Rio Grande do Sul

TRABALHO

Cooperativismo de plataforma é opção ao trabalhador, mas impõe desafios

Tendência foi pontuada em debate virtual realizado durante o Fórum Saergs no Mundo do Trabalho

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Em julho de 2020, trabalhadores de aplicativos realizaram no Brasil a primeira manifestação contra a superexploração da mão de obra - Antônio Carlos Nascimento/Instagram

O cooperativismo de plataforma é considerado a mais nova resposta da classe trabalhadora ao movimento de uberização, aquele em que uma internacionalizada ferramenta digital congrega e explora mão de obra, como fez a Uber com o transporte de passageiros. Nessa proposta alternativa, entidades sindicais e associativas ganham respaldo ao congregar profissionais em ações unificadas de resistência ao modelo imposto pelo mercado em um ambiente cooperativo em prol da profissão, mas que reúne inúmeros desafios.

A tendência foi pontuada pelos participantes de live promovida pelo Sindicato dos Arquitetos no Estado Rio Grande do Sul (Saergs) na terça-feira (13), durante o Fórum Saergs no Mundo do Trabalho. O evento tem o patrocínio do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (CAU/RS) e apoio da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (Fenea) e Central Única dos Trabalhadores.

“Temos que pensar no cooperativismo de plataforma, em um modelo de união de trabalhadores. Precisamos ampliar uma organização que dê conta dessas novas morfologias do trabalho, fortalecer as organizações de classe, e nos colocarmos em movimento em projetos que valorizem os profissionais de arquitetura. A uberização é o avanço do capitalismo sobre o trabalho, uma forma de ampliar a mais-valia. O único movimento no sentido oposto é a nossa organização. A solução está com vocês”, sugeriu o pesquisador da Unicamp Marco Gonsales, estudioso do impacto dessas novas condições nas relações de trabalho.

Em expansão principalmente nos Estados Unidos e Europa, o modelo de reação dá mais autonomia à categoria para negociar seu próprio trabalho. “Quem consegue dar o preço para uma empresa que tem disponível 1 milhão de arquitetos em uma rede global?”, provoca Gonsales. Além disso, argumenta ele, quando autônomos precisam se conectar a uma plataforma, o preço, o cliente e o prazo passam a ser aspectos definidos pela própria interface e não pelo profissional. “É um novo assalariamento, mas muito mais precarizado do que o dos anos 60”, comparou.

O principal problema, indica o especialista, é a disputa que esses sistemas paralelos terão que travar com as multinacionais. “Essas grandes empresas nunca tiveram tão vulneráveis como estão agora. Porque ficou fácil para nos organizarmos em outra dimensão. A plataforma é o principal meio de produção. Não é mais a fábrica”, disparou. E indicou que talvez sejam os sindicatos os principais agentes de união necessários para o desenvolvimento desses novos modelos de negócio.

O caminho que leva a esse novo platô é algo que, segundo o pesquisador, “ainda estamos tentando entender”. As primeiras greves de aplicativos de alimentação e dos operadores de Uber foram realizadas recentemente e marcaram um momento de organização de categorias que leva em conta uma interação internacional. O olhar global sobre os danos dessas plataformas será tema de novo encontro do Fórum nas próximas semanas e que contará com arquitetos e urbanistas em atuação em diversos países.

Mediando o debate, o presidente do Saergs, Evandro Babu Medeiros, ressaltou a necessidade de resgatar a sensação de pertencimento a uma classe. “O brasileiro vai continuar sendo solidário só no câncer?”, provocou ele, parafraseando o dramaturgo Nelson Rodrigues.

Vice-presidente do IAB Nacional, o arquiteto e urbanista Rafael Passos lembrou que a profissão é diversa e cheia de contradições e que as entidades têm muito a avançar nas formas de interação e diálogo com suas bases. “Somos subempregados de nós mesmos”, disse, referindo-se à relação do profissional com sua própria carreira e com os colegas. Segundo ele, a Arquitetura e o Urbanismo passaram por mudanças constantes ao longo das últimas décadas. Temas como a Athis, que por muitos anos foram vistos como ações socialmente corretas, são agora prioridades como política profissional. Por outro lado, argumentou Passos, muitos arquitetos ainda estão focados apenas nos 7% da população que declara já terem contratado um arquiteto e urbanista em suas vidas. Um problema que, reconhecidamente, inicia-se ainda na formação dos profissionais na universidade.

A precarização do ensino também foi referendada pela presidente da FNA, Eleonora Mascia, ao alertar para a situação que os docentes de Arquitetura e Urbanismo vêm enfrentando com jornada excessiva durante a pandemia. Vários casos, informa ela, estão sendo reportados entre os sindicatos filiados à federação. “Tivemos denúncias referentes à carga horária, turmas muito grandes e sobre a fragilidade nas condições de trabalho. As universidades, principalmente as privadas, estão criando condições de precariedade, demitindo professores e fazendo contratos mais precários com remuneração mais baixas. A gente sabe que a vida não voltará a ser como era antes. A mudança é constante e precisamos estar preparados para isso”, argumentou, convidando os arquitetos e urbanistas a procurarem seu sindicato como auxílio nesse momento difícil.

O pesquisador da Unicamp ainda fez um relato sobre como, ao longo dos anos, o mercado conduziu arquitetos e urbanistas para uma situação em que o trabalhador foi estimulado a empreender como alternativa para condições supostamente mais promissoras. “Isso foi gerando uma insatisfação porque as pessoas se deram conta de que se pode ganhar mais, mas não tão mais assim. Que é muito complexo, se trabalha mais e se tem mais responsabilidade”, salientou Gonsales.

Panorama da atuação dos arquitetos e urbanistas é pauta do Fórum

Para falar sobre as possibilidades na profissão de arquiteto e urbanista, entender a organização do Conselho de Arquitetura e Urbanismo e debater as transformações da área ao longo dos anos, o Saergs promove, na próxima terça-feira (20), às 19h, a terceira live do Fórum Saergs no Mundo do Trabalho. Com o título “Panorama: Realidade e Possibilidades”, a transmissão será feita pelo canal do Youtube e página do Facebook do Saergs.

Participam do evento o arquiteto e urbanista Oritz Campos, que é conselheiro estadual do CAU, e a economista Lúcia Garcia, técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e especialista em pesquisas e análise do mercado de trabalho. Quem media o momento é a diretora do Saergs, Denise Simões. Segundo Lúcia, é importante falar sobre as possibilidades no mundo do trabalho, que passa por inúmeras transformações ao longo dos anos. “Na base disso, vemos o trabalho digital mudando a vida dos trabalhadores, mesmos os de escolaridade mais elevada, especializados, que vem perdendo direitos consagrados, em um ambiente onde o mercado cresce enquanto a presença do Estado diminui”, destaca.

A live pode ser assistida clicando aqui.

* Com informações do Saergs

Edição: Marcelo Ferreira