma estrutura, formação, de uma legislação que contemple, que dê benefícios fiscais, ou mesmo crédito. Estamos apostando nessa possibilidade da prefeitura dispor de parcerias ou do próprio caixa para dispor de crédito para essas iniciativas. 

Mobilidade Urbana 

Júlio - Não tem como falar de mobilidade urbana sem falar da nossa realidade de transporte coletivo, se eu pudesse definir em duas palavras diria que ele é caro e ruim. Tivemos uma luta histórica aqui pela licitação, regulamentação, esse transporte era realizado pelas empresas de forma ilegal. Tivemos um processo prejudicial, veio a licitação e a gente já denunciava que o que se apontava na licitação é que as mesmas empresas que geriram esse serviço de forma ilegal, sem licitação, formariam um consórcio e dominariam esse serviço. E foi o que aconteceu. O problema é que esse consórcio faz o bem entende, aumento de passagem, redução de horários, aglutinação de linhas. A prestação de serviço não está no horizonte.

Poderíamos ter na cidade mais fomento para o uso da bicicleta. Mas aí temos um problema, a manutenção de ruas, sobretudo as ruas da vilas da cidade. É necessário ter melhoria na manutenção das vias das cidades de Pelotas, sobretudo as vias dos bairros. Os bairros se encontram bastante abandonados. Então, a respeito da mobilidade, passa por mudar essa relação com o consórcio, ter mais dispositivo de participação popular. 

Segurança Pública

Daniela - Pelotas precisa de uma segurança que, em um primeiro momento, a guarda zele por todas as pessoas. E um fator que é muito importante para que nós tenhamos a segurança é a questão da iluminação pública, porque isso influencia diretamente na nossa segurança. Pelotas, em muitos bairro e até mesmo parte do centro às escuras. 

Júlio - A atual gestão lançou mão de um programa chamado pacto pela paz, eu costumo dizer que era marketing pela paz, que criminalizava as aglomerações, agrupamentos, numa lógica de segurança pública que é a lógica vigente que a gente vem acompanhando no país, essas distorções sobre esse debate de segurança pública, que entende segurança pública como única e exclusivamente contenção. Obviamente que tem que ter medidas de contenção, e uma delas, como bem a Dani falou, é iluminação pública. Esse projeto também traz um dispositivo dando possibilidade de certas pessoas serem abordadas de forma mais veemente. 

Precisamos investir em uma série de elementos para contribuir a longo prazo, algo que não foi feito, não está no imaginário, porque infelizmente temos muitas distorções em relação a esse debate de segurança pública e tudo que se apresenta é sempre pela mesma lógica, de acabar com a violência com mais violência. A gente pensa na valorização de vários outros elementos que podem contribuir, a longo prazo, em um processo de segurança pública que vai para além da contenção, e tenha elementos de contenção que esse governo não fez, que é a iluminação pública e melhorias das mais variadas nos bairros da cidade.

Cultura, lazer

Daniela - Cultura e lazer geram pessoas mais felizes e pessoas mais felizes adoecem menos. Esse momento de pandemia nos mostra isso também. Temos uma cidade que tem uma efervescência cultural, mas muito ainda precisamos descobrir e valorizar da cultura de Pelotas como um todo. Temos as culturas populares, as culturas  que são desenvolvidas nos bairros. E quando eu coloco, de acordo com o nosso programa, a valorização também dessas culturas, estamos falando de representatividade, de fazer com que essas pessoas se sintam inseridas e que fazem realmente parte de uma cidade que muitas vezes faz com que elas se tornem invisíveis. 

Toda a manifestação cultural é o que faz a nossa cultura pelotense. O carnaval pelotense já foi um dos melhores do Brasil, um carnaval que trazia turistas da Argentina, Uruguai. E o carnaval não é visto como gerador de emprego e renda, não é tratado como algo relacionado ao turismo. 

Temos uma grande preocupação com coisas que não foram feitas, mas também uma grande responsabilidade em buscar valorização desses agentes culturais que fazem com que a nossa cidade aconteça. 

Júlio - O que acontece é que muitas vezes o poder público não incentiva esses ativistas. Um ponto que seria importante, que não está no horizonte do poder público, é o mapeamento dessa série de atividades, dessa série de ativistas que temos na cidade, e se propor a ter um incentivo. Temos as zonas ditas periféricas que tem uma série de ativistas, de iniciativas que poderiam ser incentivadas. É necessário que se faça o mapeamento, que tenha política de incentivo. Nosso projeto é que a gente tenha um plano a longo prazo que a cultura seja autossustentável. E entra também no nosso planejamento da política de geração de emprego e renda. 

Outro elemento importante da nossa política para geração de emprego e renda, para valorização cultural da cidade, e que a gente sempre utiliza é o carnaval. O carnaval poderia, se incentivado, ter toda uma construção, ter iniciativas profissionais que fossem executadas durante todo o ano. Temos uma série de ativistas que seguem resistindo mesmo com os ataques. A nossa defesa é de valorização de voltar a ter uma grande festa, nessa perspectiva não só de ter a festa, mas na perspectiva de gerar emprego e renda. O carnaval agora é terceirizado por uma empresa.

Considerações finais 

Daniela - O que nos motiva e nos dá coragem para estarmos nessa disputa, e digo coragem porque quando surgiu o nome do Júlio como candidato, infelizmente tivemos ataques racistas a respeito disso... é a primeira vez que temos uma chapa com pessoas negras, que são pessoas do povo, pessoas que moram na vila, no bairro, que conhecem de verdade a realidade da nossa cidade, conhecem a dificuldade que é o transporte público, conhece a dificuldade que é voltar do trabalho sem iluminação pública. Temos quilombos na nossa cidade que também são esquecidos e são esquecidos de forma muito triste, até serem levados a uma situação como se não fizesse parte da nossa cidade. Queremos uma Pelotas para todos e não para alguns. 

Júlio - Estamos falando de um projeto de cidade, de um projeto de política, de colocar nos espaços de decisão, nos espaços de poder pessoas que históricamente estão em minoria ou não estão. É necessário que a gente aponte horizontes

Confira as 11 candidaturas:

  • Júlio Domingues, candidato a prefeito, e Daniela Brizolara, candidata a vice, ambos do PSOL.

  •  Ivan Duarte, candidato a prefeito, e Iyá Sandrali, candidata a vice, ambos do PT.

  • Tony Sechi (PSB), candidato a prefeito, e Renato Abreu (PCdoB), candidato a vice.

  • Danniel (Dan) Barbier, candidato a prefeito, e Mabel Teixeira, candidata a vice, ambos do PDT.

  • Paula Mascarenhas (PSDB), candidata a prefeita, e Idemar Barz (PTB), candidato a vice. 

  • Adolfo Fetter Jr (PP), candidato a prefeito, e Antônio Carlos Brod (Cidadania), candidato a vice. 

  • Marcelo Oxley, candidato a prefeito, e Eduardo Vilar, candidato a vice, ambos do Podemos.

  • Marco Marchand, candidato a prefeito, e Henrique Kloos, a vice, ambos do DEM.

  • João Carlos Cabedal, candidato a prefeito, e Rui Jordão, candidato a vice, ambos do MDB.

  • Eduardo Ligabue, candidato a prefeito, e José Nilson Maesk, candidato a vice, ambos do PCO.

  • Marcus Napoleão (PRTB), candidato a prefeito, e Luciano Dalla Rosa (Patriota), candidato a vice.

Edição: Marcelo Ferreira